quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Faltou alguém no tribunal da #Vazajato: os EUA e sua atuação para derrubar governos, por Luis Nassif



Tudo bem, se Greenwald não quis abrir duas linhas de enfrentamento: com autoridades brasileiras e com americanas. Mas, pela dimensão política atual do The Intercept, seus leitores merecem uma explicação.

A cobertura do The Intercept na Vaza Jato repôs princípios jornalísticos que foram abandonados pela imprensa e pelas instituições brasileiras, nesse período de jornalismo de guerra. Como, por exemplo, a racionalidade por trás das decisões tomadas.
Nesse período de jornalismo de esgoto, a estratégia adotada pela mídia e pelas instituições era da invisibilidade das denúncias contrárias ao pacto do impeachment. Podia ser a denúncia mais fundamentada, por parte de jornalistas conhecidos e premiados em sua carreira na mídia tradicional, ou jovens jornalistas escudados em links confiáveis. Nada era aceito. Em contrapartida, qualquer factoide da mídia era álibi para atos de ofício de procuradores contra os “inimigos”.
Glenn Greenwald conseguiu romper essa barreira do silêncio dividindo a mídia, e oferecendo o acepipe do furo jornalístico aos veículos que mais se desgarraram do jornalismo no período anterior e a jornalistas introdutores do jornalismo de ódio na mídia.
Foi uma estratégia de craque.
Rompido o muro do silêncio, em sucessivas entrevistas apresentou ao Brasil formal os princípios fundadores do jornalismo, esquecidos nesses anos de subjornalismo: o respeito aos fatos, o respeito às fontes e, especialmente, o respeito ao direito inalienável do público à informação. Clareando desses princípios, abriu espaço para submeter decisões jornalísticas ao crivo da racionalidade. Foi possível discutir decisões e enfoques à luz dos princípios jornalísticos. E foi possível intuir – e entender -, também, quais as concessões temáticas do The Intercept para conseguir montar seu arco de alianças. Não apenas isso, mas Glenn Greenwald demonstrou uma coragem indômita em defesa desses princípios e dos valores democráticos.
É em nome desses princípios, e da possibilidade de voltar a discutir racionalmente o jornalismo, que a interrupção da cobertura traz dúvidas.
Apesar das óbvias relações com o Departamento de Justiça dos EUA e da ilegalidade das cooperações informais, não houve um capitulo sequer dedicado ao tema, mesmo com o caso Snowden revelando interesses diretos do Departamento de Estado com a Petrobras e da NSA ter incluido a empresa em seus alvos prioritários. Qual o motivo?
É óbvio que, nas conversas do Telegram, havia menção aos acertos com o Departamento de Justiça, com o DHS, as informações recebidas na cooperação informal com autoridades americanas, e até na imensa trama desenvolvida pela Lava Jato em perseguição ao advogado Tacla Duran ou em episódios de claro interesse estratégico dos Estados Unidos, como a questão nuclear – com informações do DoJ que levaram a prisão do Almirante Othon possibilitando, nas últimas semanas, um acordo inédito de cooperação entre a indústria nuclear americana e a brasileira.
Nem mesmo a óbvia cooperação das autoridades americanas para a identificação dos hackers estimulou o The Intercept a entrar no tema – ou talvez tenha desestimulado. A Polícia Federal havia declarado ser impossível localizá-los. De repente, Sérgio Moro foi para os Estados Unidos para encontros não registrados e dá como desculpa acompanhar os trabalhos do FBI na fronteira com o México. Dias depois, os hackers são detidos.
Reduzir a dimensão política da Lava Jato apenas à falta de escrúpulos de procuradores, delegados e um juiz ambicioso, não condiz com a racionalidade e o preparo comprovados de Greenwald. Nem com a experiência de quem trouxe à luz o caso Snowden.
Tudo bem, se Greenwald não quis abrir duas linhas de enfrentamento: com autoridades brasileiras e com americanas. Mas, pela dimensão política atual do The Intercept, seus leitores merecem uma explicação.

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