quarta-feira, 11 de maio de 2022

CIA: foram SETE os recados públicos a Bolsonaro contra seu golpismo, por Letícia Sallorenzo

 

Se vocês estão preocupados com o conteúdo do comunicado da CIA, eu já aviso: isso é o que menos importa.

Divulgação – Governo EUA

CIA: foram SETE recados públicos a Bolsonaro

por Letícia Sallorenzo, no Jornal GGN

Se você se espantou com o “recado” que a CIA mandou pro Bolsonaro semana passada, eu quase desloquei a mandíbula, porque não foi um só, não. Estou aqui tentando me recompor do desgosto que é ter que contar com os Estados Unidos pra defender as instituições do país, mas vamos contar os atos que, imagino eu, foram provocados pelo aviso que a comunidade acadêmica deu à Casa Branca, que veio à tona em 29 de abril.

Se vocês estão preocupados com o conteúdo do comunicado da CIA, eu já aviso: isso é o que menos importa. “Queremos crer que as sólidas e fabulosas instituições brasileiras, tão atuantes e imponentes, podem contar com a confiabilidade e a credibilidade das urnas eletrônicas, que já deram provas mais que suficientes de que são confiáveis, e lindas, e bonitas, e perfumadas”. O texto é meu – e, se você reparar, é mais ou menos o teor do texto da CIA. O que me interessa aqui é o contexto, que expressa muito mais do que esse press-release safado de assessoria de imprensa americana dos anos 1990.

Inclusive, pegue um calendário pra acompanhar os fatos, por favor.

1º Ato: Info Money

Tudo começou no dia 26 de abril, quando o Infomoney publicou esta matéria da Reuters. Não foi o Jornal Nacional, não foi o GGN, não foi o grupo Band. Foi o Infomoney. Um site que fala diretamente com a Faria Lima. (Saiu também no UOL, mas o Infomoney me chamou atenção.)

EUA querendo estreitar laços soa como aquela vizinha fofoqueira que vê o vizinho recebendo amante e vai à casa dele pra pedir uma xícara de açúcar e tentar “saber mais notícias”. Ainda assim, temos uma vizinha fofoqueira interessada no busílis brasileiro.

A resposta da subsecretária para assuntos políticos dos EUA, Victoria Nuland (lembrem-se desse nome, pois ela volta no último ato), à pergunta sobre o comportamento de Bolsonaro com relação à urna eletrônica, está quase toda contida no meu texto lá de cima: “Temos confiança em seus sistemas e vocês precisam ter confiança em seus sistemas, inclusive no nível de liderança”. A diferença é esta: “vocês precisam ter confianças em seus sistemas”.

Então tá. Temos que, em 26/4, uma americana baixou em terras tupiniquins pra mandar recado pro presidente. Ele reagiu? Não.

2º Ato: O Globo

Chegamos ao sábado, 30 de abril. Em artigo assinado no jornal O Globo, o ex-cônsul americano no Rio de Janeiro, Scott Hamilton, fugiu completamente do meu script de resposta padrão de assessoria de imprensa e mandou essa lapada, no penúltimo parágrafo:

“Em primeiro lugar, os Estados Unidos deveriam deixar claro de modo cristalino ao presidente Bolsonaro que uma tentativa de interferir na integridade do processo eleitoral brasileiro será objeto de repúdio absoluto e de sanções punitivas a todos os envolvidos, impostas simultaneamente por um amplo grupo de países. Segundo, a administração Biden deveria ser mais agressiva ao apoiar as instituições democráticas independentes do Brasil. Finalmente, por ora, a comunidade diplomática afim deveria adotar atividades públicas similares que deixassem claro seu próprio compromisso com as instituições e valores democráticos.”

Agora temos uma secretária de governo e também um membro da diplomacia americana engrossando a voz, falando explicitamente em “sanções de um grupo de países”, a um mês da realização da Cúpula das Américas, de cuja participação Bolsonaro tá ensaiando refugar. Guardem esse artigo do Globo, que ele vai virar outro ato.

Terceiro ato: Revista Time

Veio o cinco de maio, e com ele a capa da Time com o Lula. Nesse contexto de pressões a Bolsonaro, a capa da Time adquire outro significado, não é mesmo? Ainda mais se considerarmos que, na entrevista, o Lula criticou Biden, Zelensky, Putin, Otan e União Europeia, e ainda meteu todo mundo no mesmo balaio. Quero nem saber se isso procede ou não, o que importa aqui é que, a despeito desse tom, a opinião de Lula foi respeitada e contabilizada pela revista – que, ao fim e ao cabo, representa a visão da sociedade americana.

E, mais uma vez, o ser bípede que ocupa o Palácio do Planalto não entendeu nada, e resolveu atacar o Lula. Aí os EUA perderam a paciência. É aí que entra a história da CIA, que foi noticiada pela Reuters.

Quarto ato: Reuters, CIA e notícia velha

Vamos pensar aqui um cadiquinho sobre a Reuters. Trata-se de agência de notícias que só dá notícia inédita, estalando de nova. Se o pregão da Bovespa fecha às 17h, às 17:01 os números daquele pregão são publicados pela Reuters. É importante falar isso, porque a notícia que a Reuters publicou como nova, se você ler direitinho, é um requentado de dez meses atrás. E veio a público no mesmo dia da capa da Time, 5 de maio. Vai lá conferir. O texto está repleto de verbos no passado.

Eu lembro dessa carraspana da CIA, dada em julho de 2021. E lembro que, lá atrás, o bípede que por ora ocupa o Palácio do Planalto ainda teve a pachorra de dizer ao emissário dos EUA que ele não reconhecia a eleição do Biden, vocês se lembram?

“As palavras de Bolsonaro causaram estupor na delegação chefiada pelo conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, que incluiu, também, o diretor sênior do Conselho de Segurança Nacional para o Hemisfério Ocidental, Juan Gonzalez, e o funcionário sênior do Departamento de Estado para o Hemisfério Ocidental Ricardo Zúñiga, que, segundo as fontes, será a pessoa do governo Biden encarregada da relação com o Brasil.”

Quinto ato: o porta-voz do Departamento de Estado

Foi suficiente? Não. O encosto do Palácio do Planalto disse que era tudo “Fake News”. O que aconteceu? Teve Secretário de Imprensa dando declaração em Washington.  Veja o vídeo bizarro:

Repare que a repórter faz a pergunta com quase nenhuma convicção e o secretário de estado LÊ A RESPOSTA (que é aquele desfile de clichês que eu listei lá em cima, nem se dê ao trabalho). Se o cabra tá lendo a resposta, é porque a pergunta FOI COMBINADA! E se foi combinada, é porque a Casa Branca tá querendo deixar tudo muito bem claro!

Sexto ato: O artigo de Hamilton compartilhado

Notícia da Veja de 9 de maio dá conta de que o artigo do diplomata Scott Hamilton está voando nos zapes e nos e-mails de diplomatas e de homens de negócios: “O texto defende que o governo norte-americano alerte o brasileiro sobre consequências diplomáticas e sanções comerciais caso não aceite o resultado do pleito. (…) cópias do artigo de Hamilton foram distribuídas por diplomatas americanos a executivos de multinacionais com negócios no Brasil. Um deles teria, inclusive, dito que compreendeu o recado dos EUA e que a possível contestação de Bolsonaro, aos moldes do que Donald Trump fez nas eleições americanas, tornaria o Brasil “numa nova Rússia, com os investidores fugindo às pressas para evitar sofrerem sanções”. A ideia das sanções comerciais tá tomando fôlego. Vaiveno.

Sétimo ato: Victoria Nuland volta à cena

O ser bípede que ocupa o Palácio do Planalto continua sem entender os recados, então Victoria Nuland (a do primeiro ato, o do Infomoney) volta à cena (eu contei pra não me perder. São SETE recados ao governo Bolsonaro, gente, SETE!

Como semana passada a Sra. Nuland apenas deu a entender o recado dos EUA, desta vez ela foi mais explícita: “Queremos eleições livres e justas em países ao redor do mundo e, particularmente, nas democracias. Julgamos a legitimidade daqueles que se dizem eleitos com base em se a eleição foi livre e justa e se os observadores, internos e externos, concordam com isso. Então, queremos ver, para o povo brasileiro, eleições livres e justas no Brasil

Então, é isso. Os Estados Unidos não vão deixar barato se algo sair da linha no quintal deles. Um governo que age como República de Bananas tem que se tratado como República de Bananas.

De certa forma, eu me sinto mais tranquila sabendo que a CIA tá de olho e não tá gostando do que tá vendo. É, eu sei. Baita dilema. O Brasil me obriga a beber.

Leticia Sallorenzo – Mestra em Linguística pela Universidade de Brasília (2018). Jornalista graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1996). Graduaçao em Letras Português e respectivas Literaturas pela UnB (2019). Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Jornalismo e Editoração. Autora do livro Gramática da Manipulação, publicado pela Quintal Edições.

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