Como diria Ortega y Gasset: o estadista tem uma dimensão tão maior do que o homem comum, que a única defesa deste é tentar trazer o estadista para o seu nível. Isto é, tratá-lo como trata o vizinho ou o colega do bar.
O sábio referencial enrola-se nos anéis de fumaça do seu cachimbo, e prolata a sentença definitiva:
– Lula só fala besteira, meu caro Watson!
Em todos os jornais, um coro de araras repete em uníssono:
– Lula só fala besteira!
Pululam por todos os lados declarações atribuídas a fontes genéricas do PT, sem que ao menos se revele sua dimensão, peso, influência no partido, repetindo:
– Lula só fala besteira!
“Fonte do PT” pode ser o Aloizio Mercadante ou qualquer outro militante ressentido ou qualquer fonte que diga o que o jornalista quer ouvir. E a declaração é atribuída a “fonte do PT”, como se fosse algum porta-voz escondido nos desvãos da alta burocracia.
Não existe luxo maior do que esse modo superior de analisar um brasileiro, capa da revista Times, opinando sobre o tema mais urgente do momento, e ter uma fonte do PT para chamar de sua, que repita:
– Ele só fala besteira!
São provincianos demais. Fora das fronteiras, sua vista não alcança para além de Miami. Se vivo fosse, o embaixador Walther Moreira Salles diria deles:
– Não são caipiras, porque caipira consegue entender o mundo a partir do seu canto. São provincianos.
Hoje em dia, o mundo caminha para uma nova era de conflitos, em pleno período das armas nucleares. Essa marcha da insensatez é liderada por governantes alucinados, e Lula mencionou todos eles: Vladimir Putin, na Rússia, Joe Biden, nos Estados Unidos, a União Europeia sem Margaret Thatcher, todos dando palco a um comediante irresponsável, Volodomyr Zelensky.
As mudanças ocorridas nos sistemas de informação e o fracasso da democracia ocidental provocaram fenômenos que colocam em risco a própria segurança mundial e a sobrevivência da humanidade.
De um lado, a desorganização do modelo de mídia tradicional e a radicalização das bolhas. Historicamente, a mídia sempre foi instrumento e refém dos movimentos de onda, da dificuldade de investir contra o sentimento do leitor, mesmo quando tomado da selvageria dos grandes linchamentos. Com o advento das redes sociais esse processo se agudizou. Hoje em dia, qualquer palavra ou gesto promove cancelamentos.
Em vista disso, a mídia – que nunca foi capaz de aprofundar temas – viu-se tolhida ainda mais. Qualquer tema de impacto tem que ser tratado como branco no preto, sem nuances para não provocar confusões na cabeça do leitor e abrir espaço para campanhas de cancelamento. É o movimento que transforma Putin no anticristo e Biden no arcanjo Gabriel.
O segundo efeito foi na política. A crise de 2008 escancarou a falência do modelo ocidental de democracia. E a eclosão de influenciadores por todos os poros das redes sociais eliminou a capacidade da mídia convencional de orquestrar explicações e desculpas para fracassos políticos e econômicos.
Esses dois fenômenos aceleraram, no Ocidente, o aparecimento da mais medíocre geração de políticos do pós-guerra. Praticamente todos eles enfrentam problemas enormes para manter coeso seu eleitorado e se pelam de medo de enfrentar as ondas.
É nesse quadro que se dá o clima de guerra que traz a maior ameaça à humanidade desde o episódio da baía dos Porcos. A invasão da Ucrânia cria uma comoção mundial e a mídia passa a estimular o “delenda Rússia”, sem a menor preocupação com os efeitos dessa política na economia e na segurança global. E os dirigentes ocidentais vão atrás.
A gênese da crise é óbvia.
A OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) foi criada para combater a União Soviética. Com o fim da URSS, o caminho normal seria integrar a Rússia à economia internacional e a OTAN ser enterrada no cemitério das organizações anacrônicas.
Isso não se deu. Boris Yeltsin loteou as estatais russas, entregou à oligarcas e ele, e seus aliados ocidentais, não cuidaram de preparar a Rússia para a democracia e, pior!, pretendeu-se submetê-la à mesma humilhação a que foi submetida a Alemanha, pós-Primeira Guerra. E os bancos ocidentais se esbaldaram em negócios com os oligarcas.
A Rússia viu-se despojada de seus territórios e, mais do que isso, submetida a um cerco da OTAN – que teria de manter vivo o espírito da guerra fria até para garantir sua própria sobrevivência. O risco maior, para a Rússia, seria a Ucrânia aderir à OTAN. Significaria ter armas nucleares a 15 minutos de Moscou.
Sabia-se que, na reorganização da Rússia, Putin era um governante autocrata, cuja sustentação política era trazer de volta o sonho do grande império russo – que vinha desde Pedro, o Grande. Mesmo assim, a OTAN continuou cercando a Rússia, apesar dos alertas de Henry Kissinger – o grande construtor da moderna geopolítica americana – que levaria a conflitos.
O estado profundo americano não se comoveu. Em 2014, ajudou na articulação do golpe de Estado que derrubou um presidente pró-Rússia da Ucrânia. Com os oligarcas ucranianos, ajudou na construção do “mito” Zelensky, que se tornou presidente. E o passo seguinte foi o anúncio de que a Ucrânia pretenderia se associar à OTAN.
Conhecia-se o perfil de Putin. Sabia-se que há décadas todo o esforço russo foi para reconstruir seu potencial bélico. Uma ameaça à Rússia não seria tratada diplomaticamente por Putin, mas belicamente. E Putin seguiu o roteiro previsto, promovendo uma das maiores catástrofes humanitárias da era moderna, o êxodo os ucranianos. (Atenção, idiotas da objetividade: a frase acima é uma crítica pesada a Putin! E essa crítica foi claramente formulada por Lula em sua entrevista ao Times.)
O que aconteceu? Em vez de pressões para se buscar a paz, todos os governantes ocidentais trataram de aproveitar a guerra como bengala para se garantir politicamente, a começar de Joe Biden e seu Secretário de Estado, Antony Blinken. Após o golpe de 2014, Biden teve negócios com a Ucrânia. E Blinken, um dos piores falcões da política americana, era sócio de uma empresa especializada em investir na indústria bélica.
O que está ocorrendo, agora, é os Estados Unidos enviando armas para a Ucrânia, com o intuito de infligir as maiores perdas possíveis à Rússia, e os maiores ganhos possíveis à indústria de armas, mesmo sabendo que a vitória é impossível. O mesmo ocorre com países europeus, que se meteram, agora, em uma corrida armamentista. Todos são cúmplices do massacre a que Putin está submetendo o povo ucraniano (atenção!, idiotas da objetividade: é outra crítica a Putin).
O mundo caminha inapelavelmente para uma marcha da insensatez. A única saída possível é a diplomática. Mas os apelos da ONU são sufocados pela atoarda da mídia e os shows de live de Zelensky. Os governantes ocidentais, em regra, temem qualquer declaração que não seja a destruição da Rússia, com medo de serem mal compreendidos por seus eleitores.
No Brasil, a tentativa do Itamaraty de condenar a Rússia, mas defender saídas diplomáticas, foi apedrejada pelo coral dos imbecis, refestelados em poltronas cômodas.
É nesse quadro, que surgem duas vozes – ainda solitárias – tentando trazer um mínimo de bom senso ao mundo: o Papa e, agora, Lula, fazendo sua reestreia no palco mundial.
Em um mundo essencialmente carente de lideranças, a voz de Lula repercutiu em uma das principais revistas do planeta, repondo o Brasil como liderança da paz, como foi na crise de 2008 ou na tentativa de conseguir o acordo com o Iraque; como foi com Lula visitando Israel e a Palestina.
Politicamente Lula é grande demais para ser compreendido por esse país de bocós midiáticos. De uma mídia que levou anos para entender as diferenças entre Lula e Bolsonaro, não se vá esperar compreensão sobre algo inimaginável para beócios: um político brasileiro de dimensão internacional falando para o mundo. Afinal, como comentou a brilhante apresentadora de TV, Lula fala ”adevogado”.
Como diria Ortega y Gasset: o estadista tem uma dimensão tão maior do que o homem comum, que a única defesa deste é tentar trazer o estadista para o seu nível. Isto é, tratá-lo como trata o vizinho ou o colega do bar. É isso que permite aos idiotas estufar o peito e sentenciar:
- O Lula só diz besteiras!
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