quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Ex-Secretário da cultura e Ministro da educação: “homo cinicum ignorantia”, por Djefferson Amadeus




Em toda história, caros leitoras e leitores, não sei se haverá um fato cujo cinismo e ignorância tenham aparecido tão manifestamente

Ex-Secretário da cultura e Ministro da educação: “homo cinicum ignorantia”

por Djefferson Amadeus, no GGN

“Finge-se que não se está fingindo que está fingindo.” A frase é de Ronald Laing, psiquiatra inglês. Mas parece resumir muito bem algumas das falas do ex- secretário da cultura, Roberto Alvim, e do atual Ministro da Educação, Abraham Weintraub. Suas falas têm estabelecido um novo marco: o homo cinicum ignorantia – expressão por mim inventada..
Trata-se, em suma, do cinismo e a ignorância elevados ao patamar de princípio.
Daí a principal característica do homo cinicum ignorantia é o poder de paralisia no interlocutor, afinal, como disse muito bem a filósofa Márcia Tiburi: “o cinismo é um jogo de poder na forma de uma camisa de força que o cínico coloca no cidadão comum, para usar outra metáfora; o cinismo é um verdadeiro escudo contra perguntas.”[1]
É o que qualquer um, com o mínimo de conhecimento da história, sentiu ao deparar-se com o vídeo em que o Secretário de Cultura parafraseia o nazista Joseph Goebbels. Paralisados e paralisadas – assim todos e todas ficamos.
Mas, mais paralisados ainda, ficamos com a sua resposta logo após a divulgação do vídeo: nenhuma vergonha, pedido de desculpas, nada! Em suas palavras: “Foi, como eu disse, uma coincidência retórica.”[2]
Depois, mais tarde, tentou amenizar: – Não havia nenhuma menção ao nazismo na frase, e eu não sabia a origem dela.[3] E ainda culpou os assessores: “O discurso foi escrito a partir de várias ideias ligadas à arte nacionalista, que me foram trazidas por assessores”, escreveu, em um post no seu perfil do Facebook.[4]
Em toda história, carxs leitoras e leitores, não sei se haverá um fato cujo cinismo e ignorância tenham aparecido tão manifestamente, mormente se levarmos em consideração o lugar da fala: secretário de cul…tura (difícil pronunciar a palavra cultura diante de tamanha atrocidade).
Mas não parou por aí, dado que o pior (ou tão ruim quanto) veio depois, quando, percebendo que não poderia culpar os assessores, resolveu isentá-los da culpa, atribuindo-a, desta vez, a “uma ação satânica”.
Isso mesmo: Satanás (não sei se o cachorro da Dona Clotilde ou o Diabo) foi o culpado do seu erro, conforme se vê de sua fala: “Estou orando sem parar, e começo a desconfiar não de uma ação humana, mas de uma ação satânica em toda essa horrível história”, escreveu.[5]
Daí restam duas opções: concordar com Olavo de Carvalho, de que “Roberto Alvim não está muito bem da cabeça”[6] ou admitir que se trata de uma manifestação do homo cinicum ignorantia.
Na impossibilidade de concordar com Olavo de Carvalho, resta-nos somente reconhecer que é disso mesmo que se trata: cinismo e ignorância – uma marca deste momento, como se percebe, por exemplo, na fala sobre o Enem que, “depois de ter tido contratação da gráfica sem licitação, erros de correções, vazamento de uma das páginas do primeiro dia de prova”,[7] foi avaliado pelo Ministro da Educação como o “melhor Enem de todos os tempos”.[8]
Impossível não lembrar, depois destas falas, do grande (porque muito alto) jornalista Boris Casoy e, também, Rubens Ricupero. Lembra-nos Galeano que Rubens Ricupero, então Ministro da Fazenda, enquanto esperava que se ajustassem as luzes e os microfones, fez uma confissão ao jornalista: “Eu não tenho escrúpulos”. E concluiu: “Depois das eleições, vamos botar a polícia contra os grevistas”. O que ele não espera é que houve uma falha. E a conversa veio à tona. Assim, uma vez só e por causa de um erro, como bem lembra Galeano, os brasileiros ouviram a verdade.[9]
Boris Casoy, por sua vez, enquanto era exibida vinheta de dois garis desejando boas festas de fim de ano, externou, aos risos, o seguinte: “Que merda! Dois lixeiros desejando felicidades do alto de suas vassouras… Dois lixeiros… O mais baixo da escala de trabalho!”. Assim como Rubens Ricupero, o infeliz comentário de Boris Casoy só veio à tona por conta de um problema técnico.
A diferença, porém, é que, enquanto os atos de Borys Casoy e Rubens Ricupero vieram a público por erros técnicos, as falas mencionadas do ex-Secretário da Cultura e do atual Ministro da Educação não vieram a público por nenhum erro técnico, mas intencionalmente, sem nenhuma vergonha e justificadas com cinismo e ignorância.
Djefferson Amadeus é mestre em hermenêutica filosófica e processo penal (Unesa-RJ), pós graduado em filosofia pela PUC-RJ, pós graduado em processo pena pela ABDCONST-RJ e membro da FEJUNN-RJ – Frente de Juristas Negras e Negros do Rio de Janeiro

[9] GALEANO, Eduardo. De Pernas pro ar. A escola do mundo ao avesso. Porto Alegre, L&PM, 1999, p. 157.

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