sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Moro, a Teoria da desagregação do poder e a fragmentação oportunista do Estado, por Sergio Medeiros





GGN. - Quando Sergio Moro, há pouco mais de três anos, acelerou sua cruzada contra Luís Inácio Lula da Silva,  em sua busca por elementos para condená-lo, não hesitou em infringir a lei em vários momentos, seja através da divulgação de escutas telefônicas ilegais, conduções coercitivas, negativa sistemática de quaisquer pedidos da defesa e publicização de relatos prejudiciais ao referido réu, tudo isso, justificado como sendo, em nome de um pretenso senso de Justiça.

Tal conduta, que evidenciava uma visão e aplicação do direito, baseada em intenções e interpretações pessoais direcionadas a determinado desfecho, no caso, desfavorável ao réu, presta-se, em tese, a revelar, ainda que no campo restrito do direito, a construção de um espaço próprio de poder, no qual ele, na condição de magistrado e legislador, define os novos alcances da lei e, por consequência, de seu poder perante o Estado.
Ora, tal forma de agir, além do óbvio apelo de dizer o direito de acordo com seus desígnios e acima da lei, tem a capacidade de, em razão de provocada visibilidade midiática, ampliar de forma efetiva um espaço, que deveria, por inteiro, ser limitado pela lei.
Desta forma, como não poderia deixar de ser, dentro de uma categoria, que primava pela discrição – juiz somente falava nos autos – e restringia-se ao quase anonimato das sentenças -, a possibilidade de se destacar perante as luzes da grande mídia, tinha um apelo demasiado forte e, como seria de se esperar, Moro e seu modo de atuar, fizeram escola.
Assim é que, começaram, aos poucos, e depois com frequência, a pipocarem decisões que tinham em comum o mesmo modo de agir, sem grande apego a chamada letra fria da lei ou mesmo à jurisprudência consagrada, mas que traziam junto consigo, quase que invariavelmente, um conteúdo hábil a grandes eventos de publicização.
Este foi o início de algo, que hoje se poderia chamar, em sua completude, de Teoria da desagregação do poder.
Pois bem, qual seria o cerne desta conceituação.
No caso, dentro de um estado definido e regido por suas leis, da qual emergia, sobre todas, a Constituição, podia-se dizer, que todo o poder estatal, na forma denominada de estado democrático de direito, estava perfeitamente delineado.
Definidos estes contornos, era, em tese, inconcebível, o surgimento de comportamentos jurisdicionais que desbordassem de tal formato, e que, em sua trajetória processual, fossem admitidos.
Grande engano, tal procedimento apesar de tangenciar a lei e muitas vezes de atacá-la diretamente, foram incensados pela mídia e tolerados pelas cortes superiores, em todas as instâncias.
Com o transcorrer do tempo, o que efetivamente ocorreu é que, muitos magistrados, começaram a usar tal prerrogativa, criando novos e restritos nichos de poder, espaços de poder onde era possível aplicar uma forma particular de interpretar ou mesmo simplesmente dizer o direito, dentro de sua esfera de atuação e a despeito da legislação estatal que dispunha estritamente sobre a matéria.
Nestes momentos, e dentro da atuação de cada um dos magistrados, se abria a possibilidade de uma atuação reformadora, consistente na aplicação de seus próprios conceitos para resolver conflitos e solucionar as mazelas da sociedade, ou simplesmente enquadrá-las dentro da sua concepção pessoal de estado a ser protegido.
Anoto que tais iniciativas, de dizer o direito, conforme o sentimento de justiça de cada operador do direito não é nova, mas nunca tinha atingido tal dimensão e nem se viu em tal entrelaçamento com o exercício do poder político.
O efeito multiplicador foi imenso e, ninguém sentiu, que poderia vir a ser incontrolável.
Mas, e ai reside o componente da incerteza, o ponto de mutação, normalmente este não é percebido de imediato, nem que determinados comportamentos, com sua repetição, no decorrer de um determinado espaço de tempo, tem a capacidade de agregarem consigo, notadamente em razão da expressiva dimensão que adquirem, uma nova série de variantes, que a partir de determinado instante o tornam impossível de ser controlado.
Este comportamento, de poder e de usar o poder, não ficou restrito a esfera de atuação dos que a semelhança de Moro, militavam junto ao judiciário, mas sim, teve imediata e em alguns momentos até atuação preponderante junto ao Ministério Público, onde houveram diversas iniciativas pessoais, com o intuito, sem juízo de valor, de se resolver os problemas do mundo – no caso, desta parte do mundo, o Brasil.
Como numa reação em cadeia, toda a estrutura de poder estatal, no campo jurisdicional, foi afetada e, nos seus setores mais próximos também, a começar pela polícia judiciária, que de mera executora de ordens, também passou a desfrutar de seu espaço de poder.
Assim foi que a polícia federal, através de seus Delegados e agentes, cada um em seus campos de atuação, começou a agir conforme direcionamentos previamente definidos por seus titulares (tal elastério resultou, por exemplo, no reconhecimento da PF proceder e firmar delações premiadas).
É de se ressaltar, por relevante, que, se num primeiro momento, tanto o Ministério Público quanto a policia judiciária agiam a reboque das decisões jurisdicionais, aos poucos, começaram a agir com um grau de independência cada vez mais expressivo.
Prosseguindo.
Sendo todo este movimento, amparado e incensado pela grande mídia, ainda que não fosse esperado, não é de surpreender que a parte principal, a mensagem subliminar, tenha ficado tão fortemente gravada nos mais diversos segmentos da sociedade.
Ainda assim, somente quando do movimento protagonizado pelos caminhoneiros é que se pode ver a disseminação desta forma de agir – no caso, frise-se, forma de agir, muito mais que forma de pensar.
Naquela oportunidade, o movimento que tinha fortes componentes de lock-out, com o decorrer e fortalecimento da greve, deixou de ter uma direção definida e alicerçada em setores do grande empresariado e em entidades sindicais ou associativas.
O movimento passou a ter sua força e capacidade de reação lastreada em grupos fragmentados de caminhoneiros autônomos, grupos operacionalizados via whatsapp, que passaram a definir e dar os rumos da manifestação.
Neste momento, milhares de pequenos grupos, passaram a  dizer não ao poder constituído e se fazerem senhores de direito, do direito por eles posto e não mais atrelado a nada que não fosse sua esfera pessoal de decisão e de seu agrupamento.
Neste cenário, vimos também, a negativa estatal centrada em sua força repressiva, a qual negou-se a contrapor tal movimento, exercendo assim, uma impensável capacidade de dizer não a autoridade superior.
E, não foi somente a polícia militar, mas também a polícia rodoviária estadual e  federal, e, para nos atermos a este poder com armas, o Exército também negou-se a intervir para reprimir os manifestantes.
Neste momento, deveria ter se acendido a luz de alerta.
Entretanto, com a visão nublada pela disputa essencialmente política e ideológica centrada no combate ao partido dos Trabalhadores e seu líder Luís Inácio lula da Silva, não houveram análises mais aprofundadas que pudessem ter o condão de desvendar o que estava acontecendo na estrutura de poder da sociedade brasileira e suas instituições.
A seguir, houveram outros acontecimentos que apontavam na direção desta nova forma de estruturação (ou desestruturação) das relações de poder.
Falo da negativa, quase que expressa, das autoridades policiais, em investigar desde atentados com arma de fogo contra a caravana de Luís Inácio Lula da Silva, até a diversas agressões patrocinadas pelos adversários  políticos contra os simpatizantes de sua candidatura .
O período superveniente foi quase que totalmente centralizado na persecução penal e jurisdicional contra Lula, a qual culminou com sua prisão e posterior manutenção dessa condição, na qual os eventos excepcionais, notadamente no campo jurisdicional, foram eivados de atos do dito poder acima descrito, ou seja, um exercício delirante de poder, ainda que a despeito da lei.
Neste cenário é que se deram as eleições para presidente, e, sem seu líder maior e favorito para ser eleito, Lula.
Novamente, ainda que a intenção não tenha sido esta, o certo é que, toda a movimentação eleitoral se deu em conformidade com a nova regra geral de desagregação do poder.
Fragmentou-se a sociedade em diversos campos, seja no campo das liberdades individuais, seja no campo dos costumes, da moral ou da religião.
O certo é que em todos os campos começaram a haver guetos, onde cada um destes agrupamentos, começou a vislumbrar a possibilidade de expor, impor e exercer seu poder, seja no campo irracional da homofobia, da misoginia, ou da transgressão expressa da lei na discriminação e agressão racista.
Nem mesmo a parcela dita cristã ficou a salvo deste novo modo de pensar e em cada aglomerado de fiéis são incensados os eleitos e condenados ao inferno os demais.
E, supremo horror, em todos os setores da sociedade começaram a ser exercidas estas novas conformações do poder.
O grau deletério desta nova forma de exercício do poder, em face de seu caráter desagregador, bem como pelo fato de nele predominarem concepções que privilegiam o confronto e a destruição dos contrários, traz em si o germe da destruição não somente do estado, mas da estruturação social mínima baseada na convivência civilizada.
O Presidente, que logrou ter a maioria de votos, teve como discurso primordial a temática desagregadora do ódio, dos preconceitos, da força, da destruição da unidade e força estatal e do incentivo ao exercício das próprias razões.
Pois bem, este é o atual estágio.
O Supremo Tribunal Federal, tardiamente se deu conta de sua fragilização, e aos poucos, tenta, sem sucesso, recuperar a autoridade que lhe foi delegada, e mal exercida, pela lei maior.
Numa outra frente, Sergio Moro, ainda que não inteiramente consciente da desagregação do poder em si, mas ciente da fragilização de seu poder, que se baseia no poder de dizer a lei, foi trazido a realidade perante atos que ridicularizavam o Poder Judiciário, o que ficou evidente, quando nem a autoridade do Supremo Tribunal Federal foi capaz de fazer frente a nova conformação, extremamente fragmentária,  que neste momento, logrou ocupar pontos chaves do Estado.    
Tenta, e neste ponto, novamente age em contrariedade a premissa essencial que deveria reger o estado, ou seja, a liberdade e o respeito a democracia tem que privilegiar o todo, trazer para si, e a seu comando todo o aparato repressivo do Estado.
Deste modo, tenta, através da força, limitar e controlar este poder fragmentado.
Tal modo de agir, controlar pela força, e mediante a utilização das policias e seus órgãos repressivos e de inteligência, é perigoso demais para a sociedade, pois, significa delegar um imenso poder de controle e a detenção do monopólio da força, a serviço de um indivíduo e seus aliados (por melhores que sejam suas declaradas intenções, pois tal forma de estruturação revela-se intrinsecamente inconstitucional e atentatória a liberdade), e, alerte-se novamente, sem o controle, essencial, da lei.
A alternativa escolhida, leva em conta, a composição de forças que elegeu o atual presidente.
Desta forma, tenta se fazer forte para poder compor com o poder militar, que inegavelmente é o grande vencedor neste atual estágio politico nacional.
Ao mesmo tempo, busca se cercar de meios que possam coibir, através da força, toda e qualquer manifestação coletiva, ainda que democráticas ou em defesa da democracia.
Esta disputa de poder, nos termos acima delineados, não esta sendo considerada na formação do governo que deverá tomar posse em 2019, pois, como beneficiários, num primeiro momento, da fragmentação, não entendem todo o seu potencial destrutivo, capaz de atingir a todos, sem exceção.      
Das forças a serem consideradas para a retomada de um poder civil onde a sociedade novamente se reconheça como coletivo, a que menos se atentou em relação a atual disputa, é a vinculada a setores considerados como fazendo parte da esquerda nacional, partidos, sindicatos, movimentos sociais, culturais, igrejas, etc...
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Tenho que, as considerações acima, longe de balizarem a discussão sobre a temática do exercício do poder de estado, hoje, no Brasil, tem a finalidade precípua de alertar a todos, sobre o caos e a barbárie que pairam sobre todos nós.

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