segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Brasil tem como resistir ao regime híbrido de Bolsonaro, diz o jurista e sociólogo português mundialmente respeitado Boaventura de Sousa Santos


"O regime híbrido se dá porque conserva traços da democracia, como a chegada ao poder pelas urnas, mas é altamente marcado pelo autoritarismo e moralismo dos militares que acompanham o deputado de extrema direita na Esplanada dos Ministérios."





Foto: P2

Jornal GGN Sociólogo e professor em universidades de Portugal e dos Estados Unidos, Boaventura de Souza Santos concedeu uma entrevista a um jornal português demonstrando preocupação com a implementação de um "regime híbrido" por Jair Bolsonaro, o presidente eleito desde o dia 28 de outubro de 2018. Mas indicou que a oposição e os movimentos sociais brasileiros têm condições de organizar a "resistência" à agenda de retrocessos que será apresentada nos próximos anos, principalmente na economia e direitos trabalhistas.
O regime híbrido se dá porque conserva traços da democracia, como a chegada ao poder pelas urnas, mas é altamente marcado pelo autoritarismo e moralismo dos militares que acompanham o deputado de extrema direita na Esplanada dos Ministérios.
Para Boaventura, o aspecto positivo é que o Brasil, "ao contrário de outros países da América Latina, tem uma sociedade civil bastante organizada, com muitos movimentos sociais. É evidente que vai haver resistência." A questão é saber como "é que vai ser enfrentada? Pela concertação ou pela repressão? Se acreditarmos no discurso do Bolsonaro, será pela repressão."
O pensador destacou, contudo, que Donald Trump também bradava contra vários setores enquanto candidato a presidente dos Estados Unidos. Mas, uma vez dentro do governo, teve de flexibilizar ou atenuar seu discurso.
No caso da imprensa como parte do sistema de freios e balanços a atuar sobre o governo Bolsonaro, Boaventura comentou que é um cenário difícil porque o WhatsApp e o Facebook, principais difusores de fake news, mostraram uma influência e "capacidade tóxica muito grande".
Quanto ao papel do Judiciário, "a minha preocupação também é grande. Vejo que foi a fraqueza dos checks and balances que levou Bolsonaro ao poder. Isto é, toda a operação Lava-Jato e atropelos à legalidade que se cometeram nesta investigação fizeram com que ela não fosse apenas uma luta contra a corrupção — que é perfeitamente legítima — mas uma luta de desestruturação do sistema político."
Apesar disso, para Boaventura, o que preocupa mais em Bolsonaro é sua agenda econômica, que não deverá trazer nenhum boom de crescimento significativo, ao contrário do que imagina seus eleitores.
"Começa agora um capitalismo financeiro que é concentrador de riqueza — como vimos em Portugal durante a troika — e um ataque aos direitos sociais. Como eles já são fracos no Brasil, vai ser muito fácil destruí-los. O meu alarme foi quando o grupo de Nouriel Roubini — o economista turco que previu a crise de 2008 — apresentou um estudo a dizer que os mercados nada tinham contra Bolsonaro. Vi que era o certificado de legitimação, não de Bolsonaro, mas da política dele."
 
PARTIDOS DE OPOSIÇÃO
 
Sobre a oposição a Bolsonaro, Boaventura analisou que o PT deverá aprender a conservar e lutar pela imagem e história de Lula sem deixar que esta se transforme na principal bandeira do partido durante a estruturação da frente de esquerda.
 
"(...) temos de construir uma política democrática no futuro que não pode repetir os erros do passado. Isto é, o “lulismo” não pode voltar. Mas a figura do presidente Lula não pode ser condenada historicamente e morrer na prisão. Será de uma injustiça histórica enorme em relação a um homem que, com todos os erros que cometeu, conseguiu tirar 50 milhões de pessoas da miséria e da fome. Por outro lado, se as outras forças se concentrarem exclusivamente no slogan 'Lula livre', que eu próprio tenho defendido bastante, é uma luta em relação ao passado."
 
Sobre Fernando Haddad, ele disse que é "um homem honesto, muito moderado", que deve ajudar o PT a inaugurar este "novo capítulo".
 
Boaventura disse ainda que prevê espaço para "um novo partido de esquerda, um partido-movimento, a partir dos movimentos sociais, que mostraram o que houve de melhor nesta candidatura. A grande liderança [que surgiu], no meu entender, foi o Guilherme Boulos, do PSOL."
 
Leia a entrevista completa aqui.

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