"Nessas eleições, os rinocerontes brasileiros surgiram nas ruas do Brasil inteiro. Sem pensamento crítico, acabaram por aceitar ideias preconceituosas e perigosas. Alguns talvez até saibam o que fizeram, mas outros são tão fáceis de manipular que não fazem ideia que eles mesmos possam ser os maiores afetados no futuro."
Do Justificando:
O rinoceronte brasileiro
Arte Gabriel Prado
Èugene Ionesco é considerado o pai do Teatro do Absurdo, posto que, para muitos, divide com Samuel Beckett. Um modelo de teatro que demonstra segundo o crítico de teatro Martin Esslin “o sentido do sem sentido da condição humana”. Uma modalidade teatral que mostra que nem tudo na vida é racional, que ressalta as banalidades cotidianas, e que foge da busca por um significado da vida.
Em 1960, Ionesco escreve “O Rinoceronte” (Rhinocéros). Apresenta a história de uma tranquila cidade que se transforma completamente após o surgimento inexplicável de um rinoceronte correndo em suas ruas. Debates sem sentido sobre o animal surgem por parte dos moradores da cidade e, de maneira misteriosa, o modo de ser do animal vai se proliferando de maneira irreprimível, até que os próprios habitantes da cidade vão, aos poucos, se transformando em rinocerontes. Sim, um absurdo, mas entendendo o contexto da criação dessa história, se torna facilmente compreensível.
Contexto da criação do roteiro
Ionesco descreve que o escritor francês Denis de Rougemont estava em uma ocasião em Nüremberg quando teve a oportunidade de assistir a uma manifestação nazista (lembra alguma coisa relacionada ao Brasil?).
Uma multidão esperava o Führer. Quando o cortejo de Hitler surgiu, o povo foi adotando uma histeria tão contagiosa, que o próprio Rougemont se sentiu tocado. Já estava prestes a submeter-se àquele sentimento, quando, afastando-se, parou para refletir: que espécie de sentimento alienado era aquele, para ficar tentado pela ideia de se entregar, como os outros, ao delírio insano daquele ditador?
O rinoceronte brasileiro
Esse pensamento crítico a respeito do sentimento que tomou Rougemont por um instante é o que faltou a muitos dos indivíduos que apoiaram Bolsonaro nessas eleições.
Sentimento de “querer mudança”, porém, sem uma análise crítica das ideias de quem propunha essas mudanças, o que foi prejudicado ainda mais pelo fato do candidato eleito ter faltado aos debates com justificativas ridículas.
A obra de Ionesco é uma crítica às ideias autoritárias, uma indireta aos governos totalitários, que compartilham com as ideias do novo presidente. Governos que não aceitam oposição, que falam em encarcerar ou expulsar do país seus críticos, e que recebem o aval dos mal intencionados e também da grande maioria desinformada.
A história criada pelo autor Romeno demonstra a consequência do conformismo. É mais fácil “seguir a manada” do que pensar de forma crítica, é mais fácil não criticar e aceitar o totalitarismo do que ser oposição.
Nessas eleições, os rinocerontes brasileiros surgiram nas ruas do Brasil inteiro. Sem pensamento crítico, acabaram por aceitar ideias preconceituosas e perigosas. Alguns talvez até saibam o que fizeram, mas outros são tão fáceis de manipular que não fazem ideia que eles mesmos possam ser os maiores afetados no futuro.
No final da peça, Bérenger, o personagem principal da história se pergunta “Quem está certo, afinal? Os homens ou os rinocerontes?”. Espero que os homens se multipliquem e se tornem mais numerosos que os rinocerontes. Assim, o Brasil pode escapar desse pensamento conformista, e, através do pensamento crítico ter condições de ser uma oposição atuante e inteligente.
Marcelo Matte Rodrigues
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