quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Religião: o viés mais doloroso da transfobia, por Simony dos Santos


 "Na sua experiência religiosa, em relação à sexualidade, ex-pastor afirma que a sexualidade no meio pentecostal é oprimida, principalmente porque as pessoas mais pobres, por não terem acesso à cultura e outros direitos básicos, dependem da Igreja para a socialização. E por estar presente massivamente nas periferias, a Igreja cumpre esse papel, com o ônus de não acolher as diferenças, o que faz que essas pessoas pobres estejam mais vulnerabilizadas."

Religião: o viés mais doloroso da transfobia

Neta de Coronel Reformado e filha de Pastor, Benny, era levada pela avó ao culto de meio-dia, diariamente após a aula. Muito comunicativa, aos 13 anos, se tornou obreiro da Igreja Universal do Reino de Deus. Em sua voz, doce, porém firme, narra que desde a infância sofria com conflitos internos, pois já percebia que destoava dos padrões de gênero e, sendo um menino, tinha que agir de forma muito diferente do que gostaria de agir.
Historiadora de formação, acredita que a Igreja Evangélica de periferia é o escape que o pobre tem em meio a crueza do dia a dia. Se o Estado está ausente, quem supre a necessidade de socialização, cultura e diversão das pessoas mais pobres, mais excluídas e marginalizadas, é a igreja. Na igreja tem festa, tem reunião semanal, tem outras possibilidades de vida, além do trabalho e sofrimento. Contudo, há um ônus pesado, principalmente para quem diverge do padrão: a opressão patriarcal, entranhada nas instituições evangélicas.
Benny fala isso por experiência própria, aos 15 anos, quando perdeu sua mãe, ela se ocupava da igreja para esquecer as angústias. Tornou-se obreiro na Igreja Universal do Reino de Deus e, aos 17, foi encaminhada para a Catedral de Del Castilho (templo é a sede estadual da IURD no estado do Rio de Janeiro), para formação e exercício do ministério como Pastor.
Benny tinha tudo para ser um excelente pastor, embora não quisesse estar lá. A sua ida para Del Castilho foi uma tentativa da família para que ela não desenvolvesse sua homossexualidade. Durante o ano que ficou em Del Castilho, descobriu sua sexualidade com as primeiras experiências homoafetivas. Era um menino que se atraia por outros meninos, até então. Depois de um ano na Catedral, ela resolve deixar o treinamento e assumir sua sexualidade, sendo, então, expulsa de casa.
Após essa experiência religiosa e familiar negativa, Benny começa a se envolver com o movimento estudantil universitário, passa a entender mais de gênero e entra na militância. Na graduação, passa por sua transição de gênero. Benny é uma mulher trans e ex-pastor da Igreja Universal do Reino de Deus. Hoje, ela reconhece que a igreja se tornou um espaço de socialização na periferia, que ganha cada vez mais força, pela ausência de políticas públicas que fomentem cultura, educação e lazer entre os mais pobres.
Na sua experiência religiosa, em relação à sexualidade, afirma que a sexualidade no meio pentecostal é oprimida, principalmente porque as pessoas mais pobres, por não terem acesso à cultura e outros direitos básicos, dependem da Igreja para a socialização. E por estar presente massivamente nas periferias, a Igreja cumpre esse papel, com o ônus de não acolher as diferenças, o que faz que essas pessoas pobres estejam mais vulnerabilizadas. Nesse sentido, a igreja se torna um ponto importante para manter o status quo social.  O que para Benny é um contra senso, uma vez que , para ela, se Jesus estivesse aqui na Terra, hoje, pessoa de luta e comunista, pois Ele foi uma oposição ao sistema vigente.
Nesse processo de descoberta da sexualidade, da transexualidade, a maior violência que a Benny sofreu no cristianismo foi a tentativa de tirar dela sua existência, tornando-a abominável. Esse desprezo da religião à sua existência e corpo, fez com que ela chegasse à tentativa de suicídio: “se eu não conseguia nascer de novo espiritualmente, heterossexual e cisgênero. Talvez, se eu morresse fisicamente, deixaria de ser quem sou, pois sentia que jamais conseguiria mudar. Então, eu tinha que morrer”
Contudo, toda essa opressão e desprezo que sofreu se transformou em resistência. “Se a gente é o que é hoje, se temos força para encarar essa sociedade transfóbica, é porque enfrentamos a transfobia pelo viés mais doloroso que é o da religião e da espiritualidade”, afirma.  E manda um recado para os Evangélicos:
“O amor não tem distinção, ele é único,  carinhoso, solidário e respeitoso. Assim é necessário que disputemos  esse espaço evangélico, que possamos levar uma mensagem de amor, de acolhimento e não de reproduzir essa lógica de ódio e obrigar essas pessoas a negarem as suas histórias e suas existências”.
A coluna (fé)ministas publica relatos de pessoas que combatem as opressões de gêneros em suas religiões, mande seu relato no e-mail: feministas@justificando.com 
Simony dos Anjos é graduada em Ciências Sociais (Unifesp), mestranda em Educação (USP) e tem estudado a relação entre antropologia, educação e a diversidade.







Nenhum comentário:

Postar um comentário