sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Por um olhar sistêmico em um mundo explorado e cada vez mais destruído por um pensamento instrumental predatório e disjuntivo

"Nossa tão decantada e narcísica civilização tecnológica está em crise, e não é preciso esforço para perceber isso. A técnica, o tecnicismo e a alta tecnologia, associadas a uma forma de viver moderna, igualmente técnica, mas cada vez mais estereotipada, pragmática e menos humana, está apontando para a falácia de mais uma promessa: a de por pôr nos meios de produção, ou no extremo desenvolvimento e acúmulo privado material, a chave para a felicidade humana (hoje, tudo isso tem separado cada vez mais o homem do homem, o homem da natureza, e o homem de si mesmo)."




 Texto de 

Carlos Antonio Fragoso Guimarães


I - Por uma diferente maneira de Ver o Mundo

  Um paradigma significa um modelo, algo que serve como parâmetro de referência para uma ciência, como um farol ou estrutura considerada ideal e digna de ser seguida. Podemos dizer que um paradigma é a percepção geral e comum - não necessariamente a melhor - de se ver determinada coisa, seja um objeto, seja um fenômeno, seja um conjunto de idéias. Ao mesmo tempo, ao ser aceito, um paradigma serve como critério de verdade e de validação e reconhecimento nos meios onde é adotado. Foi o físico Thomas S. Khun que o utilizou como um termo científico em seu livro A Estrutura das Revoluções Científicas, publicado primeiramente em 1962, sendo no Brasil publicado pela Editora Perspectiva.

Segundo Thomas Khun, a palavra paradigma pretende sugerir um padrão de ciência ou uma forma de interpretar a realidade, ou que "certos exemplos da prática científica atual - tanto na teoria quanto na aplicação - estão ligados a modelos conceptuais de mundo dos quais surgem certas tradições de pesquisa". Em outras palavras, uma visão de mundo atrelada a uma estrutura teórica metafísica aceita estabelece uma forma de compreender e interpretar intelectualmente o mundo segundo os princípios constantes do paradigma em vigor. Por exemplo, a ciência já foi dominada pelo pensamento geocêntrico (ptolomáico), que estabeleceu toda uma produção intelectual coerente com a visão de mundo deste paradigma que dizia que a terra era o centro do universo. Portanto, quem afirmasse algo como "a Terra é apenas um dentre milhões de outros planetas, e nem mesmo é o mais significativo deles" estaria fadado a ser considerado louco, ignorante ou qualquer coisa do tipo. Posteriormente, observações demonstraram que esta visão era falha e foi sendo substituída - após intensa e violenta resistência dos sábios que defendiam o antigo paradigma - pelo sistema heliocêntrico de Copérnico. 

  Este modelo, porém, foi percebido como imperfeito pelos avanços em astronomia e foi, assim, reformado e aperfeiçoado pelas descobertas da gravitação universal da física newtoniana; esta, por sua vez, foi drasticamente remodelada, já no século XX, pela Mecânica Quântica e pela Teoria da Relatividade, não sem uma forte resistência de inúmeros doutores e acadêmicos formados na cartilha clássica de Newton e seguidores e sua sólida visão mecanicista da natureza.

  Cada uma dessas fases do pensamento científico foram bem sucedidas em determinados períodos de tempo. Dando novas perspectivas para a compreensão da realidade física, condicionavam a atitude científica e estabeleciam quais seriam os critérios de pesquisa, freqüentemente ligados à maneira como se esperava que o mundo devesse funcionar de acordo com o modelo (paradigma) adotado. Deste modo, fica claro que a ciência não é um processo de descoberta, em sentido estrito, de uma realidade dada, porém parece ser mais um processo de construção intelectualmente coerente, refletindo um diálogo do pensamento humano com os fenômenos naturais e, assim, uma melhor compreensão humana, feita e comentada por homens, que lhes permitam explicar satisfatoriamente e dentro de certos critérios, alguns aspectos da realidade. Ou, em outras palavras, a ciência se constrói em cima de alguns fundamentos filosóficos bem definidos, mesmo que não sejam muito conscientes (freqüentemente não são mesmo).

  Assim, o modelo induz a uma visão de mundo, dentre várias outras igualmente possíveis e igualmente coerentes. A imersão em um paradigma, especialmente no paradigma dominante, prepara o cientista para se tornar membro de uma comunidade científica a que se sinta atraído. Ele é treinado a pesquisar, agir e falar dentro dos critérios do paradigma aceito. Qualquer pesquisa que pareça ir além dos limites estabelecidos é vista com desconfiança, quando não totalmente minada e descartada.

II - O Paradigma Newtoniano-Cartesiano e sua aceitação pela crescente burguesia

  Nossa tão decantada e narcísica civilização tecnológica está em crise, e não é preciso esforço para perceber isso. A técnica, o tecnicismo e a alta tecnologia, associadas a uma forma de viver moderna, igualmente técnica, mas cada vez mais estereotipada, pragmática e menos humana, está apontando para a falácia de mais uma promessa: a de pôr nos meios de produção, ou no extremo desenvolvimento e acúmulo privado material, a chave para a felicidade humana (hoje, tudo isso tem separado cada vez mais o homem do homem, o homem da natureza, e o homem de si mesmo).


   Desde o século XVII, quando a racionalidade das ciências naturais - que passou a ser utilizada de forma prática pela nascente burguesia, que, além do comércio, dava seus primeiros passos rumo à industrialização - vinham obtendo crescente reconhecimento como instrumentos de compreensão da natureza e meio para se atingir a "verdade", com sua capacidade para "desvendar" as leis naturais do mundo físico e, posteriormente, até mesmo do social, garantindo PREVISÃO e CONTROLE dos acontecimentos (ao menos, dos acontecimentos naturais em laboratório), que a aura de sacralidade, de dogma e de verdade vinha sendo transferida da Religião para a Ciência, que não mais era vista como uma das formas de saber, mas a única possibilidade eficaz de se atingir "a verdade", abolindo as crenças religiosas e/ou relativizando saberes outros, como a filosofia e a ética, já estabelecendo por conseqüência lógica que outras culturas, não ocidentais e não "científicas" eram subculturas - o que era, sem dúvida, um excelente pretexto para que a Europa "civilizada" pudesse colonizar e impor seu sistema, visão de mundo e interesses em outros povos que, em troca, seriam explorados em seus recursos naturais e humanos e se submeteriam aos ditames dos "esclarecidos" europeus.

   Vivemos numa época cuja principal característica está na divisão de tudo: desde a divisão de classes sociais (Hoje em dia ainda mais reforçada no chamado darwinismo social. C.f.o texto Visão de Mundo, Paradigmas e Comportamento Humano), até a divisão, algumas delas extremas, de especialidades em diversas áreas, como na Medicina, por exemplo. Esta crise reducionista foi provocada em grande parte pelo "background" filosófico extremamente mecanicista da ciência moderna, e em parte pelo modo capitalista de nossas relações, tanto humanas quanto econômicas, ambas, na verdade, formando dos aspectos de um mesmo processo intelectual.

   Para a chamada Escola de Frankfurt, em especial com Adorno e Hockheimer, a razão iluminista, refinada pelo positivismo, transformou-se, pelo mito da "objetividade sem corpo", em razão instrumental. Esta, adotando uma nova utopia reducionista e "fria", descarta o sensível, o qualitativo, o socialmente significativo em prol do produtivo, do quantitativo, do financeiramente acumulativo, cujos resultados saltam aos olhos hoje em dia: o paradoxo e impasse social, ecológico atado à falácia  das promessas do mecanicismo e tecnicismo, apresentados durante todo o século XX como meio de libertação dos seres humanos mas provocando, ao contrário, desencaixes sociais, alienação, ansiedade e escravidão à tecnologia na busca de preencher vazios existenciais cada vez maiores. A tal liberdade pela razão instrumental tornou-se instrumento de uma nova modalidade de escravidão tecnocrática.

  Toda promessa de felicidade técnica prometida pelo capitalismo cientificista acabou por se transformar num pesadelo: de um lado, temos a cruel falta de alimentos e do mínimo de conforto material na maioria dos países do Terceiro Mundo; e do outro lado temos a miséria psicológica e os distúrbios emocionais de toda espécie que acompanham os excessos do consumo-pelo-consumo e conforto supérfluo dos países (que são uma minoria) do Primeiro Mundo, ou 1/4 da população do planeta, onde crescem a solidão, a indiferença, os distúrbios da afetividade, a violência e a sensação de sem-sentido, conseqüência de uma visão de mundo extremamente reducionista, mecanicista e pragmática, voltada para as aparências, a competitividade e a vivência hedonista e individualista dos sentidos, nos moldes dos ideais industrialistas de nosso tempo e, para o cúmulo do paroxismo, a Oxfam divulgar bem recentemente que cerca de apenas 62 indivíduos no mundo possuem, juntos, metade de toda a riqueza social produzida no planeta enquanto, do outro lado, milhões buscam sobreviver em condições sub-humanas.

  O pensamento dominante nesta estrutura de coisas é o da crença fundamental de que tudo é separado de tudo, o que inclui as pessoas, as sociedades e as culturas, e que está de acordo com o modelo mecanicista e atomista que perpassa nosso paradigma científico, que busca sempre as unidades mínimas fundamentais da natureza, fazendo da análise sem fim o único modo correto de entendimento das coisas, esquecendo as características próprias de um conjunto, de um todo complexo. Assim o homem constrói mapas e teorias cada vez mais detalhados em suas minúcias e acaba por acreditar em sua obra intelectual como se fosse a descrição precisa da realidade, que é sempre mais complexa. Esta crença condiciona uma percepção da realidade que traz, ao lado de inegáveis progressos materiais, conseqüências danosas para a harmonia psíquica e social do homem, sem falar de seu impacto sobre a natureza: o apego a possessividade e seu conseqüente medo da perda, a raiva, a agressão, a competitividade e a violência ligada à defesa do "meu", sem falar dos sentimentos afins de orgulho e ciúme (c.f. a Home Page Ecologia Profunda, Ecologia Social e Eco-Ética).

  Esta crença na fragmentação das coisas assume formas muito sutis e extremamente refinadas nas teorias ditas científicas. Até o advento da Física Moderna (Mecânica Quântica), que trouxe notáveis insights para a filosofia da ciência, da Ecologia e do desenvolvimento da Psicologia Holística, e da Psicologia Transpessoal, bem como da antropologia e de outros campos que mostraram de forma contundente a crueldade da concepção de mundo vigente, podemos afirmar que quase todas as disciplinas ditas científicas (até hoje) estão atreladas ao chamado paradigma newtoniano-cartesiano (c.f. Fritjof Capra, 1986), que é o modelo ainda dominante e arduamente defendido pela grande maioria dos cientistas. Chama-se paradigma newtoniano-cartesiano porque suas linhas mestras foram concebidas e, em sua maior parte, consolidadas pelos trabalhos notáveis do filósofo e matemático francês René Descartes e pelo extraordinário físico, astrônomo, místico e matemático inglês Sir Isaac Newton.

  Este paradigma se caracteriza por idealizar uma realidade, ou melhor, uma concepção/visão de mundo mecânica, determinista, material, ou seja, de uma maquina composta por "peças" menores que se conectam de modo preciso. E essa concepção de mundo teve um grande impacto não só na Física, mas muito mais, pelas suas conseqüências filosóficas, em Biologia, Medicina, Psicologia Economia, Filosofia e Política. A extrema fragmentação das especializações, a coisificação da natureza, a ênfase no racionalismo e na fria objetividade e o desvinculamento dos valores humanos superiores, a abordagem mercantil competitiva na exploração da natureza, a ideologia do consumismo desenfreado, as diversas explorações com fins de se obter qualquer vantagem em cima de outros seres vivos, etc. têm sua fundamentação filosófica numa pretensa visão "científica" de um universo mecanicista (atualmente, numa concepção neo-darwinista da supremacia de umas ditas classes sociais, políticas e profissionais por sobre outras, numa reedição aprimorada de um discurso fascista-racista já usado pelos nazistas há algum tempo atrás).

  Com efeito, à guisa de exemplo, a fanática certeza da superioridade intelectual européia (com países sedentos pelas riquezas de outros povos e pelo potencial mercantil destes) construiu um grande número de racionalizações baseadas no linguajar científico da Física e da Biologia, maquiando a violência de fatores psicológicos mais profundos, como o da ganância materialista impiedosa, roubando e desmoralizando outros povos considerados ignorantes, primitivos e inferiores durante o máximo período de exploração colonial, entre os séculos XVIII e XX.

  De fato, a partir do modelo de alienação impositiva do modelo colonialista Europeu, envernizado de civilização, possibilitou o nascimento de teorias as mais absurdas, como a crença na superioridade genética da raça ariana, pelos nazista, que tinha tinha - ou pretendia ter - uma forte conotação cientificista. E longe de ter tido um fim, a mesma exploração imperialista está mais ativa do que nunca, principalmente quanto aos países ditos do Terceiro Mundo, que não estão e nem se pretende que estejam inseridos ativamente no sistema internacional de consumo e produção, conhecido como globalização, e que na verdade não passa de uma alienação das forças culturais e criativas dos povos em prol de modelo nortista de capitalismo.

  Grande parte dos países da América Latina são considerados "sem interesse", por serem "zeros econômicos", e são relegados à miséria e à margem da história branca e plastificada dos que se consideram os senhores do mundo. Segundo Leonardo Boff (1997), "estes mostram, por isso, uma insensibilidade e uma desumanidade que dificilmente encontra paralelos na história". Por mais que os arautos do racionalismo apontem desgraças e guerra em séculos anteriores e as maravilhas técnicas de nosso tempo, nunca se matou tão friamente e em nome da razão, do progresso e da civilidade como em nosso século.

  Na educação mesma, como muito bem nos fala Pierre Weil (Brandão & Crema, 1991), "a fragmentação do ensino aumenta à medida que se atinge as séries superiores, chegando a fazer das universidades atuais verdadeiras torres de Babel". Algumas teorias que se arvoram de científicas se fecham cada vez mais em si mesmas, ao ponto de se criar um mundo só delas, como em monastérios acessíveis apenas aos iniciados e partilhantes de seus ideais, expressos num linguajar técnico, complexo e, quando relacionados aos interesses existenciais dos indivíduos, vazio. A função valorativa dos sentimentos foi rejeitada. Só o racionalismo linear - expresso de modo claro em gráficos e em pesos e medidas - pode ser útil. Achamos que apenas o racional pode nos dizer o que tem valor, mas isso não ocorre.

  Valor é algo de subjetivo que diz respeito aos sentimentos. Não é por acaso que nossa cultura, que supervaloriza o racional, afoga-se em dados numéricos mas se mostra totalmente incompetente para discriminar o que realmente tem importância em meio a um mar de informações e pesquisas cartesianas, e se mostra completamente incapaz de dar o mínimo de conforto psicológico às pessoas que se sentem alienadas e excluídas pelo sistema vigente.

  Nossas prateleiras universitárias estão repletas de pesquisas "esotéricas" - apenas alguns "iniciados" podem compreendê-las -, com pouco ou nenhum valor real para o comum dos mortais. Estas prateleiras, como disse Milan Kundera, parecem cemitérios, ou até mesmo menos que isso, pois nos cemitérios sempre ocorrem visitas, pelo menos uma vez por ano. O governo é cada vez mais incapaz de estipular prioridades com base em qualquer outra ordem que não seja o balanço comercial ou os gráficos de desenvolvimento industrial. E como a ênfase está apenas no que é racional, temos uma visão unilateral de mundo, hipertrofiada, puramente intelectual, onde sentimentos e valores são menosprezados ou são ignorados. E é interessante notar o quanto esta estrutura filosófica influencia e é, por sua vez influenciada - em feedback - pela ideologia do capitalismo, ou qualquer outra que tire vantagens da situação.
  Tanto esta ideologia parece encontrar justificação na visão de mundo do paradigma newtoniano-cartesiano quanto este parece encontrar todo o apoio financeiro para se manter, na medida que as pesquisas mais de acordo com seus pressupostos recebem recursos vários enquanto as pesquisas menos técnicas (segundo seus parâmetros), mais ecológicas e/ou humanistas parecem ser desmerecidas ou rejeitadas, recebendo pouca ou nenhuma atenção dos poderes econômicos. Aliás, não devemos esquecer que estes poderes buscam exatamente isso: poder. Poder sobre a natureza, sobre os lucros, sobre as pessoas. Enfim, um poder pleno e exercido de modo racional-mecânico, onde os valores humanistas não podem ter lugar (Veja-se a home page sobre Soren Kierkegaard para um aprofundamento desta questão).

  Esta crença generalizada da onipotência técnica tem levado à atitudes e postulações extremamente arrogantes dos meios científicos e industriais, o que produz, entre outras coisas, os Titanics, os Hindemburgs, as Bombas, os Efeito-Estufa e os Chernobys da vida, bem como golpes militares,  políticas que flertam com o totalitarismo, a alienação, miséria, desemprego e violência.

  Com respeito à saúde, especialmente à Medicina, o paradigma vigente tem também exercido uma notável influência. A ênfase acadêmica e mercantilista na especialização tem feito quase desaparecer a figura do clínico geral e levado à fragmentação extrema das áreas médicas em super-especializações, quase sempre levando os pobres pacientes a se sentirem perdidos e alienados diante da frieza técnica e da ausência freqüente de uma visão global (psicossomática) do seu caso. Os mais visíveis resultados são: o "culto" à figura do médico (com toda a áurea externa e mítica a respeito dele), a quem é dada total responsabilidade pela nossa saúde, cabendo aos leigos apenas uma atitude de submissão passiva, promovida pela ignorância no cuidado da própria saúde, ou seja, de uma Educação Preventiva; uma extrema frieza - que é envolta no mito da objetividade científica - para com os sentimentos e anseios do "paciente"; o "paciente" sendo considerado um "objeto" de estudo (quando não de lucro); o culto da figura do especialista, o corpo sendo tratado como uma máquina, a mercantilização da saúde e um profundo e irracional desprezo pelos aspectos psicológicos da doença. Sem esquecer que o "paciente", que procura e paga o "especialista" é considerado ignorante demais, ou "leigo" demais, para merecer uma explicação clara de muitos dos supostos doutores...

  O argumento de que, em nosso século, o desenvolvimento técnico e tecnológico de equipamentos médicos tenham sido as principais responsáveis pelo aumento da taxa de vida também é questionável. Foram as melhorias sanitárias, a conquista de direitos sociais, a educação higiênica e o entendimento dos processos de transmissão de doenças (com os trabalhos, por exemplo, de um não médico, como Louis Pasteur), a Educação Preventiva que tiveram um papel considerável na melhoria da saúde pública. A parafernália técnica está quase totalmente voltada para o diagnóstico de doenças, muitas das quais perfeitamente evitáveis com uma eficaz educação preventiva, mas que possuem a área da modernidade milagrosa.

  Muito, ou pelo menos metade dos recursos utilizados em marketing e em diversos outros tipos de publicidade médica poderiam ser muito melhor aplicados na educação preventiva e na melhoria de postos de saúde, formando um conjunto de extraordinário efeito profilático. Do mesmo modo (como fica patente na denúncia feita pelo excelente filme "O Jardineiro Fiel", um raro e lúcido filme de crítica social feito em Hollywood e com a direção perfeita do brasileiro Fernando Meirelles), a estreita ligação de médicos alopatas com a indústria farmacêutica (responsável pela movimentação de bilhões de dólares anuais no comércio de remédios, muitos dos quais inócuos ou até prejudiciais) têm formado um verdadeiro cartel comercial e impositivo de valores.

  Quando do "boom" da AIDS, em meados da década de 80, a indústria do sangue, por exemplo, não queria se submeter aos testes que poderiam indicar a presença do vírus HIV nas doações de sangue, sob o pretexto de que os gastos não compensariam os resultados. Ao que um cientista, tristemente perguntou: "Quando os médicos se deixam levar pelo comércio e comercializam a saúde, a quem a população poderá recorrer?" Esta pergunta continua sendo mais atual que nunca. Ao invés de apenas se aterem ao mecanismo de como se dá a ação de uma doença, a pergunta principal deveria ser: Por que ocorre esta doença, quais os fatores intrínsecos e extrínsecos que causaram esta doença e quais os meios em que ela pode ser eficazmente debelada. Os tão estudados mecanismos de ação patológicos nem sempre são causa, mas sim efeitos de um distúrbio mais complexo do organismo em seu intercâmbio relacional com o ambiente físico e social que o envolve, o que, quase sempre, é tristemente negligenciado pela medicina alopática, mas que, felizmente, é um dos pontos mais fundamentais da medicina homeopática, que está sendo cada vez reconhecida.

  Seria útil, aqui, e já que tomamos o exemplo da Medicina, ou melhor, de médicos que se deixam encantar pela possibilidade de ganho fácil, recordar como a história sempre se repete, como diz Marx, a primeira vez como drama e a segunda vez como farsa... Já no século II de nossa era, o notável médico Galeno acusa seus colegas de terem esquecido Hipócrates, máximo modelo do bom médico. Galeno acusava-os de: a) serem ignorantes e fechados em sua pseudo-supremacia, b) de serem corruptos em sua sede insaciável de dinheiro e c) de estarem absurdamente divididos (hoje, em super-especializações). Eis o que ele disse a esse respeito: "Considerando a riqueza mais preciosa que a virtude, e exercendo a arte médica não em benefício do homem, mas por lucro e vaidade, (...) não é possível atingir a real finalidade da medicina" (citado em História da Filosofia, vol. I, página 362, de Giovanni Reale e Dario Antiseri, ed. Paulos, São Paulo, 1990).


  Todo este quadro de tecnicismo individualista e de descrédito em valores humanistas têm uma só causa fundamental: a nossa visão de mundo foi montada em cima de valores e referenciais mecanicistas... tomamos o relógio como metáfora do mundo, e passamos a nos tratar como máquinas... E é tal o enraizamento deste paradigma que fica até mesmo difícil de se acreditar ou aceitar que outras formas de ver e compreender o mundo tenham alguma validade intrísenca e/ou sejam tão ou mais perfeitas que a nossa visão cientificista.

  Creio que ninguém melhor que o genial Max Weber, filósofo e sociólogo alemão, pôde explicitar de modo claro como o racionalismo ocidental se transformou em ideologia, que poderíamos chamar de cientificista, estabelecendo uma série de preconceitos etnocêntricos com relação a outras formas de entendimento da realidade que, se não são científicas dentro dos cânones do academicismo ocidental, nem por isso deixam de ser significativas e coerentes e, mais que tudo, de funcionarem:
A Ciência como Vocação
"O progresso científico é um fragmento, o mais importante, indubitavelmente, do processo de intelectualização a que estamos submetidos desde milênios e relativamente ao qual algumas pessoas adotam, em nossos dias, um posicionamento crítico aparentemente estranho.

"Tentemos, de início, perceber claramente o que significa, na prática, essa racionalização intelectualista que devemos à ciência e à técnica científica. Significará, por acaso, que todos os que estão reunidos nesta sala possuem, a respeito das respectivas condições de vida, conhecimento de nível superior ao que um hindu ou um hotentote poderiam alcançar acerca de suas próprias condições de vida? É pouco provável. Aquele, dentre nós, que entra num trem não tem noção alguma do mecanismo que permite ao veículo pôr-se em marcha - exceto se for um físico ou engenheiro mecânico profissional. Basta-nos 'contar' com o trem e orientar, conseqüentemente, nosso comportamento; mas não sabemos como se constrói aquela máquina que tem condições de deslizar. O selvagem, ao contrário, conhece, de maneira incomparavelmente melhor, os instrumentos de que se utiliza. Eu seria capaz de garantir que todos ou quase todos os meus colegas economistas, acaso presentes nesta sala, dariam respostas diferentes à pergunta: como explicar que, utilizando a mesma soma de dinheiro, ora se possa adquirir uma grande soma de coisas e ora uma quantidade mínima? [E isto a despeito de os economistas se orgulharem das características matemáticas de sua disciplina o que, pretensamente, a colocaria próxima das ciências exatas, objetivas]. O "selvagem", contudo, sabe perfeitamente como agir para obter o alimento quotidiano e conhece bem os meios capazes de favorecê-lo em seu propósito.

"A intelectualização e a racionalização crescentes não equivalem, portanto, a um conhecimento geral progressivo e interligado acerca das condições em que vivemos. Significam, antes, que sabemos ou acreditamos que, a qualquer momento, poderíamos, bastando que o quiséssemos - e dentro de uma visão de mundo onde a razão é utilizada e calcada na produção e distribuição de mercadorias e na e feitura de máquinas -, provar que não existe, em princípio, nenhum poder misterioso que interferirá com o curso de nossa vida; em uma palavra, que podemos dominar tudo por meio da previsão. Equivale isso a despojar de magia o mundo, deixá-lo como uma região amorfa, sem significado, como uma massa manipulável e não tendo outra utilidade senão sua exploração econômica. Os fatos e fenômenos que escapam aos limites do previsível são ou desprezados, ou postos de lado à espera de que um aperfeiçoamento do modelo científico venha a os explicar, mas sempre dentro dos pressupostos deterministas básicos aceitos. Para nós não se trata mais, como para o selvagem que acredita na existência destes poderes, de apelar a meios mágicos para dominar os espíritos ou exorcizá-los, mas de recorrer à técnica e à previsão. Tal é a significação essencial da intelectualização" (WEBER, Ciência e política; duas vocações, pp. 30-31, Editora Cultrix, São Paulo, 1970. Os comentários entre colchetes são meus).

III - O difícil nascimento de um novo Paradigma

  A intuição de que o "quadro científico" é como uma janela que deixa ver apenas uma parte ínfima da realidade tem estimulado uma notável tentativa de se construir uma visão mais holísitica, humana, orgânica e ecológica da realidade. Afinal, as conseqüências de uma visão de mundo mecanicista são extraordinariamente nocivas, principalmente dentro de uma certa ideologia fascista de grande parte dos poderes político-econômicos da elite do Terceiro Mundo, o que traz um alto e muitas vezes impagável preço em termos de vidas humanas e recursos naturais. 

  Estamos começando a antever e a construir um modelo científico que se baseia no conceito de relação, que é muito mais amplo que o de análise, como o usado pela ciência normal. Já não são somente as partes constituintes de um corpo ou de um objeto que são de fundamental importância para a compreensão da natureza desse objeto, mas o modo como se expressa todo esse objeto, e como ele se insere em seu meio. As partes que constituem um sistema têm um notável conjunto de características que se vêem no âmbito das partes, mas o sistema inteiro, o todo - o holos -, freqüentemente possui uma característica que vai bem além que a mera soma das características de suas partes. Por exemplo, sabemos que tanto o hidrogênio quanto o oxigênio são constituintes fundamentais no processo de combustão. Mas se juntamos esses elementos e formarmos a água, nós os usaremos para combater a combustão. O Todo não elimina as características das partes, mas estas, quando em relações íntimas, dão o substrato a uma nova forma, cujas características transcendem às das partes constituintes. A Ecologia é a ciências moderna que melhor pode demonstrar esta relação parte/todo em simbiose íntima.

  Da mesma forma, podemos dizer que as peças de um quebra-cabeças, quando separadas, nos dizem muito pouco ou nada do que seja o quebra-cabeças. Somente quando vemos as peças em seu conjunto, e, de um certo modo, de um nível em que elas deixam de ser vistas como peças, é que podemos compreender a mensagem do quebra-cabeças. Assim também, pensamos que o mecanicismo reducionista e fragmentador do paradigma newtoniano-cartesiano já deu o que tinha de dar. Achamos que após três séculos de ênfase na análise, está na hora de começarmos a construir um modelo que também estimule a síntese. Enquanto o mecanicismo científico vê o universo como uma imensa máquina determinística, o holismo, sem negar as características "mecânicas" que se apresentam na natureza, percebe o universo mais como uma rede de inter-relações dinâmicas, orgânica.

  As origens do pensamento holístico, enquanto pensamento filosófico, podem se situar ainda na Antigüidade, com os pré-socráticos, especialmente com Heráclito. Posteriormente, teremos um eco desse pensamento com os estóicos e com os néo-platônicos, especialmente com Plotino, e, modernamente, com os Românticos, especialmente com Schelling e os idealistas alemães. Com a publicação do livro Holism and Evolution, em 1921, Jan Smuts pode ser considerado o teórico fundador do movimento holístico no século XX. Mas foi com a revolução extraordinária da Física das Partículas e, principalmente com a Teoria da Relatividade de Einstein, que o termo passou a ser aplicado com uma conotação mais paradigmática dentro da transformação conceitual da ciência.

  Paulatinamente, primeiramente a partir, primeiro, da Filosofia, e, depois, da Física, foi se construindo um arcabouço intelectual que permitiu uma expansão da percepção científica para além das peças de relógio do modelo analítico cartesiano-newtoniano. Este novo arcabouço estabelece que:

  • A Ciência, antes estritamente objetiva, torna-se epistêmica (voltada para o próprio processo intelectual de conhecer), já que as teorias revelam mais sobre a mente que a concebe que propriamente da realidade. Toda teoria é um modelo de explicação aproximada da realidade. Além do mais, desde que Heisenberg postulou seu Princípio da Incerteza, na Física das Partículas, e de que o observador influi na experiência, a questão de uma objetividade cartesiana clássica se tornou mais uma fantasia que realidade;

  • Parte-se das partes simples, consideradas independentes, para partes em interação, em processo ou em rede. Não é apenas o conjunto de elementos isolados que formam o universo de fenômenos estudado pela ciência. Mas a interação, a RELAÇÃO que existe entre esses elementos. Aliás, é mais provável que os elementos sejam frutos da própria relação tanto quanto esta é fruto destes. Desta forma, a realidade é um processo de troca de informações entre todos os entes físicos, biológicos, psicológicos e sociais.

O   físico norte-americano Brian Swimme fez uma síntese de alguns princípios fundamentais do holismo, ou do Paradigma Holístico:

  a) se a natureza do átomo (aqui o encadeamento lógico advém das características atômicas) não é dada ou é posta à compreensão exclusivamente por ele, de forma isolada, mas por sua interação e seu comportamento em relação a todo seu Universo envolvente, então a realidade física consiste principalmente de relações, como a música que se compõe de relações de sons e rítimos - e não de notas isoladas, o que implica em superposições de complexificação crescente ou na criação de sistemas dinâmicos sempre mais amplos. Ou seja, nada pode existir sem que imponha e receba características fora de seu ambiente total (Gestaltwn);

  b) a nossa ciência e a nossa interpretação sobre o que seja o mundo são resultantes de nossa própria ação e relação com o mundo que nos cerca e com as crenças e idéias que adotamos. O ideal da neutralidade e da objetividade científica é mais ficção que realidade;

  c) além da análise que separa, a síntese que une é de fundamental importância na compreensão do mundo: conhecer algo implica em saber sua origem e finalidade. O universo parece possuir um sentido evolutivo;

d) a matéria não é algo morto, passivo ou inerte, já que é dotada de energia e parece evoluir segundo um plano criativo global; os elementos inanimados parecem se organizar segundo complexos sistemas de interação. Assim, o Universo está mais para uma rede de relações, uma realidade auto-organizante: um organismo em homeorresis.

  Em Psicologia, o pensamento holístico está fortemente presente nas abordagens humanistas, especialmente na Gestalt, e, muito mais, na Psicologia Transpessoal.

  Stanley Krippner, diretor do Centro de Estudos da Consciência, assim definiu os quatro princípios básicos do Paradigma Holístico-Sistêmico:

  1) a consciência humana ordinária (relativa à percepção corporal e do ego no estado de vigília) compreende apenas uma parte ínfima da atividade total do psiquismo humano;

  2) a mente ou a consciência humana, ou o espírito humano, estende-se no tempo e no espaço, existindo em uma unidade dinâmica, ou melhor, em uma relação contínua com o mundo que ela observa;

  3) o potencial de criatividade e intuição é mais global do que se imagina comumente, abrangendo todos os seres vivos;

  4) o processo de evolução para níveis de maior complexificação e transcencdência é algo de muito valioso e importante - tendência à auto-atualização, segundo Maslow e Rogers.

  O filósofo existencialista e psiquiatra alemão Karl Jaspers (1883-1969), discorrendo sobre a necessidade de se empreender reflexões sobre como se obter o melhor método em pesquisa científica, afirmava que na prática do conhecimento necessitamos de vários métodos simultaneamente, e enfatizava três grupos:

   1. apreensão dos fatos particulares que implica na observação e descrição (análise) fenomenológica;

  2. investigação das relações, onde explicar se refere ao conhecimento das conexões causais objetivas, vistas do exterior, enquanto compreender diz respeito à intuição interior:

   3. percepção das totalidades, para não se cair no gravíssimo erro de se esquecer o Todo, no qual e pelo qual a parte subsiste.

   Portanto, a abordagem holística não é nem analítica e nem é puramente sintética; ela se caracteriza pelo uso simultâneo desses dois métodos, que são complementares.
A explicação da natureza e de todo o universo não pode ser mais puramente mecânica, pois está cada vez mais patente que existe um processo de síntese e de complexificação evolutiva que leva a criação de sistemas altamente dinâmicos, como os sistemas biológicos - logo, muito longe de serem máquinas sujeitas à segunda lei da termodinâmica clássica.

  Segundo Jan Smuts, um dos primeiros a pensar a moderna concepção holística, e que exerceu profunda influência em Alfred Adler, o primeiro grande discípulo dissidente de Freud, "o conceito mecanicista da natureza tem o seu lugar e a sua justificação apenas na estrutura mais ampla do holismo". Icluamos, porém, que a complexidade humana vai muito além do mecanicismo de Descartes, possuindo instâncias de racionalidade bem acima da racionalidade linear, ou, como dizia Pascal, "possuindo razões que a própria razão desconhece".

  A pesquisadora e escritora Rose Marie Muraro, em seu livro"Textos da Fogueira", Ed. Letra Viva, 2000, assim se expressa sobre a atual atitude de questionamento epistemológico da ciência moderna:

(...) O mais revolucionário achado metodológico nessa área é a inclusão da subjetividade e da concretude como categorias epistemológicas maiores, ao lado da objetividade e da racionalidade, feita por muitas filósofas em vários países, entre elas Susan Bordo, Allison Jaggar e outras. O mais interessante a se notar é que essa revolução epistemológica se faz na mesma época em que, nas ciências exatas, começa a abalar-se o domínio da razão. Nelas, o irracional irrompe como o paradigma que ajuda a chegar perto das realidades científicas extraordinariamente complexas de um mundo tecnologicamente avançado. Isto acontece nas Teorias do Caos, das Catástrofes e da Complexidade. Neste início de século e de milênio, desmorona o dualismo simplista mente/corpo, razão/emoção, que foi a base do pensamento ocidental nesses últimos três mil anos e que serviu apenas como racionalização do exercício de poder expresso nas relações senhor/escravo, homem/mulher, opressor/oprimido, etc. Esta nova maneira de elaborar abre uma nova forma de pensar pós-cartesiana e pós-patriarcal. 
Se levada às suas últimas conseqüências, essa nova elaboração científico-epistemológica da realidade pode modificar a própria natureza da ciência. Como ela é hoje, por ser abstrata e generalizante, reforça o poder, que na sua estrutura mesma é abstrato e esmagador do humano. Uma ciência em que a subjetividade e o irracional enriqueçam o conhecimento pode desencadear um processo de reversão desse poder destrutivo, tornado-se uma ciência libertadora, e não escravizadora (Muraro, op. cit., p. 16).


  Cabe aqui igualmente uma transcrição de parte de um artigo do nosso querido teólogo e filósofo Leonardo Boff (publicado na Folha de São Paulo em maio de 1996, cuja íntegra poderá ser encontrada na Home Page do autor) sobre a nova visão holística, sistêmica ou ecológica que agora surge:

  "A ecologia integral procura acostumar o ser humano com esta visão global e holística. O holismo não significa a soma das partes, mas a captação da totalidade orgânica, una e diversa em suas partes, mas sempre articuladas entre si dentro da totalidade e constituindo esta totalidade. Esta cosmovisão desperta no ser humano a consciência de sua funcionalidade dentro desta imensa totalidade. Ele é um ser que pode captar todas estas dimensões, alegrar-se com elas, louvar e agradecer aquela Inteligência que tudo ordena e aquele Amor que tudo move, sentir-se um ser ético, responsável pela parte do universo que lhe cabe habitar, a Terra. Ela, a Terra, é, segundo notáveis cientistas, um superorganismo vivo, denominado Gaia, com calibragens refinadíssimas de elementos físico-químicos e auto-organizacionais que somente um ser vivo pode ter.

  Nós, seres humanos, podemos ser o satã da Terra, como podemos ser seu anjo da guarda bom. Esta visão exige uma nova civilização e um novo tipo de religião, capaz de re-ligar Deus e mundo, mundo e ser humano, ser humano e a espiritualidade do cosmos. O cristianismo é levado a aprofundar a dimensão cósmica da encarnação, da inabitação do espírito da natureza e do panenteísmo, segundo o qual Deus está em tudo e tudo está em Deus. Importa fazermos as pazes e não apenas uma trégua com a Terra. Cumpre refazermos uma aliança de fraternidade/sororidade e de respeito para com ela. E sentirmo-nos imbuídos do Espírito que tudo penetra e daquele Amor que, no dizer de Dante, move o céu, todas as estrelas e também nossos corações. Não cabe opormos as várias correntes da ecologia. Mas discernirmos como se complementam e em que medida nos ajudam a sermos um ser de relações, produtores de padrões de comportamentos que tenham como consequência a preservação e a potenciação do patrimônio formado ao longo de 15 bilhões de anos e que chegou até nós e que devemos passá-lo adiante dentro de um espírito sinergético e afinado com a grande sinfonia universal".

O comportamento da dita "grande mídia" nativa é sintomático da decadência ética da Casa Grande no Brasil

"Vivemos tempos de incompetência desbordante, de irresponsabilidade, de irracionalidade. De decadência moral, de descalabro crescente. Falei em 1954: foi também o ano do suicídio de Getúlio Vargas, alvejado pelo ataque reacionário urdido contra quem dava os primeiros passos de uma industrialização capaz de gerar proletariado, ou seja, cidadãos conscientes de sua força, finalmente egressos da senzala." Mino Carta


Política

Editorial

Isto não é jornalismo


O comportamento da mídia nativa é o sintoma mais preciso da decadência do Brasil
por Mino Carta — publicado 29/01/2016 10h36 na Carta Capital


Ricardo Stuckert

Lula
Não é difícil entender que a casa-grande está apavorada com a possibilidade do retorno de Lula à Presidência
Incomodavam-me, em outros tempos, os sorrisos do sambista e do futebolista. Edulcorados pela condescendência de quem se crê habilitado à arrogância. Superior, com um toque de irônica tolerância. Ou, por outra: um sorriso vaidoso e gabola.
Agora me pergunto se ainda existem sambistas e futebolistas capazes daquele sorriso. Foi, aos meus olhos, por muito tempo, o sinal de desforra em relação ao resto do mundo, a afirmação de uma vantagem tida como indiscutível. Incomodou-me, explico, considerar que a vantagem do Brasil, enorme, está nos favores recebidos da natureza e atirados ao lixo pela chamada elite, que desmandou impunemente.
Quanto ao sambista e ao futebolista, não estavam ali por acaso. Achavam-se os tais, e os senhores batiam palmas. Enxergavam neles os melhores intérpretes do País e no Carnaval uma festa para deslumbrar o mundo.
O Brasil tinha outros méritos. Escritores, artistas, pensadores, respeitabilíssimos. Até políticos. Ocorre-me recordar a programação do quarto centenário de São Paulo, em 1954, representativa de uma metrópole de pouco mais de 2 milhões de habitantes e equipada para realizar um evento que durou o ano inteiro sem perder o brilho.
Lembro momentos extraordinários, a partir da presença de telas de Caravaggio em uma exposição do barroco italiano apresentada no Ibirapuera recém-inaugurado, até um festival de cinema com a participação de delegações dos principais países produtores.
A passar pela visita de William Faulkner disposto a trocar ideias com a inteligência nativa. Não prejudicaram a importância da presença do grande escritor noitadas em companhia de Errol Flynn encerradas ao menos uma vez pelo desabamento do primeiro Robin Hood de Hollywood na calçada do Hotel Esplanada.
A imprensa servia à casa-grande, mas nela militavam profissionais de muita qualidade, nem sempre para relatar a verdade factual, habilitados, contudo, a lidar desenvoltos com o vernáculo. Outra São Paulo, outro Brasil.
Este dos dias de hoje está nos antípodas, é o oposto daquele. A despeito da irritação que então me causava o sorriso do futebolista e do sambista, agora lamento a sua falta, tratava-se de titulares de talentos que se perderam.
Vivemos tempos de incompetência desbordante, de irresponsabilidade, de irracionalidade. De decadência moral, de descalabro crescente. Falei em 1954: foi também o ano do suicídio de Getúlio Vargas, alvejado pelo ataque reacionário urdido contra quem dava os primeiros passos de uma industrialização capaz de gerar proletariado, ou seja, cidadãos conscientes de sua força, finalmente egressos da senzala.
Recortes
Segundo a Folha, Lula carrega o triplex nas costas, igual a mochila
Não cabe, porém, compararCarlos Lacerda com os golpistas atuais, alojados na mídia, grilos falantes dos barões, a serviço do ódio de classe. Lacerda foi mestre na categoria vilão, excelente de fala e de escrita.
Os atuais tribunos de uma pretensa, grotesca aristocracia, são pobres-diabos a naufragar na mediocridade. Muitos deles, como Lacerda, começaram na vida adulta a se dizerem de esquerda, tal a única semelhança. Do meu lado, sempre temi quem parte da esquerda para acabar à direita.
Os sintomas do desvario reinante multiplicam-se, dia a dia. Alguns me chamam atenção. Leio, debaixo de títulos retumbantes de primeira página, que o ex-ministro Gilberto Carvalho admitiu ter recebido certo lobista.
Veicula-se a notícia como revelação estarrecedora, e só nas pregas do texto informa-se que Carvalho convidou o visitante a procurar outra freguesia. De todo modo, vale perguntar: quantos lobistas passam por gabinetes ministeriais ao praticar simplesmente seu mister? Mesmo porque, como diria aquela personagem de Chico Anysio, advogado advoga, médico medica, lobista faz lobby.
Outro indício, ainda mais grave, está na desesperada, obsessiva busca de envolver Lula em alguma mazela, qualquer uma serve. Tanto esforço é fenômeno único na história contemporânea de países civilizados e democráticos. Não é difícil entender que a casa-grande está apavorada com a possibilidade do retorno de Lula à Presidência em 2018, mesmo o mundo mineral percebe.
Mas até onde vai a prepotência insana, ao desenrolar o enredo de um apartamento triplex à beira-mar que Lula não comprou? A quem interessa a história de um imóvel anônimo? Que tal falarmos dos iates, dos jatinhos, das fazendas, dos Rolls-Royce que o ex-presidente não possui?
Este não é jornalismo. Falta o respeito à verdade factual e tudo é servido sob forma de acusação em falas e textos elaborados com transparente má-fé. Na forma e no conteúdo, amídia nativa age como partido político

Assim agem os mega-bilionários na era da alienação midiática neoliberal



Assim agem os mega-bilionários


Retrato de um sistema em degradação moral: nove das dez pessoas mais ricas do mundo estão envolvidas com trabalho escravo e infantil, superexploração, espionagem e patrocínio de golpes de Estado

Gráfico da Oxfam revela crescimento acelerado da desigualdade. Em 2010, eram necessários 388 mega-bilionários para igualar a riqueza de metade da população do planeta. Em 2015, este número já havia caído para 58
Gráfico da Oxfam revela crescimento acelerado da desigualdade. Em 2010, eram necessários 388 mega-bilionários para igualar a riqueza de metade da população do planeta. Em 2015, este número caiu para 62
Por Mauro Lopes, editor do blog Caminho pra casa
Teve grande repercussão o estudo divulgado pela OXFAM segundo o qual 1% das pessoas mais ricas do mundo detêm mais riqueza que as demais 99%. No mesmo estudo, indicou-se que apenas 62 multimilionários têm riqueza equivalente à da metade da população do planeta. Veja aqui a íntegra do estudo em português. Agora, um conselheiro da entidade, que reúne 17 organizações não-governamentais, o russo Mikhail Maslennikov demonstrou como essa concentração é fruto de ação meticulosa das elites globais – veja a entrevista em português, veiculada pelo Outras Palavras clicando aqui.
BBC Brasil apresentou em reportagem quem são os 62 multimilionários que controlam metade da riqueza mundial – leia aqui se quiser. Na reportagem da BBC há algo que é uma febre nas redes: listas. O texto apresentou os “Top Ten”, os 10 mais ricos. É uma lista reveladora do caráter do capitalismo. Da dezena listada, nove são conhecidos por práticas que incluem uso de mão de obra escrava, superexploração de trabalhadores e espionagem a serviço da agência americana de segurança (NSA).O sistema ideológico do capitalismo enfia na cabeça e coração das pessoas histórias de “heróis” que fizeram fortuna com base em sua criatividade, genialidade, perseverança, intuição… É o que nos é vendido na mídia tradicional, pelo sistema escolar e acadêmico dominante, consultorias, publicidade… Mas os pés de barro desses “gigantes” ficam ocultos.
Vejamos a lista dos “10 mais”:
1. Bill Gates (US$ 79 bi) – a Microsoft é alvo de seguidas denúncias de uso de mão de obra em condições análogas à escravidão na Ásia, além de uso de crianças nas linhas de montagem – leia aqui.
2. Carlos Slim (US$ 77 bi) – empresas do império de telecomunicações do mexicano têm sido acusadas de condições degradantes de trabalho, especialmente em terceirizadas sob sua contratação, inclusive no Brasil – leia aqui.
3. Warren Buffet (US$ 72,7 bi) – é um ícone dos defensores do capitalismo, endeusado por eles, logo depois do “primeiro deus” (o dinheiro, claro). Fez sua fortuna investindo em empresas ao redor do mundo. Em 2015, sua holding firmou parceria com a 3G Capital, uma dessas empresas de fusões e aquisições ao estilo das mais selvagens dos anos 80: sua especialidade é fundir empresas e cortar milhares e milhares de pessoas. Buffet chegou a confrontar-se com acionistas de sua holding para defender as práticas de sua nova sócia – leia aqui.
4. Amancio Ortega (US$ 64,5 bi) – a Zara e outras empresas de Ortega são as líderes mundiais da chamada “fast fashion” (moda rápida), baseada em uso de mão de obra em condições análogas à escravidão no Brasil, Ásia e África – leia aqui.
5. Larry Ellison (US$ 54 bi) – sua empresa, a Oracle, está sob investigação na China pela acusação de ter colaborado com a NSA (agência de segurança do governo americano) no hackeamento das redes de universidades chinesas e de Hong Kong, do Ministério de Segurança Pública e do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento do Conselho de Estado – leia aqui.
6. Charles Koch (US$ 42,9 bi) – ele e seu irmão David, proprietários de empresas de petróleo e outras, são grandes financiadores das articulações de direita golpistas na América Latina, de cientistas que se opõem às evidências do aquecimento global e do livre porte de armas – leia aqui.
7. David Koch (US$ 42,9 bi) – irmão de Charles, o sexto da lista.
8. Christy Walton (US$ 41,7 bi) – os irmãos Walton, controladores da Walmart (terceira maior empresa do planeta) implantaram desde sua fundação, em 1962, uma política de salários irrisórios e veto a qualquer tentativa de organização de seus trabalhadores –leia aqui.
9. Jim Walton (US$ 40,6 bi) – irmão de Christy, a oitava da lista.
10. Liliane Bettencourt (US$ 40,1 bi) – a L’Oreal e sua controladora são as únicas sobre as quais não pesam acusações/evidências de maus tratos às pessoas ou ação contra seus direitos.
O caráter do capitalismo pelos seus “ídolos”.
Por fim, uma leitura imperdível se você quer entender o processo de concentração da renda e a impossibilidade de uma solução de paz e humana no contexto do capitalismo Um artigo do professor Ronaldo Herrlein Jr. Da UFRGS – leia aqui.

Altamiro Borges sobre os 62 indivíduos ultrabilionários em um mundo de 3,6 bilhões de miseráveis... Viva o Capitalismo!


Por Altamiro Borges


Na semana passada, a organização não-governamental britânica Oxfam divulgou um estudo sobre a brutal concentração das riquezas no mundo. Ele aponta que 62 ricaços - incluindo dois empresários brasileiros - têm uma fortuna equivalente a 3,6 bilhões de habitantes do planeta. A conclusão deveria gerar a repulsa da sociedade, mas a mídia patronal já tratou de abafar o escândalo. Em um cenário de crise mundial do capitalismo, este seleto grupo de endinheirados acumulou ainda mais riquezas. "O fosso entre a parcela dos mais ricos e o resto da população aumentou de forma dramática nos últimos 12 meses", afirma relatório da Oxfam, batizado acertadamente de "Uma economia a serviço de 1%. 

O estudo indica que a fortuna do seleto grupo que corresponde a 1% da população mundial superou a dos 99% restantes em 2015. "No ano passado, a Oxfam estimava que isso fosse ocorrer em 2016. No entanto, aconteceu em 2015, um ano antes", completa o documento, publicado como contribuição à 46ª edição do Fórum Econômico Mundial de Davos, na semana passada. Os ricaços reunidos naquele convescote ficaram "chocados" com o estudo... e continuaram curtindo o passeio de luxo no paraíso suíço. O capitalismo segue sua lógica, concentrando riquezas e jogando a humanidade na barbárie.   


Vale conferir alguns dados da pesquisa e os nomes dos ricaços - já que a mídia privada optou por abafar o escândalo:

- "62 pessoas têm tanto capital como a metade mais pobre da população mundial", Enquanto há cinco anos a riqueza de 388 pessoas equivalia à riqueza da metade da população mundial, agora apenas 62 pessoas da parcela mais rica do mundo têm capital proporcional à metade da população mais pobre.



- "Desde o início do século 21 a metade mais pobre da humanidade se beneficia de menos de 1% do aumento total da riqueza mundial, enquanto a parcela de 1% dos mais ricos partilha da metade do mesmo aumento".



- Para combater às desigualdades, a Oxfam propôs o controle do capital rentista e o fim dos "paraísos fiscais". Ela revelou que nove em cada dez empresas presentes ao Fórum de Davos "estão presentes em pelo menos um paraíso fiscal". É evidente que as propostas da ONG britânica não foram acatadas.

Confira a lista dos ricaços:

1- Bill Gates - US$ 79,2 bi - Microsoft EUA

2- Carlos Slim Helu - US$ 77,1 bi - Telecom México

3- Warren Buffett - US$ 72,7 bi - Berkshire Hathaway EUA

4- Amancio Ortega - US$ 64,5 bi - Zara Espanha

5- Larry Ellison - US$ 54,3 bi - Oracle EUA

6- Charles Koch - US$ 42,9 bi - Diversos EUA

7- David Koch - US$ 42,9 bi - Diversos EUA

8- Christy Walton - US$ 41,7 bi - Wal-Mart EUA

9- Jim Walton - US$ 40,6 bi - Wal-Mart EUA

10- Liliane Bettencourt - US$ 40,1 bi - L'Oreal França

11- Alice Walton - US$ 39,4 bi - Wal-Mart EUA

12- S. Robson Walton - US$ 39,1 bi - Wal-Mart EUA

13- Bernard Arnault - US$ 37,2 bi - LVMH França

14- Michael Bloomberg - US$ 35,5 bi - Bloomberg LP EUA

15- Jeff Bezos- US$ 34,8 bi - Amazon.com EUA

16- Mark Zuckerberg - US$ 33,4 bi - Facebook EUA

17- Li Ka-shing - US$ 33,3 bi - Diversos Hong Kong

18- Sheldon Adelson - US$ 31,4 bi - Cassinos EUA

19- Larry Page - US$ 29,7 bi - Google EUA

20- Sergey Brin - US$ 29,2 bi - Google EUA

21- Georg Schaeffler - US$ 26,9 bi - Rolamentos Alemanha

22- Forrest Mars Jr. - US$ 26,6 bi - Doces EUA

23- Jacqueline Mars - US$ 26,6 bi - Doces EUA

24- John Mars - US$ 26,6 bi - Doces EUA

25- David Thomson - US$ 25,5 bi - Mídia Canada

26- Jorge Paulo Lemann - US$ 25 bi - Bebidas Brasil

27- Lee Shau Kee - US$ 24,8 bi - Imóveis Hong Kong

28- Stefan Persson - US$ 24,5 bi - H&M Sweden

29- George Soros - US$ 24,2 bi - Hedge Funds EUA

30- Wang Jianlin - US$ 24,2 bi - Imóveis China

31- Carl Icahn - US$ 23,5 bi - Investimentos EUA

32- Maria Franca Fissolo - US$ 23,4 bi - Nutella, chocolates Italy

33- Jack Ma - US$ 22,7 bi - Comércio digital China

34- Prince Alwaleed bin Talal Alsaud - US$ 22,6 bi - Investimentos Saudi Arabia

35- Steve Ballmer - US$ 21,5 bi - Microsoft EUA

36- Phil Knight - US$ 21,5 bi - Nike EUA

37- Beate Heister & Karl Albrecht Jr. - US$ 21,3 bi - Supermercados Alemanha

38 Li Hejun - US$ 21,1 bi - Equipamento de energia solar China

39- Mukesh Ambani - US$ 21 bi - Petroquímicos, óleo e gás Índia

40- Leonardo Del Vecchio - US$ 20,4 bi - Óculos Italy

41- Len Blavatnik - US$ 20,2 bi - Diversos EUA

42- Tadashi Yanai - US$ 20,2 bi - Varejo Japão

43- Charles Ergen - US$ 20,1 bi - Dish Network EUA

44- Dilip Shanghvi - US$ 20 bi - Farmacêuticos Índia

45- Laurene Powell Jobs - US$ 19,5 bi - Apple, Disney EUA

46- Dieter Schwarz - US$ 19,4 bi - Varejo Alemanha

47- Michael Dell - US$ 19,2 bi - Dell EUA

48- Azim Premji - US$ 19,1 bi - Software Índia

49- Theo Albrecht Jr. - US$ 19 bi - Aldi, Trader Joe's Alemanha

50- Michael Otto - US$ 18,1 bi - Varejo, imóveis Alemanha

51- Paul Allen - US$ 17,5 bi - Microsoft, investimentos EUA

52- Joseph Safra - US$ 17,3 bi - Financeiro Brasil

53- Anne Cox Chambers - US$ 17 bi - Mídia EUA

54- Susanne Klatten - US$ 16,8 bi - BMW, farmacêuticos Alemanha

55- Pallonji Mistry - US$ 16,3 bi - Construção Irlanda

56- Ma Huateng - US$ 16,1 bi - Mídia China

57 - Patrick Drahi - US$ 16 bi - Telecom França

58- Thomas & Raymond Kwok - US$ 15,9 bi - Imóveis Hong Kong

59- Stefan Quandt - US$ 15,6 bi - BMW Alemanha

60- Ray Dalio - US$ 15,4 bi - Hedge funds EUA

61- Vladimir Potanin - US$ 15,4 bi - Metais Rússia

62- Serge Dassault - US$ 15,3 bi - Aviação França

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