terça-feira, 22 de outubro de 2019

Reforma trabalhista pós-golpe aprofundou crise e dificulta retomada do crescimento no Brasil, apontam pesquisadores. Artigo de Lilian Milena


'Houve queda na remuneração do trabalho, queda do poder de compra, nos circuitos de crédito das famílias, impedindo retomada da atividade econômica', conclui autores de livro sobre impactos da reforma




O trabalho com aplicativos virou uma saída para a crise e a demora na recolocação no mercado. Foto: Pixabay
Jornal GGN Quando a reforma trabalhista foi aprovada no Congresso, em novembro de 2017, a promessa do então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, foi que a nova legislação tornaria viável a geração de mais de seis milhões de empregos. O cenário hoje, dois anos depois de a medida entrar em vigor, mostra que o mercado de trabalho brasileiro está bem longe de atingir a meta prometida.
O que deu errado? Essa é a pergunta que busca responder o livro “Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade”, lançado recentemente pela Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma do Trabalho (REMER). Clique aqui para baixar o livro, disponibilizado gratuitamente. 
TV GGN conversou com dois dos três organizadores do livro: José Dari Krein, professor da Unicamp, doutor e mestre em Economia Social do Trabalho, e Vitor Araújo Filgueiras, professor da UFBA, mestre e pós-doutorando em Economia pela Unicamp.
“[A reforma trabalhista foi apresentada] como um remédio para curar a doença da crise da recessão econômica que atingiu o Brasil. Se a crise prejudicou o remédio, significa que o remédio não era adequado”, avalia Filgueiras, ao ser questionado sobre um dos argumentos, usados hoje pelo atual governo, de que os efeitos da reforma trabalhista foram travados pelo desempenho pífio da economia, exigindo a ampliação da reforma trabalhista.

Redução de direitos aprofundou a crise

A reforma agiu no sentido contrário ao que prometia, aprofundando ainda mais a crise econômica no Brasil. Dari Krein ressalta que 87% da dinâmica econômica no país é dada pelo mercado consumidor interno.
“A partir do momento que você tenta reduzir o custo [da produção, reduzindo o gasto com o trabalhador], para ganhar mercado externo, isso tem outro efeito na dinâmica do mercado interno, porque atinge a demanda”, explica.
“Ou seja, na nossa opinião, a reforma pode ser considerada, entre outros fatores, uma das responsáveis pelo Brasil não conseguir retomar a atividade econômica com mais consistência, após 2015 e 2016”, pontua.
O professor lembra que um dos argumentos principais dos defensores da reforma foi que as mudanças nas leis trabalhistas “dariam mais confiança aos setores empreendedores e investidores, alavancando a taxa de investimento e da competitividade da economia brasileira”. Entretanto, a economia no país continua rebaixada.
“O fracasso da Reforma Trabalhista em criar vagas de emprego foi retumbante”, prossegue Vitor Filgueiras.
Dados divulgados pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) comprovam sua afirmação. Metade das vagas, criadas nos últimos anos, se deve a três setores específicos, que aumentaram contratações justamente com base em modelos opostos ao da Reforma Trabalhista.
“A primeira atividade, a que teve maior criação de empregos formais, após a reforma, foi a de transporte rodoviário de cargas. Todos nós lembramos que passamos por uma greve dos caminhoneiros. Uma das consequências da paralisação foi a introdução de um mecanismo de tabelamento de fretes, que nada mais é do que o engendramento da colocação de um salário mínimo para esses trabalhadores”, destaca.
“Dito de outra forma, acidentalmente, ao tabelar o frete, houve um aumento da proteção ao trabalho (o oposto da reforma), que ampliou essa forma de contratação. Por conta disso, foram contratados mais de 50 mil postos de trabalho, só nesse setor”.
A segunda área que mais empregou pós-reforma trabalhista foi a de saúde e serviços sociais no setor público, via concursos. “Ação que também se opõe à lógica da reforma, porque os concursos públicos combatem a contratação de médicos, enfermeiros e fisioterapeutas como PJs, por exemplo”, destaca o pesquisador.
A terceira modalidade que mais abriu vagas, desde 2017, foi a do terceiro setor, estritamente vinculado às atividades-meio das empresas, em funções como porteiro, vigilante e serviços de limpeza. “A terceirização das chamadas atividades-meio é algo que já é permitido há mais de 20 anos no Brasil. Então, a criação de novas vagas nesse setor, não tem nenhuma relação com a reforma”, completa Filgueiras.

Criação de empregos nunca foi o objetivo

E aqui chegamos na principal tese defendida pelo professor Dari Krein, de que o objetivo real da Reforma Trabalhista nunca foi ampliar as vagas de empregos formais no Brasil.
“Se aproveitaram de uma crise no mercado de trabalho, muito intensa, para defender mudanças que são estruturais e vão muito além da crise. Ou seja, as mudanças que foram propostas na legislação trabalhista não é para enfrentar a crise [econômica], ela estabelece um novo marco regulatório nas relações do mercado de trabalho no Brasil”, pondera.
“O fundamento argumentativo, a grande justificativa para a Reforma Trabalhista, foi confrontar a necessidade de redução de direitos trabalhistas para a criação de empregos”, lembra Filgueiras.
“Esse foi o argumento estrutural que justificou o conjunto de mudanças, para fazer as pessoas aceitarem ou, ao menos, apoiarem a redução de direitos. Porque, por óbvio, é muito difícil alguém dizer que é contra a criação de empregos”, prosseguiu o professor.
O efeito real da reforma na vida do trabalhador, além da não ampliação consistente de postos de trabalho, foi o rebaixamento nos rendimentos médios.
“Uma das razões da continuidade da estagnação econômica do Brasil hoje é a compressão dos salários. Houve uma queda na remuneração do trabalho, uma queda do poder de compra, queda nos circuitos de crédito das famílias e isso impede a retomada da atividade econômica”, completa Krein.
O professor destaca que esse quadro explica a dificuldade do Brasil retomar o ciclo de recuperação econômica e, consequentemente, a criação de novos postos de trabalho.
O princípio é claro e óbvio: como 87% da dinâmica econômica no país depende do mercado consumidor interno, e o mercado consumidor interno (formado em sua maioria pelos trabalhadores) reduziu os gastos – seja pelo desemprego, seja pela compressão dos salários -, os empresários não aumentaram a oferta de vagas de emprego, porque a demanda por produtos e serviços não cresce o suficiente para incentivar a criação de mais postos de trabalho.
“Nas crises que enfrentamos no passado, não ficamos tanto tempo estagnados. Nos outros ciclos, sempre após uma forte queda econômica, a recuperação levou menos tempo. Agora, estamos em recessão pelo quinto ano consecutivo “, observa Krein.

Números do mercado de trabalho

Em novembro de 2017, quando a Reforma Trabalhista foi aprovada pelo Congresso, a chamada taxa de desocupação estava em 12%. No último resultado da pesquisa continuada do IBGE, divulgada em setembro, a taxa de desocupação registrada estava em 11,8%. Oficialmente são 12,6 milhões de brasileiros na condição desocupados, ou seja, desempregados que procuraram emprego nos últimos 30 dias.
Mas a taxa de subutilização alcança cerca de um quarto (24,6%) da força de trabalho no Brasil: 28,1 milhões de pessoas, somando o grupo dos desocupados, com os de subocupados (pessoas que querem ingressar no mercado, mas atuam em pequenos serviços somando até 40 horas mensais), junto à parcela de pessoas disponíveis para trabalhar, mas que não procuraram emprego nos últimos 30 dias por motivos diversos, como a falta de dinheiro para pegar ônibus.
“Está crescendo, no pós-reforma, [o número] de pessoas que trabalham mais de 49 horas por semana, e de pessoas que trabalham até 14 horas por semana. São os dois extremos que são expressões exatamente de um mercado de trabalho precarizado, do mercado em que as oportunidades de ocupação são muito restritas”, conclui Dari Krein.
Os que trabalham mais de 49 horas na semana são, em boa parte, prestadores de serviço por aplicativos, como Uber e iFood.
“Pesquisas nossas [da UFBA], e também em São Paulo, mostram que existem pessoas trabalhando 12 horas por dia para aplicativos, todos os dias, de domingo a domingo, e não recebem um salário mínimo”, destaca Filgueiras.
A seguir, a entrevista completa dividida em três partes.


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