Foram justamente os recentes vazamentos do The Intercept que provocaram um
curto-circuito no cérebro artificial de Sérgio Moro, obrigando-o a pedir
licença do cargo e correr para os EUA, a fim de ser “reenergizado”
Homero Fonseca

Foto Lula Marques
Moro é um replicante, por Homero Fonseca, no GGN
Comecei a desconfiar há algum tempo, mais
exatamente ao assistir ao depoimento do ministro da Justiça no Senado,
no dia 19 de junho passado. As respostas repetidas mecanicamente, como
uma gravação; os gestos maquinais; o olhar fixo no nada; as ventas
franzidas e a voz… ah, a voz de Sérgio Moro. Enquanto ele era juiz e não
dava entrevistas, ninguém nunca tinha escutado aquela voz… inumana.
Alguém conhece um único ser humano sobre a face da Terra que tenha
aquela voz? Essa é a única imperfeição séria no robô Nexus-6 (de última
geração) construído secretamente pelo Tyrrel Laboratory Corp., de Los
Angeles, em 1998.
Aquela performance no Senado me levou a
observar mais detidamente o suposto juiz e a me aprofundar nas
pesquisas. Ainda estou no início das investigações, mas alguma coisa
posso adiantar. Não tenho provas, mas robustos elementos de convicção.
Vamos lá.
Sérgio Fernando Moro nasceu em 1º de agosto de 1972 em Maringá, no
Paraná, descendente de italianos do Vêneto, filho de dona Odete Starke
Moro e do professor de Geografia, Dalton Áureo Moro, ilustre militante
do PSDB na cidade paranaense. Era uma criança inteligente e carinhosa,
embora introspectiva. Não tinha boa saúde, daí não haver sido aceito nos
escoteiros, seu sonho à época. Sua adolescência foi modelar, por isso
mesmo não registrando nenhum episódio digno de nota, exceto pelo fato de
nunca haver se masturbado, mesmo diante das revistas Playboy
contrabandeadas pelos amiguinhos. Depois da primeira comunhão, todo
domingo ia à missa e comungava. Formou-se em Direito pela excelsa
Universidade Estadual de Maringá, em 1995. Era um aluno brilhante, mas
calado. Escrevia muito bem seus trabalhos, não apenas dominando
perfeitamente a Língua Portuguesa mas até arriscando-se na Poesia (um
único amigo a quem deixou ler seus sonetos disse que eram passáveis, mas
ele, por timidez, nunca os publicou ou mostrou a mais ninguém). Em
1996, tornou-se professor adjunto de direito processual penal da UFPR.
Data daí seu interesse acadêmico por corrupção, lavagem de dinheiro e
outras falcatruas.
Sérgio Fernando nunca expressava opiniões
políticas. Em 1985, aos 13 anos, assistiu a uma majestática manifestação
da TFP — Sociedade em Defesa da Tradição, Família e Propriedade contra o
fim da ditadura militar e a eleição de Tancredo Neves. Ficou fascinado
pelos estandartes e paramentos da entidade da ultradireita católica.
Desde então tornou-se adepto fervoroso da organização e leitor
compulsivo de seus catecismos, panfletos, artigos e livros.
Foi esse perfil discreto e superconservador que fez
Moro ser convidado pelo Departamento de Estado dos EUA em 1998 para um
curso intensivo para juristas latino-americanos na Harvard Law School,
onde travou estreitas relações com jovens ligados à extrema direita
americana, como Jason Kessler, da Unity and Security for America, e até
líderes estabelecidos, como David Duke, da Ku Klux Klan. Suas raras
qualidades — inteligência, disciplina e perseverança — e suas firmes
convicções ideológicas logo chamaram a atenção dos órgãos de
inteligência americanos. Aquele juiz brasileiro desconhecido de 26 anos
era o homem certo, no lugar certo, na hora certa. Ele era uma estupenda
promessa de uma profícua, duradoura e receptiva colaboração
jurídico-política entre o Brasil e os EUA.
Então aconteceu um imprevisto, conforme me foi
revelado por uma fonte anônima de uma agência secreta americana: um
infarto fulminante abateu o aplicado juiz-aluno, em Boston. O nefasto
acontecimento foi abafado e o Departamento de Estado acionou o Tirrel
Laboratory Corp., que estava numa fase avançada do ultrassecreto Projeto
Nexus-6 de fabricação de replicantes praticamente perfeitos. Uma verba
de 2,5 bilhões de dólares foi destinada para o desenvolvimento urgente
de uma réplica do jovem brasileiro, por uma equipe de 201 cientistas,
liderados pelo engenheiro geneticista J.F. Sebastian, um gênio na
criação de robôs virtualmente humanizados. Esse superesforço
científico-financeiro permitiu a criação de um replicante idêntico ao
futuro Justiceiro de Curitiba, num tempo recorde.
Inicialmente os cabelos do replicante eram louros e
os olhos azuis, mas logo a equipe de programação foi informada e
corrigiu o deslize. Apenas dois defeitos não puderam ser sanados a
tempo, pela pressa do projeto: a voz do replicante e uma leve disfunção
lexical, por algumas falhas na tradução do inglês para o português no
programa de conversação. O assessor especial da CIA para acompanhar o
projeto, Don Eery Peacock comentou à época: “Creio que não haverá
problemas com o replicante. Os brasileiros não têm uma cultura de
ceticismo, de modo que acreditam facilmente em qualquer coisa. Ninguém
notará esses pequenos problemas”. E o robô foi despachado. A família
estranhou a voz, mas o novo Moro explicou ter contraído um vírus
poderoso e desconhecido que atacou severamente sua laringe e nada mais
falou nem lhe foi perguntado.
O replicante assumiu integralmente a vida de Sérgio
Fernando Moro, inclusive concluiu a jato o mestrado (2000) e o
doutorado (2002) na UFPR. Esse impressionante desempenho acadêmico não
impede certos erros básicos no manejo do vernáculo, como escrever
“conge”, “vim” (vier), “houvessem” (verbo impessoal), sem falar dos
tropeços nas crases, dos escorregões na regência verbal e da ignorância
sesquipedal em figuras de linguagem mais sofisticadas como um assíndeto
ou uma zeugma. Como a maioria dos seus partidários comete as mesmas
incorreções, não percebem as inconsistências na linguagem de um portador
dos títulos de mestre e doutor.[1]
Sendo sua vida útil de apenas quatro anos, pelo
menos de três em três anos o clone de Moro tem de voltar ao Tirrel
Laboratory para se “reenergizar”. Dotado de sofisticada inteligência
artificial, às vezes toma decisões erradas por não compreender
perfeitamente certas dimensões humanas, como a política: daí ter
aceitado se exonerar do cargo de juiz, onde mandava e desmandava, e
assumido o Ministério da Justiça do Governo Bolsonaro, expondo à luz do
dia sua ideologia e sujeitando-se a críticas, contraditórios e
convocações parlamentares. O replicante também não entende conceitos
humanos, demasiados humanos, como ética e coerência. Daí suas atitudes
contraditórias, a colisão entre suas declarações e a completa
desvalorização de sua palavra (é a favor de usar meios ilícitos para
pretensamente fazer justiça, como na liberação das gravações ilegais de
Dilma e Lula, mas contra os vazamentos do Intercept, justamente porque
foram obtidos de forma ilícita); declarou rotundamente numa entrevista
que não poderia exercer cargo político por incompatibilidade com seu
trabalho de juiz, mas aceitou — acreditando na promessa de ser indicado
para o STF — o Ministério da Justiça do governo que ajudou a eleger,
autodenunciando sua parcialidade etc.etc.etc.).
Foram justamente os recentes vazamentos do
Intercept que provocaram um curto-circuito no cérebro artificial de
Sérgio Moro, obrigando-o a pedir licença do cargo e correr para os EUA, a
fim de ser “reenergizado” (trocar certos chips responsáveis pelas
funções de raciocínio e comportamento) em regime de urgência. Mandado de
volta ao Brasil, tem suportado até agora, com raro estoicismo para um
robô, as revelações do Intercept e os achincalhes públicos do seu chefe
Bolsonaro, inclusive a insinuação de troca-troca com o ministro Ricardo
Salles, que ele, como replicante, não entendeu muito bem, apenas
esboçando um sorriso amarelo programado pelo doutor J.F. Sebastian para
ocasiões como aquela.
[1] Só existe um meio de descobrir se alguém é um
replicante ou um ser humano: é o chamado Método Voight-Kampff,
consistente no uso de uma máquina semelhante a um polígrafo que mede
funções corporais, como movimento da íris, ritmo da respiração e
frequência cardíaca, enquanto o investigado responde a uma bateria de 36
perguntas aparentemente banais, porém relacionadas com empatia e
memória afetiva (os replicantes recebem um implante de memórias
fictícias, mas essas não possuem tais conotações eminentemente humanas).
Somente os funcionários do Tirell Laboratory Corp., em Los Angeles,
dispõem dessa ferramenta.
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