sexta-feira, 3 de julho de 2020

Moro encolhe, e a "acima da Lei" Lava Jato reage só agora atirando em José Serra em crimes que eles sabiam existir há anos mas que já estão prescritos. Texto de Rodrigo Vianna




   "A denúncia tardia contra o senador tucano parece milimetricamente calculada para tirar a República de Curitiba das cordas", afirma o jornalista Rodrigo Vianna

 Do 247:




(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A política brasileira virou uma espécie de guerra de facções, sem regras nem limites, onde todos atacam a todos.
As normas institucionais começaram a ruir em 2014, quando Aécio Neves recebeu a desapontadora notícia de que não poderia ocupar a presidência - que imaginava ser dele, por direito divino.
Os tucanos, a chamada elite liberal, os empresários e o mundo jurídico viram que no voto não adiantava insistir. Resolveram, então, usar a Justiça para impedir que o PT seguisse à frente do governo. Os erros na economia e na gestão política, em 2015, ajudaram sim a abrir caminho para o golpe. Mas sem Moro, nada seria possível.
A Lava-Jato foi uma operação de desmonte das regras – com grampos ilegais da presidenta Dilma (“peço escusas”), com arrombamento do sigilo telefônico de advogados de Lula (“foi sem querer”), com conduções coercitivas arbitrárias, com delações forçadas e com um arranjo picareta entre juiz e procuradores que, anos depois, seria comprovado pelas mensagens reveladas por The Intercept no escândalo da Vaza-Jato.
O STF não fez nada para deter os abusos. Porque o alvo era o PT. Por isso, costumo dizer: se Moro é o pai da Lava-Jato, Barroso e outros ministros do Supremo são as mães. E a Globo foi a madrinha.
Moro foi autorizado a fazer o serviço sujo. Valia tudo, romper qualquer regra, pra tirar Dilma, prender Lula e liquidar o PT. Os ignorantes liberais acharam que a balbúrdia jurídica seria usada pontualmente, desconhecendo que o grave abalo no edifício democrático ameaça soterrar a todos.
Sempre dissemos, nos blogs e sites progressistas, que havia uma parceria da Lava-Jato com a turma de Washington. “Ah, não, isso é teoria da conspiração”. 
Simultaneamente à implosão das regras judiciais e democráticas, a Lava-Jato desmontou os setores que incomodavam os EUA: Petrobrás/Pré-Sal e construção pesada. Eram as ferramentas econômicas para o soft power brasileiro mundo afora, nos anos de Lula/Celso Amorim
Todo país que se preza combate a corrupção. Nenhum país que se preza aceita destruir suas empresas para combater a corrupção. A não ser que o processo seja controlado por interesses externos.
Hoje, sabemos a verdade: o FBI era informado de tudo pelos meninos de Curitiba. Ou será o contrário? O FBI fornecia investigações prontas, que depois eram “legalizadas” pelos rapazes de Deltan?
As informações foram bloqueadas por anos e anos. Moro, tratado como herói pela mídia, prendeu Lula e voltou de férias correndo para impedir o habeas corpus que poderia ter soltado o líder petista ainda em 2018.
Atropelos, tropelias, tropeços e trapaças judiciais: agora, tudo vem à tona
Deltan, o procurador das bochechas rosadas, será julgado no Conselho do Ministerio Público, pelo escândalo do powerpoint. A suspeição de Moro (chamado de “juiz ladrão” pelo deputado Glauber Braga) será julgada no STF em breve.
A Lava-Jato, nas cordas, resolve então reagir, e parte para cima de José Serra (PSDB-SP), um cadáver político. É uma forma de dizer: “nós perseguimos o PT? Imagine... Mandamos a PF até na casa do Serra”. Com cinco, sete ou dez anos de atraso? Ok.
Boa parte do que a Lava-Jato agora imputa a Serra já estava no livro “A Privataria Tucana”, de Amaury Ribeiro Jr. O livro foi proibido na velha mídia. Lembram disso? Só os blogs progressistas deram vazão ao livro em 2012, 2013.
Moro e seus aliados tentam tirar coelhos da cartola. Serra, repetimos, é um coelho moribundo; ainda assim, é um coelho. Mas a margem se estreita para o lavajatismo turbinado pela Globo.
Chamo atenção para a pesquisa Atlas desta semana - https://www.atlasintel.org/poll/brazil-national-2020-07-01. Moro, que era o homem mais popular do país, se aproxima rapidamente da mesma taxa de aprovação (30%) e reprovação (60%) onde já estão Lula e Bolsonaro.
Enquanto era parceiro (alguns preferem dizer que era “comparsa”) de Bolsonaro, o ex-juiz tinha 60% de aprovação popular. Ao lado dele, estavam o bolsonarismo e o lavajatismo. Agora, Moro que já apanhava da esquerda passou a apanhar também da extrema-direita.
A desidratação de Moro e da Lava-Jato é visível. O escudo da Globo ainda impede o desmoronamento completo. Mas a tendência é Moro se transformar no líder da facção “liberal” que tenta construir o “caminho do meio” entre Bolsonaro e a esquerda. O país ficaria assim dividido em 3 grandes blocos: Bolsonaro, Lula e Moro.
Nesse arranjo, Moro leva vantagem se enfrentar a esquerda lulista: o bolsonarismo tende a lhe dar apoio eventual contra o petismo.
Da mesma forma, Moro tenderia a receber parte dos votos lulistas (aqueles menos ideológicos), se enfrentasse Bolsonaro num hipotético segundo turno.
Por isso, tanto a extrema-direita como o lulismo/centro-esquerda gostariam de ver Moro desidratado – mais e mais.
O ex-juiz terá que sobreviver ao pedido de suspeição no STF, no segundo semestre de 2020. Terá que sobreviver aos ataques manhosos de Bolsonaro, via Augusto Aras/PGR. E terá que se explicar diante da ira mais que santa de Lula contra a Lava-Jato.
Depois disso tudo, restará a Moro ainda sobreviver a Dória e Ciro - que também sonham em ocupar o papel de líderes do “caminho do meio”.
Manter o espetáculo policial, com apoio da mídia, é fundamental para que o Partido da Lava-Jato alimente o discurso da antipolítica, da sujeira a tomar conta de tudo. Por isso, à esquerda e à direita, não convém comemorar o infortúnio tardio de Serra.
Não que Serra seja inocente. Não é. Longe disso, como atestam os 40 milhões bloqueados na Suiça.
Mas quando a polícia bate à porta do velho senador tucano, não é a Justiça que avança.
É o projeto lavajatista que mostra os dentes, tentando destruir o que resta do mundo partidário, para deixar caminho livre ao falso herói das camisas negras.
Moro vê sua popularidade diminuir. Mas, se retiver um terço de apoio popular, e seguir apostando na antipolítica, pode ainda ser um nome forte pra 2022 – num grande acordo nacional, com a Globo, com os bancos, com o FBI. Com tudo. 

Rodrigo Vianna


Jornalista desde 1990. Passou por Folha, TV Cultura, Globo e Record; e hoje apresenta o "Boa Noite 247". Vencedor dos Prêmios Vladimir Herzog e Embratel de Jornalismo, é também Mestre em História Social pela USP. Blogueiro, integra a direção do Centro de Estudos Barão de Itararé.
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