terça-feira, 14 de julho de 2020

Xadrez do Ministro Astronauta e o aparelhamento bolsonarista do MCTI, por Luis Nassif


Para o INPE continuar monitorando com competência a Amazônia, será necessário um monitoramento competente das mudanças em curso. Um baque na sua reputação será a pá de cal na desmoralização do Brasil nos centros internacionais.
Jornal GGN:

Peça 1 – a demissão da diretora do CEMADEN

Não há setor que seja poupado do desmonte perpetrado pelo governo Bolsonaro. Pouco comentado tem sido o aparelhamento dos órgãos ligados ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação pelo Ministro Marcos Pontes, o astronauta.
Ontem foi demitida Lubia Vinhas, a  técnica mais relevante do CEMADEN (Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais), órgão vinculado ao INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Antes dela, foi demitido Ricardo Galvão, diretor do INPE, coincidentemente logo após a divulgação de dados revelando o aumento do desmatamento da Amazônia.Segundo explicações da direção do INPE, a demissão  de Lubia Vinhas foi decorrência de mudanças que estão ocorrendo no órgão. É mentira.
De acordo com declarações de Ricardo Galvão ao GGN, Lubia comentou com ele que ficou sabendo da demissão pelos jornais. 
No ano passado, quando Ricardo Galvão foi exonerado, houve repercussão mundial. Galvão foi exonerado pelas qualidades e honestidade intelectual. Tornou-se um símbolo mundial da luta da ciência contra a truculência terraplanista dos Bolsonaro. A ponto de ser escolhido como um dos dez cientistas do ano pela respeitabilissima revista Nature.
No seu lugar foi colocado um militar interventor, Darcton Policarpo Damião, coronel da reserva, mas ligado à área, inclusive com cursos de formação no próprio INPE.

Peça 2 – o INPE

O INPE é uma instituição de reputação internacional. Ao longo de 30 anos o sistema de monitoramento foi aperfeiçoado, novos algoritmos incorporados, com contribuições do mundo científico nacional e internacional. Seus métodos de monitoramento se tornaram exemplos seguidos em várias partes do mundo.
A política de governo, para o monitoramento da Amazonia, foi institucionalizada no governo Lula, depois dos recordes de desmatamento em 2005, com 27 mil km2 de terras queimadas.
Tinha duas pernas. De um lado, deu condições para o INPE melhorar seus sistemas. De outro, aparelhou o IBAMA para fiscalizar os dados do INPE, através de vôos de reconhecimento nos locais apontados como de grandes queimadas. Os erros eram inferiores a 5%. Até 2014, as queimadas caíram para 4.500 km2.
Do governo Temer para cá, acelerando-se no governo Bolsonaro, a curva de queimadas voltou a crescer a 10.000 km2 ao ano. Em breve, o país voltará aos números de 2005.

Peça 3 – o início do desmanche, no governo Temer

O início do aparelhamento do INPE se deu no governo Temer, com a nomeação de Gilberto Kassab para Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação. Kassab inchou o MCTI com cargos comissionados, de pessoas sem qualificação indicadas por políticos.
Em 2017, com o desmatamento começando a crescer, o Ministro do Meio Ambiente José Sarney Filho lançou edital destinando R$ 100 milhões/ano na contratação de uma empresa privada, para monitorar a Amazônia. A empresa tinha nome, era a Consultoria Santiago & Cintra . Dá consultoria na área de imagens mas é revendedora de imagens do satélite Planet, com imagens de alta resolução, adequadas para planejamento urbano, mas inúteis para a Amazônia. Na Amazônia não há necessidade de detalhamento, pois o monitoramento busca apenas identificar o que é árvore e o que não é árvore.
Na época, foram divulgados estudos revelando que o sistema do INPE, ao longo de 30 anos, não custara mais do que R$ 30 milhões. A comunidade científica nacional, liderada por Gilberto Câmara Neto, ex-diretor do INPE, denunciou a licitação como absurda. E, mais do que isso, por não existir algoritmos precisos para interpretar imagens de alta resolução.
Com as críticas, Sarney Filho tirou o projeto da agenda,.
Assim que foi apontado como próximo Ministro do Meio Ambiente, ainda em dezembro de 2018, Ricardo Salles anunciou no dia 7 de dezembro de 2018 a necessidade de melhorar o monitoramento da Amazônia feito pelo INPE. Tomou posse no dia 1o de janeiro. Em fevereiro o MMA lançou nota informando sobre a contratação de uma consultoria para implantar sistemas de monitoramento, com imagens de alta resolução tipo Planet. Até meados do ano passado, Salles insistia nesse sistema.
Há quem julgue que, por trás das mudanças em vigor no INPE pode estar a tentativa de, não apenas esconder informações, como abrir espaço para as tais imagens de alta resolução.
De qualquer modo, é bom observar os movimentos da Consultoria Santiago & Cintra.

Peça 4 – a intervenção militar

Mas voltemos ao coronel Darcton. 
Com sua indicação, como interventor houve uma inversão no conceito de informação e na formação de consensos. Não mais as discussões horizontais com especialistas, mas a voz de comando.
No início, não houve restrição à divulgação das informações, o que poderia provocar novos curtos circuitos internacionais. Em vez disso, Darcton optou por um trabalho por baixo, de desmonte da instituição.
Dois meses depois de assumir, sem conhecer o INPE, Darcton reuniu funcionários no auditório principal e fez apresentação de reestruturação profunda. Em vez de apresentar documentos ou razões que o motivaram, usou a técnica do Power Point. Não respondeu a pergunta nenhuma.
Pessoas que foram lá fotografaram e começaram a cobrar. Nunca mais falou da reestruturação, porque não tinha embasamento nem conhecimento.
Há cerca de dois meses Darcton aprendeu que mudanças não podem ser precedidas de Power Point, por suscitarem cobranças. E começou a fazer reestruturações em segredo. E um dos pontos centrais foi o enfraquecimento do CEMADEN.
Segundo estudos levantados pelo Sindicato da categoria, Darcton manteve 89 funcionários no CTI Renato Archer, 65% dos cargos comissionados do MCTI, e manteve apenas 7 funcionários do CEMADEN, incumbidos de todos os trabalhos, .
O regimento do INPE faculta ao presidente trocar pessoas. Mas Darcton avançou em reestruturar estruturas sem modificar o regimento – que é de 2016 e continua em vigor. Ele mudou o monitoramento da Amazônia, mas manteve Lubia no cargo, Até que a divulgação das novas queimadas levou à sua demissão.
A demissão de Lubia traz luzes sobre um outro movimento relevante do INPE, a indicação do novo diretor.
Desde 2004, ainda no governo Lula, instituiu-se uma prática para garantir a qualidade técnica do INPE. Nomeia-se uma comissão de seleção de alto nível, que analisa currículos e propostas dos candidatos a diretor. Depois seleciona três nomes que são levados para avaliação do Presidente da República, que opta por um deles. Esse sistema foi instituído na gestão de Eduardo Campos como Ministro e mantida de lá para cá.
Hoje será apresentada a lista dos 9 pré-selecionados. Até setembro, será definida a lista tríplice.
Para o INPE continuar monitorando com competência a Amazônia, será necessário um monitoramento competente das mudanças em curso. Um baque na sua reputação será a pá de cal na desmoralização do Brasil nos centros internacionais.

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