domingo, 17 de maio de 2020

Ao contrário da Lava Jato e suas ilegalidades, o MP-RJ segurou dados contra os Bolsonaro até passar a eleição




Quando caso Queiroz veio a público, MP tinha informações sobre movimentações superiores aos R$ 1,2 milhão divulgados, e sabia de elo com miliciano

Matéria originalmente publicada em 06 de maio de 2020, às 19h22

Jornal GGN O Ministério Público do Rio de Janeiro, que hoje investiga o esquema das rachadinhas de Flávio Bolsonaro, sabia, antes da eleição de 2018, que o ex-assessor Fabrício Queiroz havia movimentado mais que 1,2 milhão de reais em transações financeiras suspeitas.
Antes do pleito eleitoral, MP possuía ainda informações que ligavam o miliciano Adriano Nóbrega – um dos suspeitos pela morte de Marielle Franco – ao gabinete de Flávio, pois o nome de Raimunda Veras Magalhães, mãe de Adriano, constava já no primeiro relatório do Coaf que tratava das movimentações de Queiroz e outras dezenas de assessores parlamentares, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017.
Era 3 de janeiro de 2018 quando as 420 páginas que formam o relatório número 27746 foram enviadas “espontaneamente” pelo Coaf ao MP estadual e ao Ministério Público Federal no Rio.
Mas os brasileiros só souberam da existência desse relatório em 6 de dezembro de 2018, quando o Estadão divulgou a primeira reportagem sobre Queiroz. Àquela altura, Jair Bolsonaro era o próximo presidente, Eduardo, o deputado federal mais votado da história, e Flávio, senador eleito.
Ao contrário da Lava Jato em Curitiba, no caso Queiroz, o segredo de Justiça foi levado a sério. Não houve vazamentos seletivos à imprensa e a família Bolsonaro conseguiu atravessar o período eleitoral sem grandes abalos sísmicos. Enquanto isso, Sergio Moro, ainda juiz, vazava delação premiada de Antonio Palocci na tentativa de prejudicar a candidatura do PT.
Procurado pelo GGN, o MP-RJ não quis comentar a postura destoante dos colegas de Curitiba. Em nota ao Conjur, o órgão manifestou que “a maior prova de sua neutralidade política [em relação a Flávio Bolsonaro] foi não ter divulgado o documento [relatório do Coaf] à imprensa como forma de influenciar as eleições de 2018.”
A força-tarefa da “rachadinha” não quis falar ao GGN sobre outros relatórios parciais que solicitou ao Coaf ao longo das investigações iniciais.
A reportagem apurou que além do relatório 27746, o 34670 também chegou às mãos dos promotores antes da eleição, em agosto de 2018. O documento mapeava créditos de 411 mil reais nas contas de Queiroz e saques em espécie de mais 190 mil reais, entre novembro de 2017 a junho de 2018.
Por meio da assessoria de imprensa, o MP-RJ alegou sigilo processual para não responder nenhuma das questões enviadas pela redação, embora boa parte das informações do Coaf já tenha vazado na mídia. Já é de conhecimento público, por exemplo, que Queiroz movimentou cerca de 7 milhões de reais no intervalo de três anos.
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OS RELATÓRIOS DO COAF

As primeiras informações sobre Queiroz e outros ex-assessores de Flávio Bolsonaro chegaram ao setor de inteligência do MP-RJ em janeiro de 2018, no relatório 27746. Ele dizia respeito às movimentações financeiras de 2016 a 2017. No caso Queiroz, essas transações chegavam a 1,2 milhões de reais. Neste relatório, foi constatado também o cheque de R$ 24 mil para Michelle Bolsonaro.
O próprio Coaf, ao encaminhar o relatório 27746 ao MP-RJ e MPF, dividiu os suspeitos em 22 grupos. Queiroz e os outros funcionários do gabinete de Flávio ficaram no grupo 20.
O MPF no Rio, à época, conduzia no âmbito da Lava Jato uma investigação decorrente da operação Cadeia Velha. O relatório do Coaf serviu para corroborar delações premiadas contra assessores e deputados estaduais que viraram alvo da fase seguinte, a Furna da Onça, deflagrada em novembro de 2018.
Ao GGN, o coordenador da Lava Jato no Rio, procurador Carlos Alberto Gomes de Aguiar, explicou que Flávio Bolsonaro não foi arrastado para Furna da Onça porque o MPF não encontrou vínculo entre seu gabinete e o objeto específico daquela investigação, a “organização criminosa composta por Sérgio Cabral e Picciani.”
Coube exclusivamente ao MP-RJ conduzir os procedimentos relacionados às rachadinhas.
Em 9 de março, o GAOCRIM, grupo de investigação subordinado ao procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem, recebeu o relatório do Coaf, já com análises feitas pelo setor de inteligência do MP-RJ.
O GAOCRIM instaurou PICs (Procedimentos Investigatórios Criminais) para cada um dos 22 grupos suspeitos no relatório do Coaf. A portaria registrando a instauração do PIC sobre Queiroz e colegas de gabinete foi lavrada em 30 de julho de 2018.
Para “complementar informações” do primeiro relatório, o 27746, o MP-RJ pediu novos dados ao Coaf, todos “pertinentes a personagens identificados no núcleo nº 20”, ou seja, o de Queiroz.
O procurador Carlos Aguiar explicou à reportagem que, neste caso, é de praxe o Coaf remeter as informações apenas ao órgão solicitante. Ou seja, apenas o MP-RJ teria acesso aos demais relatórios que
Os quatro novos relatórios acessados pelo MP-RJ foram:
1) Relatório 34670 – Contém dados sobre novembro de 2017 a junho de 2018, com créditos de 411 mil reais e saques em espécie de 190 mil.
2) Relatório 38484 – Contém informações sobre saques em espécie que totalizaram 324 mil reais, entre janeiro e março de 2017, relacionados a Queiroz. É neste relatório que consta a informação de 48 depósitos de 2 mil reais (total de 96 mil reais) na conta de Flávio Bolsonaro, entre junho e julho de 2017. Inclui ainda dados de um ex-assessor de Flávio que depositou 90 mil reais na conta da própria mãe, em março de 2018, sem ter renda compatível com os recursos.
3) Relatório 39127 – O GGN não encontrou detalhes, e solicitou informações (período analisado e total movimentado) ao MP-RJ, que alegou segredo de Justiça sobre os autos e impossibilidade de responder.
4) Relatório 40698 – Contém dados sobre transações imobiliárias que têm impacto sobre os negócios de Flávio Bolsonaro, como negócio feito por Glenn Dillard, um investidos que vendeu ao ex-deputado dois imóveis com 30% de deságio.
Menção a cada um dos cinco relatórios do Coaf que o MP-RJ usou no caso Queiroz encontra-se em petição encaminhada pelos promotores à Justiça, para pleitear a quebra de sigilo de Flávio, seus ex-assessores e sócios na loja de chocolates e outros empreendimentos, em abril de 2019.
Além dos cinco relatórios parciais, e antes da quebra do sigilo de Flávio e aliados, o MP-RJ ainda chegou a pedir ao Coaf um relatório “ampliado”, de 2007 a 2018. O pedido foi feito no dia 14 de dezembro de 2018, às vésperas de Flávio ser diplomado senador, em 18 de dezembro.
Alegando sigilo, o MP-RJ também não confirmou quando Flávio aparece oficialmente como investigado no processo. Mas há informações em petição analisada pelo GGN indicando que teria sido após uma investigação sobre seus negócios imobiliários ter sido desarquivado por ordem de Gussem e anexado ao PIC sobre Queiroz, em meados de fevereiro de 2019.
A defesa de Flávio insurgiu-se contra seu status no processo e o uso de dados do Coaf sem autorização judicial. Requereu, ainda, foro privilegiado. Conseguiu suspender as investigações por alguns meses, mas não garantiu o “elevador processual”.
GGN tem um post detalhado sobre a evolução do caso Queiroz, desde o recebimento do primeiro relatório do Coaf até as últimas movimentações importantes. Confira abaixo:

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