sábado, 29 de outubro de 2022

Bolsonarismo usa mais outra armação/factóide sobre inserções em rádios para insuflar golpe, mas não domina narrativas

 

Bolsonarismo está tentando emplacar a pauta de “liberdade de expressão” ou “censura”, acusando o TSE e o ministro Alexandre de Moraes


Reprodução vídeo TV Globo

do Observatório das Eleições

Bolsonarismo usa factoide sobre inserções em rádios para insuflar golpe, mas não domina narrativas

por Alexandre Gonzalez, Eliara Santana e Helena Martins

A coletiva de Jair Bolsonaro apresentando críticas à distribuição das inserções de rádio, alegando que teriam sido veiculadas em um volume inferior ao estabelecido em distribuição pela Justiça Eleitoral, embora já rejeitada por falta de fundamento pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foi a expressão pública de um movimento que ganha força nas redes bolsonaristas: a utilização do factoide para lançar dúvidas sobre o processo eleitoral e, com isso, mobilizar sua base para não aceitar o resultado das urnas. Nos últimos três dias, narrativas claramente golpistas tomaram conta do WhatsApp. No mensageiro, circula convocação para uma manifestação nacional no dia 29, que teria como tema a defesa de “eleições limpas”.

Foram mapeados 250 grupos de WhatsApp de apoiadores de Bolsonaro e, a partir do levantamento dos usuários que mais compartilharam mensagens entre 24 e 27 de outubro, observados todos os conteúdos que eles circularam no mensageiro. O usuário mais ativo compartilhou 86 mensagens no período, média de 29 por dia. O conteúdo mais destacado por ele foi o vídeo da coletiva do presidente, seguido do texto “Brasil vai para ruas dia 29 pacificamente para o fim dá [sic] censura e eleições limpas”. O segundo usuário em atividade enviou 70 mensagens, média de 23 por dia. No caso deste, todas as mídias divulgadas pedem intervenção militar. A única que não tratava diretamente do tema abordava o caso das inserções. “PRESIDENTE BOLSONARO , ACIONE AS FORÇAS ARMADAS , CRIMINALIZE O COMUNISMO NO BRASIL”, diz o texto enviado por esse usuário.

Uma mensagem do terceiro usuário mais ativo evidencia o uso do caso das inserções para elevar o ânimo dos apoiadores do presidente, que se mantém atrás nas pesquisas e, agora, ainda lida com a repercussão dos atos violentos de Roberto Jefferson: “Diante do GRAVE posicionamento do Presidente do TSE, o que devemos fazer? Importante que todos ouçamos o áudio acima para que não percamos o foco diante dos sucessivos atos injustos que a campanha do nosso Presidente Bolsonaro está sofrendo. Estratégia e determinação, agora mais do que NUNCA são VITAIS, nós estamos no caminho correto._Precisamos usar SEM PARCIMÔNIA este caso das FRAUDES nas propagandas ELEITORAIS do PT contra Bolsonaro, explorar a exaustão para o povo que não está direto nos nossos grupos”, diz o texto, acompanhado de um áudio que também conclama a população a não aceitar o resultado das urnas.

Um vídeo de Bolsonaro destaca trechos da fala do presidente, entre os quais: “se precisar, iremos à guerra”, frase destacada também sobre a imagem do vídeo. Outros depoimentos dele são colados no vídeo, como o que diz “o pessoal fala que eu tenho que tomar providências. Eu estou aguardando o povo dar uma sinalização”, além de trechos em que coloca ser o chefe do Exército. A tônica das mensagens se repete no conteúdo compartilhado pelos outros dez usuários mais ativos. Os grupos analisados estão espalhados por todo o país. Nas demais redes sociais, o apelo ao golpe não ganhou lastro, o que é mais um indício das dificuldades que o bolsonarismo enfrenta neste momento.

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As narrativas perdidas

Nas últimas 24 horas desde a segunda-feira pós-Roberto Jefferson, Carlos Bolsonaro, o Carluxo, controlador do gabinete do ódio, fez um tuíte atrás do outro provocando o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes. Não obstante a tentativa de provocação, desde que Roberto  Jefferson, apoiador inconteste de Jair Bolsonaro, abriu fogo e disparou 20 tiros de fuzil contra agentes da Polícia Federal, resistindo à voz de prisão dada pelo ministro,  o campo bolsonarista não conseguiu capturar a narrativa, e  nesse quesito, o campo lulista se saiu muito bem, impondo já desde o começo do episódio a narrativa de “Roberto Jefferson terrorista” ligado a Jair Bolsonaro. Um dos levantamentos da Editoria de Redes do Observatório das Eleições, ainda no calor dos acontecimentos, mostrou que a reação do campo lulista foi imediata e muito efetiva, conquistando a narrativa. De novo, a figura de André Janones adquiriu um enorme protagonismo, como se observou também nos dias seguintes, com a divulgação de que estaria com o celular de Gustavo Bebbiano, ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral do governo Bolsonaro, morto em 2020, que conteria graves acusações contra o presidente.

 O campo bolsonarista tem buscado criar, urgentemente, uma narrativa ou narrativas. Nesse sentido, está tentando emplacar a pauta de “liberdade de expressão” ou “censura”, acusando o TSE e, especialmente, o ministro Alexandre de Moraes. A pauta rendeu entre os seus apoiadores, mas também não ganhou projeção. Em suma, o campo bolsonarista não soube lidar com o problema Roberto Jefferson, que estourou a uma semana das eleições o segundo turno.

As buscas em outras redes mostram isso. Entre as 6:30 e 10:30 do dia 28 de outubro de 2022, as principais buscas relacionadas a “Bolsonaro” no YouTube mostravam afirmações como “vai ser bolsonaro de novo”, “bolsonaro salta de paraquedas” e “ei lula eu votar em tu”. Por outro lado, as principais buscas relacionadas a “Lula” mostravam temas como “o arroz tá caro o feijão tá caro”, “tá na hora do jair jair embora” e “desenrola bate”, trechos de músicas da campanha petista. As pesquisas no Google sobre “Bolsonaro” mostravam em relevância temas como “quem vai ganhar lula ou bolsonaro 2022”, “kim paim twitter” e “braga netto”. Sobre “Lula”, foram “carta aberta lula”, “famosos que apoiam lula” e “bolsonaro ultrapassa lula”.

Ao considerar as tendências de buscas no período das últimas 24 horas, o padrão de buscas relacionadas se altera. No YouTube, em relação a “Bolsonaro”, o que mais se buscou foram temas como  “bolsonaro em campo grande”, “bolsonaro em campo grande rio de janeiro” e “bolsonaro campo grande”. Sobre “Lula” foi buscado “fhc lula”, “debate lula e bolsonaro globo” e “aniversário de lula”. No Google, as buscas relacionadas a “Bolsonaro” foram “bolsonaro congelar salário mínimo”, “bolsonaro na globo hoje” e “debate bolsonaro e lula”. Quanto às buscas relacionadas a “Lula”, temos “new york times lula”, “new york times” e, por alguma razão ainda não explicada, “doença transforma pombos em zumbis”.

Depois do debate entre presidenciáveis na Globo, as buscas no Google seguiram mais positivas para Lula e negativas para Bolsonaro, como a imagem mostra.

Evitar o terceiro turno

Com a proximidade do segundo turno e a possível derrota nas urnas, o bolsonarismo parece armar-se para reproduzir o episódio do Capitólio, após a derrota de Donald Trump, nos Estados Unidos, agora no Brasil. Naquele momento, plataformas de redes sociais como o Facebook, o Twitter e o YouTube chegaram a bloquear as contas de Trump, após notificar o então presidente e ver suas decisões serem descumpridas. O que fundamentou essa ação foi o reconhecimento da prática de incitação à violência. Diante do que já é visível no caso brasileiro, cumpre saber se as plataformas de redes sociais e as instituições democráticas tomarão medidas de forma célere no mesmo sentido. O ensaio já está sendo organizado, e é necessário evitar que narrativas desinformativas e que atentam contra a democracia ganhem corpo neste momento final das eleições.

Alexandre Arns Gonzales é doutor em Ciência Política, bolsista de pós-doutorado e pesquisador colaborador do IPOL da UnB.

Eliara Santana é jornalista, doutora em Linguística e pesquisadora do Observatório das Eleições, onde é uma das coordenadoras da Editoria de Redes e Desinformação, e pesquisadora colaboradora do IEL/Unicamp

Helena Martins é professora da UFC. Doutora em Comunicação pela UnB, com sanduíche no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG). É editora da Revista EPTIC. Coordenadora do Telas – Laboratório de Tecnologia e Políticas da Comunicação e integrante do Obscom/Cepos.

Esse artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br.

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