segunda-feira, 24 de abril de 2023

CPMI do oito de janeiro: comprem a pipoca!, por Ion de Andrade

 

Para criá-la (a CMPMI), portanto, incrivelmente, o mais confortável era que fosse reivindicada pelos próprios golpistas, hipótese tão absurda que exigiria boa quantidade de cenouras e uma falsa impressão de retirada das tropas do governo criando a impressão de que havia um flanco desguarnecido… O incrível é que a extrema direita acreditou, absurdo dos absurdos, que tendo maioria nas duas casas, a base do governo não fosse querer uma CPMI que vai justamente botar o guizo no pescoço do gato…


Do Jornal GGN:

Agência Brasil

CPMI do oito de janeiro: comprem a pipoca!

por Ion de Andrade

Numa guerra uma das coisas mais perigosas que existe é perseguir um exército que parece estar em retirada.

Em Austerlitz essa foi a perdição do Sacro Império Romano Germânico (tinha mil anos) contra Napoleão que fez crer que deixava o flanco aberto e se retirava quando isso apenas visava atrair as tropas inimigas para a derrota.

Já uma armadilha de pegar javalis ou porcos do mato, nada mais é do que um cercado aberto no meio do qual são jogadas cenouras. Atraídos pelas cenouras o bando de javalis entra ali e, quando todos estão dentro, os portões são fechados prendendo todo o bando de uma vez.

Ora, desde o início sempre foi muito estranho que o governo não quisesse fazer uma CPMI do oito de janeiro que seria estratégica para a consolidação da democracia e para desvendar a intimidade do funcionamento da tentativa de golpe esclarecendo a rede política, financeira e militar envolvida…

Para a base mais ligada ao governo criar de maneira unilateral essa CPMI talvez fosse parecer revanchismo, sobretudo num país cuja história é de perdoar sem fazer justiça. Essa tradição, de deixar por menos, talvez não fosse gerar adesão da maioria a uma CPMI, no entanto, de importância maior para a democracia. Sem maioria, essa iniciativa estratégica pareceria motivada pela tentativa de retaliação de minoria raivosa. Isso enfraqueceria o seu significado, o alcance dos seus resultados e acabaria podendo ser danosa à própria democracia, dando aos golpistas uma espécie de prêmio de consolação e de salvo conduto para tentar de novo.

Para criá-la, portanto, incrivelmente, o mais confortável era que fosse reivindicada pelos próprios golpistas, hipótese tão absurda que exigiria boa quantidade de cenouras e uma falsa impressão de retirada das tropas do governo criando a impressão de que havia um flanco desguarnecido… O incrível é que a extrema direita acreditou, absurdo dos absurdos, que tendo maioria nas duas casas, a base do governo não fosse querer uma CPMI que vai justamente botar o guizo no pescoço do gato…

Era também necessário contar com a extrema burrice da extrema direita, (um pleonasno) o que, no contexto dos fatos, mostrou-se, como podíamos prever, o menor dos problemas.

De fato, aconteceu algo que criará problemas aos historiadores para explicar: as forças mais envolvidas com a tentativa de golpe no oito de janeiro se organizaram para tornar a CPMI dessa tentativa de golpe incontornável. O que se viu é que tão logo a CPMI se  tornou irreversível, as forças leais ao governo passaram a apoiá-la, fechando as porteiras da armadilha para caititus e queixadas e conferindo à CPMI legitimidade completa e suprapartidária.

Ora, é difícil acreditar na espontaneidade de uma mudança de posição tão rápida e coordenada de toda a base parlamentar de apoio ao governo como a que ocorreu. Para piorar a situação da extrema direita, o vídeo da CNN com imagens editadas do oito de janeiro, que incrivelmente tentou blindar os militares do GSI, cujos rostos aparecem velados, mas expôs o do general Gonçalves Dias, deu ainda mais força ao governo para garantir transparência total às imagens que agora são públicas.

A pergunta do milhão é: como é que se veicula um vídeo em que os culpados estão com o rosto velado numa repartição de serviço público em que todo mundo sabe quem é quem? Imaginavam que permaneceriam não identificados?

Registre-se também a falta de noção da não percepção de que aqueles criminosos que aparecem com os rostos velados atrairiam a curiosidade da justiça e dos órgãos de controle, (que agora querem saber quem é quem para punir conforme a lei).  Isso é também difícil de acreditar…

Nas imagens, que a partir de agora serão veiculadas amplamente, Lula aparece, obviamente, irritadíssimo com a baderna e não é para menos!

Comprem a pipoca!

Ion de Andrade é médico epidemiologista e professor e pesquisador da Escolas de Saúde Pública do RN, é membro da coordenação nacional do Br Cidades e da executiva nacional da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela democracia


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