segunda-feira, 17 de abril de 2023

Privilégios e mordomias reforçam espírito de casta na cúpula militar - e isso é péssimo para o país

 

"Os confortos exclusivos são um meio simples e direto para uma barganha política", diz Paulo Moreira Leite

www.brasil247.com - Militares

Militares (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O debate sobre as remunerações especiais da alta oficialidade das Forças Armadas do país voltou à ordem do dia neste início do governo Lula e  envolve uma  questão mais grave do que se costuma imaginar. 

A discussão serve como alerta contra um fenômeno que costuma corroer a própria democracia -- a formação de uma casta social abrigada na cúpula do Estado brasileiro, força política capaz de desenvolver interesses  próprios e colocar-se acima da sociedade para defendê-los a qualquer custo. 

Numa entrevista, a pesquisadora Ana Penido, pós-doutoranda em Ciência Política pela Unicamp, descreve a relação entre as Forças Armadas e os cofres do Estado brasileiro nos seguintes termos:  "Quando se abre o orçamento de Defesa, é quase tudo RH (recursos humanos). Está gastando mais com pessoal e não com equipamentos, tecnologia, pesquisa ou outra coisa. É um poço sem fundo: quanto mais pedem dinheiro, mais eles gastam com eles próprios". (Folha de S. Paulo, 14 e 15 de abril 2023). 

Embora Ana Penido não empregue o termo "casta" na entrevista, trata-se de uma noção de grande utilidade em nossa história recente. 

Estamos falando de uma nação submetida  a uma desigualdade  social persistente e profunda. Aqui se soma  uma perversa herança escravocrata  a um sistema cruel de superexploração do trabalho assalariado, base para um projeto de sistema de bem-estar social às voltas com carências graves e permanentes. 

Neste país onde a aposentadoria da imensa maioria trabalhadores e trabalhadoras perdeu direitos históricos após o golpe de 2016, a reforma da Previdência dos militares chama atenção pelo conforto que lhes assegura. 

Eles já recebiam uma gratificação especial no momento da passagem para a reserva, equivalente a quatro vezes o soldo do último posto. Mantiveram o direito a receber esse prêmio exclusivo, com a diferença de que o valor dobrou. 

"Na prática, os generais passaram a receber até R$ 300 mil no ato da aposentadoria -- valor que, antes, chegava a R$ 150 mil", escreve a Folha. A única novidade não foi essa. 

Numa atividade onde o deslocamento entre regiões diferentes do país faz parte da rotina prevista de trabalho, ocorrem situações que chamam a atenção, pois envolve auxílio para mudanças. Enquanto parlamentares têm direito a uma ajuda fixa de R$ 40 000 no início e no fim de cada legislatura, os benefícios recebidos na cúpula militar envolvem gastos em outro patamar, como mostram dois casos apontados pelo jornal. 

Entre agosto de 2022 e março de 2023, as duas mudanças de um general quatro estrelas custaram R$ 290  000. No mesmo período, outro oficial do mesmo escalão fez duas mudanças, por R$  275 000. Numa síntese da situação, a professora Ana Penido explica: "Havia um corte orçamentário na época, regras mais duras para aposentadorias dos civis, e a carreira militar acabou com mais benefícios do que prejuízos na reforma da Previdência deles". 

Nesta situação, é fácil compreender a função política do espírito de casta. Num país que reserva carências graves para a maioria de brasileiros e brasileiros, os confortos exclusivos são um meio simples e direto para uma barganha política, que mantém os militares como uma força interessada na preservação de uma ordem social reconhecidamente injusta e excludente. 

Este é o jogo político-militar, antes e depois do retorno de Lula ao Planalto. 

Alguma dúvida?


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