sábado, 1 de janeiro de 2011

O chamado assim chamado Pensamento Holístico ou Sistêmico





Carlos Antonio Fragoso Guimarães


Ecologia: o nascimento de um novo Paradigma


O extremo sentimento de mal-estar que muitas pessoas sentem diante dos complexos e trágicos problemas da atualidade tem levado à uma busca de um diálogo entre os vários núcleos do saber e da atividade humana. Por exemplo, temos a ONU e a Unesco como grandes organizações internacionais que buscam uma maneira conjunta de solucionar muitos dos atuais problemas humanos, sem falar nos movimentos de encontro inter-disciplinares e a busca pela ação cooperativa em todos os âmbitos, a medicina psicossomática e homeopática e a abordagem holística em psicoterapia, etc. É a essa busca de uma visão de conjunto, uma visão do TODO - que possui características próprias independentes das características de suas partes constituintes, como o todo humano possui caractersíticas próprias da de seus órgãos e tecidos -, que se dá o nome de teoria sistêmica e, em certa medida, de holismo.

Desde que Descartes cristalizou de modo definitivo a idéia da divisão da ciência em humanas e exatas (ou melhor, em Res Cogitans e Res Extensa, o que viria a se refletir em nossa divisão em corpo e mente, etc.), temos visto toda uma vasta gama de atitudes e comportamentos compatíveis com a idéia dominante do universo como um sistema mecânico casualmente emergido de um caldo de matéria de modo fortuito. No século XIX, Wundt, seguindo a tradição empirista britânica calcada na Física de Newton, atomizou a mente, reduzindo-a, ou melhor, tentando encaixá-la dentro dos parâmetros mecanicistas da ciência de sua época, haja vista o sucesso da física clássica e o grande respeito que lhe era dada. Para Wundt, como para muitos outros, a mente não passava de um epifenômeno (efeito) bioquímico, como a urina é um epifenômeno dos rins. Mas tal modelo reducionista não agradou a todos, e desde então muitas escolas, como a da Gestalt, por exemplo, em psicologia e em outras áreas têm tentando - enfrentando o paradigma mecanicista olímpico vigente nos meio acadêmicos - construir uma visão mais integrativa do ser humano.

O desagrado ao modelo mecanicista - e da sua conseqüente visão de mundo - foi expresso de maneira clara por vários grandes cientistas em nosso século, como Albert Einstein, Werner Heisenberg, Niels Bohr e tantos outros. Vejamos esta passagem do físico Erwin Schrödinger, que de muitas maneiras lembra o humanismo existencialista de Soren Kierkegaard:

"O quadro científico do mundo real à minha volta é muito deficiente. Ele nos dá muitas informações factuais, coloca toda a nossa experiência numa ordem magnificamente consistente, mas mantém um silêncio horrível sobre tudo aquilo que está realmente próximo de nossas corações, de tudo aquilo que é realmente valioso e caro em nossas vidas, aquilo que realmente nos interessa. Este quadro não nos pode dizer nada sobre o valor do vermelho ou do azul, do amargo e do doce, dor física e prazer físico; nada sobre o belo e o feio, o bom e o mau. É incompetente para dizer qualquer coisa válida sobre Deus e a eternidade... Assim, em suma, não pertencemos realmente a este mundo descrito pelo quadro científico. Não estamos realmente nele. Estamos fora dele. Somos como espectadores de uma peça que insiste em demonstrar que o mundo é uma máquina cega, onde aparecemos fortuitamente para, logo, desaparecer. Apenas nossos corpos parecem se enquadrar no quadro, sujeitos às leis que regem o quadro, explicados linearmente pelo quadro... Eu não pareço ser necessário como ser humano, ou como autor... As grandes mudanças que ocorrem neste mundo material, das quais eu me sinto parcialmente responsável, cuidam de si mesmas, segundo o quadro - elas são amplamente explicadas pela interação mecânica direta (...) Isso torna o mundo operacional para o entendimento pragmático. Permite que você imagine a manifestação total do universo como a de um relógio mecânico que, pelo o que sabe e crê a ciência, poderia continuar a funcionar do mesmo jeito sem que nunca tivesse havido consciência, vontade, esforço, dor, prazer e responsabilidade (...)"

Este descontentamento e a intuição de que o "quadro científico" é como uma janela que deixa ver apenas uma parte ínfima da realidade tem estimulado uma notável tentativa de se construir uma visão mais holísitica, humana, orgânica e ecológica da realidade. Afinal, as conseqüências de uma visão de mundo mecanicista são extraordinariamente nocivas, principalmente dentro de uma certa ideologia fascista de grande parte dos poderes político-econômicos da elite do Terceiro Mundo, o que traz um alto e muitas vezes impagável preço em termos de vidas humanas e recursos naturais.

Estamos começando a antever e a construir um modelo científico que se baseia no conceito de relação, que é muito mais amplo que o de análise, como o usado pela ciência normal. Já não são somente as partes constituintes de um corpo ou de um objeto que são de fundamental importância para a compreensão da natureza desse objeto, mas o modo como se expressa todo esse objeto, e como ele se insere em seu meio. As partes que constituem um sistema têm um notável conjunto de características que se vêem no âmbito das partes, mas o sistema inteiro, o todo - o holos -, freqüentemente possui uma característica que vai bem além que a mera soma das características de suas partes. Por exemplo, sabemos que tanto o hidrogênio quanto o oxigênio são constituintes fundamentais no processo de combustão. Mas se juntamos esses elementos e formarmos a água, nós os usaremos para combater a combustão. O Todo não elimina as características das partes, mas estas, quando em relações íntimas, dão o substrato a uma nova forma, cujas características transcendem às das partes constituintes. A Ecologia é a ciências moderna que melhor pode demonstrar esta relação parte/todo em simbiose íntima.

Da mesma forma, podemos dizer que as peças de um quebra-cabeças, quando separadas, nos dizem muito pouco ou nada do que seja o quebra-cabeças. Somente quando vemos as peças em seu conjunto, e, de um certo modo, de um nível em que elas deixam de ser vistas como peças, é que podemos compreender a mensagem do quebra-cabeças. Assim também, pensamos que o mecanicismo reducionista e fragmentador do paradigma newtoniano-cartesiano já deu o que tinha de dar. Achamos que após três séculos de ênfase na análise, está na hora de começarmos a construir um modelo que também estimule a síntese. Enquanto o mecanicismo científico vê o universo como uma imensa máquina determinística, o holismo, sem negar as características "mecânicas" que se apresentam na natureza, percebe o universo mais como uma rede de inter-relações dinâmicas, orgânica.

As origens do pensamento holístico, enquanto pensamento filosófico, podem se situar ainda na Antigüidade, com os pré-socráticos, especialmente com Heráclito. Posteriormente, teremos um eco desse pensamento com os estóicos e com os néo-platônicos, especialmente com Plotino, e, modernamente, com os Românticos, especialmente com Schelling e os idealistas alemães. Com a publicação do livro Holism and Evolution, em 1921, Jan Smuts pode ser considerado o teórico fundador do movimento holístico no século XX. Mas foi com a revolução extraordinária da Física das Partículas e, principalmente com a Teoria da Relatividade de Einstein, que o termo passou a ser aplicado com uma conotação mais paradigmática dentro da transformação conceitual da ciência.

Paulatinamente, primeiramente a partir da Física, foi se construindo um arcabouço intelectual que permitiu uma expansão da percepção científica para além das peças de relógio do modelo analítico cartesiano-newtoniano. Este novo arcabouço estabelece que:

· A Ciência, antes estritamente objetiva, torna-se epistêmica (voltada para o próprio processo intelectual de conhecer), já que as teorias revelam mais sobre a mente que a concebe que propriamente da realidade. Toda teoria é um modelo de explicação aproximada da realidade. Além do mais, desde que Heisenberg postulou seu Princípio da Incerteza, na Física das Partículas, e de que o observador influi na experiência, a questão de uma objetividade cartesiana clássica se tornou mais uma fantasia que realidade;
· Parte-se das partes simples, consideradas independentes, para partes em interação, em processo ou em rede. Não é apenas o conjunto de elementos isolados que formam o universo de fenômenos estudado pela ciência. Mas a interação, a RELAÇÃO que existe entre esses elementos. Aliás, é mais provável que os elementos sejam frutos da própria relação tanto quanto esta é fruto destes. Desta forma, a realidade é um processo de troca de informações entre todos os entes físicos, biológicos, psicológicos e sociais.

O físico norte-americano Brian Swimme fez uma síntese de alguns princípios fundamentais do holismo, ou do Paradigma Holístico:
a) se a natureza do átomo (aqui o encadeamento lógico advém das características atômicas) não é dada ou é posta à compreensão exclusivamente por ele, de forma isolada, mas por sua interação e seu comportamento em relação a todo seu Universo envolvente, então a realidade física consiste principalmente de relações, como a música que se compõe de relações de sons e rítimos - e não de notas isoladas, o que implica em superposições de complexificação crescente ou na criação de sistemas dinâmicos sempre mais amplos. Ou seja, nada pode existir sem que imponha e receba características fora de seu ambiente total (Gestalt);
b) a nossa ciência e a nossa interpretação sobre o que seja o mundo são resultantes de nossa própria ação e relação com o mundo que nos cerca e com as crenças e idéias que adotamos. O ideal da neutralidade e da objetividade científica é mais ficção que realidade;
c) além da análise que separa, a síntese que une é de fundamental importância na compreensão do mundo: conhecer algo implica em saber sua origem e finalidade. O universo parece possuir um sentido evolutivo;
d) a matéria não é algo morto, passivo ou inerte, já que é dotada de energia e parece evoluir segundo um plano criativo global; os elementos inanimados parecem se organizar segundo complexos sistemas de interação. Assim, o Universo está mais para uma rede de relações, uma realidade auto-organizante: um organismo em homeorresis.
Em Psicologia, o pensamento holístico está fortemente presente nas abordagens humanistas, especialmente na Gestalt, e, muito mais, na Psicologia Transpessoal. Stanley Krippner, diretor do Centro de Estudos da Consciência, assim definiu os quatro princípios básicos do Paradigma Holístico:
1) a consciência humana ordinária (relativa à percepção corporal e do ego no estado de vigília) compreende apenas uma parte ínfima da atividade total do psiquismo humano;
2) a mente ou a consciência humana, ou o espírito humano, estende-se no tempo e no espaço, existindo em uma unidade dinâmica, ou melhor, em uma relação contínua com o mundo que ela observa;
3) o potencial de criatividade e intuição é mais global do que se imagina comumente, abrangendo todos os seres vivos;
4) o processo de evolução para níveis de maior complexificação e transcencdência é algo de muito valioso e importante - tendência à auto-atualização, segundo Maslow e Rogers.
O filósofo existencialista e psiquiatra alemão Karl Jaspers (1883-1969), discorrendo sobre a necessidade de se empreender reflexões sobre como se obter o melhor método em pesquisa científica, afirmava que na prática do conhecimento necessitamos de vários métodos simultaneamente, e enfatizava três grupos:
1. apreensão dos fatos particulares que implica na observação e descrição (análise) fenomenológica;
2. investigação das relações, onde explicar se refere ao conhecimento das conexões causais objetivas, vistas do exterior, enquanto compreender diz respeito à intuição interior:
3. percepção das totalidades, para não se cair no gravíssimo erro de se esquecer o Todo, no qual e pelo qual a parte subsiste.

Portanto, a abordagem holística não é nem analítica e nem é puramente sintética; ela se caracteriza pelo uso simultâneo desses dois métodos, que são complementares.
A explicação da natureza e de todo o universo não pode ser mais puramente mecânica, pois está cada vez mais patente que existe um processo de síntese e de complexificação evolutiva que leva a criação de sistemas altamente dinâmicos, como os sistemas biológicos - logo, muito longe de serem máquinas sujeitas à segunda lei da termodinâmica clássica. Segundo Jan Smuts, o criador da moderna concepção holística, e que exerceu profunda influência em Alfred Adler, o primeiro grande discípulo dissidente de Freud, "o conceito mecanicista da natureza tem o seu lugar e a sua justificação apenas na estrutura mais ampla do holismo". Icluamos, porém, que a complexidade humana vai muito além do mecanicismo de Descartes, possuindo instâncias de racionalidade bem acima da racionalidade linear, ou, como dizia Pascal, "possuindo razões que a própria razão desconhece".

A pesquisadora e escritora Rose Marie Muraro, em seu livro"Textos da Fogueira", Ed. Letra Viva, 2000, assim se expressa sobre a atual atitude de questionamento epistemológico da ciência moderna:

(...) O mais revolucionário achado metodológico nessa área é a inclusão da subjetividade e da concretude como categorias epistemológicas maiores, ao lado da objetividade e da racionalidade, feita por muitas filósofas em vários países, entre elas Susan Bordo, Allison Jaggar e outras. O mais interessante a se notar é que essa revolução epistemológica se faz na mesma época em que, nas ciências exatas, começa a abalar-se o domínio da razão. Nelas, o irracional irrompe como o paradigma que ajuda a chegar perto das realidades científicas extraordinariamente complexas de um mundo tecnologicamente avançado. Isto acontece nas Teorias do Caos, das Catástrofes e da Complexidade. Neste início de século e de milênio, desmorona o dualismo simplista mente/corpo, razão/emoção, que foi a base do pensamento ocidental nesses últimos três mil anos e que serviu apenas como racionalização do exercício de poder expresso nas relações senhor/escravo, homem/mulher, opressor/oprimido, etc. Esta nova maneira de elaborar abre uma nova forma de pensar pós-cartesiana e pós-patriarcal
Se levada às suas últimas conseqüências, essa nova elaboração científico-epistemológica da realidade pode modificar a própria natureza da ciência. Como ela é hoje, por ser abstrata e generalizante, reforça o poder, que na sua estrutura mesma é abstrato e esmagador do humano. Uma ciência em que a subjetividade e o irracional enriqueçam o conhecimento pode desencadear um processo de reversão desse poder destrutivo, tornado-se uma ciência libertadora, e não escravizadora
(Muraro, op. cit., p. 16).


Cabe aqui igualmente uma transcrição de parte de um artigo do nosso querido teólogo e filósofo Leonardo Boff (publicado na Folha de São Paulo em maio de 1996, cuja íntegra poderá ser encontrada na Home Page do autor) sobre a nova visão holística, sistêmica ou ecológica que agora surge:

Uma visão libertadora

"A ecologia integral procura acostumar o ser humano com esta visão global e holística. O holismo não significa a soma das partes, mas a captação da totalidade orgânica, una e diversa em suas partes, mas sempre articuladas entre si dentro da totalidade e constituindo esta totalidade. Esta cosmovisão desperta no ser humano a consciência de sua funcionalidade dentro desta imensa totalidade. Ele é um ser que pode captar todas estas dimensões, alegrar-se com elas, louvar e agradecer aquela Inteligência que tudo ordena e aquele Amor que tudo move, sentir-se um ser ético, responsável pela parte do universo que lhe cabe habitar, a Terra. Ela, a Terra, é, segundo notáveis cientistas, um superorganismo vivo, denominado Gaia, com calibragens refinadíssimas de elementos físico-químicos e auto-organizacionais que somente um ser vivo pode ter. Nós, seres humanos, podemos ser o satã da Terra, como podemos ser seu anjo da guarda bom. Esta visão exige uma nova civilização e um novo tipo de religião, capaz de re-ligar Deus e mundo, mundo e ser humano, ser humano e a espiritualidade do cosmos. O cristianismo é levado a aprofundar a dimensão cósmica da encarnação, da inabitação do espírito da natureza e do panenteísmo, segundo o qual Deus está em tudo e tudo está em Deus. Importa fazermos as pazes e não apenas uma trégua com a Terra. Cumpre refazermos uma aliança de fraternidade/sororidade e de respeito para com ela. E sentirmo-nos imbuídos do Espírito que tudo penetra e daquele Amor que, no dizer de Dante, move o céu, todas as estrelas e também nossos corações. Não cabe opormos as várias correntes da ecologia. Mas discernirmos como se complementam e em que medida nos ajudam a sermos um ser de relações, produtores de padrões de comportamentos que tenham como consequência a preservação e a potenciação do patrimônio formado ao longo de 15 bilhões de anos e que chegou até nós e que devemos passá-lo adiante dentro de um espírito sinergético e afinado com a grande sinfonia universal".

Um Feliz Ano Novo!!!




Mais uma vez, o calendário recomeça mudando apenas o nome do ano. Mais uma vez sonhamos com uma vida melhor, com um mundo melhor. Os mais egoístas pensaram em uma vitória individual melhor... Não importa... Sonhar é preciso. Toda a realização foi um dia sonho... Assim, então, a todos, um Ano Novo de muitas alegrias e belas conquistas!

sábado, 18 de dezembro de 2010

A coerência faz a diferença



"Nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas conscientes e engajadas possa mudar o mundo; de fato, sempre foi somente assim que o mundo mudou."

Fritjof Capra

Imprensa e Golpes



Jorge Folena

IMPRENSA E GOLPES

Como salientamos em outras oportunidades, a História registra diversos casos em que os meios de comunicação foram empregados para atacar governantes que apenas se colocaram contrários à entrega das riquezas nacionais e à exploração de seu povo.

Está na hora de aprofundarmos o debate sobre qual tipo de imprensa desejamos, pois “se você ler o jornal com atenção todos os dias, só há notícias ruins, pouca esperança, e você tem vontade de cometer um suicídio por dia, se isso fosse possível.” (Oliver Stone, cineasta americano, Revista Versus, n.º 5 – agosto de 2010, p.15).

Em todo o mundo tem se disseminado a “invasão” de grupos multinacionais de especulação financeira, que controlam os veículos de comunicação, sendo que um deles, no Brasil, se apresenta com o sugestivo título de “Grupo de Defesa da América.” A propósito, o que é este “grupo” e que interesses representa?

Afirmam defender a liberdade de imprensa e expressão, mas, na prática, seus veículos raramente analisam com profundidade o conteúdo do fato e, muitas vezes, não divulgam a correta informação, praticando uma censura branca.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Psicologia Sistêmica

Carlos Antonio Fragoso Guimarães


Teorias Organísmicas da Personalidade Humana

Desde que René Descartes estabeleceu seu método de análise como um instrumento cientificamente eficaz no estudo dos fenômenos físicos e humanos, exaltando o reducionismo e as relações causais entre as partes que constituem um todo complexo, no século XVII, e postulou uma divisão estrita entre corpo e mente - ou entre a res extensa e a res cogitans -, que as diversas disciplinas acadêmicas tentam se adaptar a um esquema cartesiano de explicação dos diversos fenômenos a que se dedicam. Assim sendo, na esteira da tradição biomédica, a Psicologia foi, desde Wundt, moldada como uma disciplina voltada para a análise do comportamento humano de acordo com preceitos academicamente aceitos de reducionismo e mecanicismo. Tal bagagem referencial vem dificultando o entendimento das relações complementares e a maneira como a mente e o corpo interagem.

Wundt, que é considerado o pai da Psicologia experimental moderna, seguindo a tradição empírica tão cara ao século XIX - tradição esta que advém dos enormes sucessos da Física Clássica de Issac Newton, que, por seu turno, foi precedida pela preparação de uma filosofia racionalista apropriada e em grande parte desenvolvida por René Descartes - estabeleceu uma orientação atômica ou elementarista dos processos mentais, a qual sustentava que todo o funcionamento do nosso psiquismo poderia ser analisado em elementos básicos, elementares e indivisíveis ( como os átomos elementares e indivisíveis que constituiriam o universo mecânico imaginado por Newton), e que seriam os tijolos constituintes das nossas sensações, sentimentos, memória, etc. Esta abordagem reducionista e mecanicista, muito simplória para dar conta de toda a imensa e complexa riqueza do psiquismo humano, logo suscitaram uma forte oposição entre muitos psicólogos e filósofos europeus, que não aceitavam a natureza extremamente fragmentária da psicologia de Wundt. Estes críticos europeus enfatizavam uma compreensão unitária entre a cônsciência e a percepção, e, em parte, de sua interelação com o organismo como um todo. Esta pioneira abordagem holística em Psicologia deu origem a uma importante escola na Alemanha: a Gestalt.


A Psicologia da Gestalt
Formulada entre fins do século passado e início do nosso século, a Psicologia dos Padrões de Totalidade ou de Totalidades Significativas (Gestalten, em alemão) surgiu como um protesto contra a tentativa de se compreender a experiência psíquico-emocional através de uma análise atomística-mecanicista tal como era proposto por Wundt - análise esta no qual os elementos de uma experiência são reduzidos aos seus componentes mais simples, sendo que cada um destes componentes são peças estudadas sioladamente dos outros, ou seja, a experiência é entendida como a soma das propriedades das partes que a constituiriam, assim como um relógio é constituído de peças isoladas. A principal caraterística da abordagem mecanicista é, pois, a de que a totalidade pode ser entendida a partir das características de suas partes constituivas. Porém, para os psicólogos da Gestalt, a totalidade possui características muito particulares que vão muito além da mera soma de suas partes constitutivas. Como exemplo, poderíamos tomar uma fotografia de jornal é que constituída por inúmeros pontinhos negros espalhados numa área da folha de jornal. Nenhum desses pontinhos, isoladamente, pode nos dizer coisa alguma sobre a fotografia. Apenas quando tomamos a totalidade da figura, é que percebemos a sua significação. A própria palavra Gestalt significa uma disposição ou configuração de partes que, juntas, constituem um novo sistema, um todo significativo. Sendo assim, o princípio fundamental da abordagem gestáltica é a de que as partes nunca podem proporcionar uma real compreensão do todo, que emerge desta configuração de interações e interdependências de partes constituintes. O todo se fragmenta em meras partes e/ou deixa de ter um significado quando é analisado ou dissecado, ou seja, deixa de ser um todo. Esta escola teve como principais expoentes Max Wertheimer, Wolfgang Kohler e Kurt Koffka. Posteriormente, Kurt Lewin elaboraria uma teoria da personalidade com base na compreensão gestáltica da totalidade significativa, onde se estipula que o comportamento do indivíduo é a resultante da configuração de elementos internos num "espaço vital", que é a totalidade da experiência vivencial do indivíduo num dado momento ( ou seja, todo o conjunto de experiências que se faz sentir num dado momento, de acordo com a percepção/interpretação do indivíduo ). Estas idéias foram, em parte, adotadas por Carl Rogers em sua teoria da personalidade, conhecida como Abordagem Centrada na Pessoa já que é o cliente que dirige o andamento do processo psicoterapêutico, trazendo e vivenciando o material pessoal exposto nas sessões. Já o psicoterapeuta Frederick S. Perls desenvolveria uma corrente de psicoterapia baseada nos fundamentos da escola da gestalt, pondo em prática uma ação terapêutica voltada aos padrões vivenciais significativos do indivíduo. Esta corrente é conhecida como Gestalt-Terapia.


A Psicologia Organísmica de Kurt Goldstein
Jan Smuts, militar e estadista inglês, que se tornou uma figura importante na história da África do Sul, é frequentemente reconhecido e citado como o grande pioneiro e precursor filosófico da moderna teoria organísmica ou holística do século XX. Seu livro seminal intitulado Holism and Evolution, de 1926, exerceu uma grande influência sobre vários cientistas e pensadores, muito embora, na época de seu lançamento, tenha passado quase despercebido da elite intelectual da primeira metada do século, tendo só aos poucos ganhando seu merecido espaço nos meios acadêmicos e filosóficos, principalmente graças ao impacto que exerceu em pensadores e teóricos do porte de um Alfred Adler, famoso teórico da personalidade e discípulo dissidente de Sigmundo Freud; ou de um Adolf Meyer, psicobiólogo; ou na recente e menos mecanicista linha médica, dentro da alopatia, chamada de psicossomática, etc. Smuts cunhou o termo holismo da raiz grega holos, que significa todo, inteiro, completo. Mas as verdadeiras bases da concepção holística, ou do pensamento holístico, vêm verdadeiramente de muito antes, desde Heráclito, Pitágoras, Aristóteles e Plotino até Spinoza, Goethe, Schelling, Flammarion e Willian James (Hall e Lindzey, 1978; Crema, 1988; Guimarães, 1996).

Um dos maiores expoentes do pensamento holístico em psicologia e em psiquiatria é Kurt Goldstein. Ele formulou a sua teoria holística da psique a partir de seus estudos e observações clínicas realizados em soldados lesionados no cérebro durante a I Guerra Mundial, e de estudos sobre distúrbios de linguagem. Deste leque de observações, Goldstein chegou à conclusão (hoje mais ou menos óbvia) de que um determinado sintoma patológico não pode ser compreendido ou reduzido a uma mera lesão orgânica localizada, mas como tendo características e/ou fortes reforços ou abrandamentos do organismo como um todo, como um conjunto integrado, como um holos e não como um conjunto de partes mais ou menos independentes.

Segundo Goldstein, o corpo e a mente não podem ser vistos como entidades separadas, tais como separamos o software do hardware, pois ambos só se expressam na conjunção, na união e íntima conexão de ambos. O organismo é uma só unidade e o que ocorre em uma parte afeta o todo, como já era reconhecido pela da medicina Homeopática e pelas artes da cura não ocidentais, como na medicina chinesa, e na sabedoria das tradições populares e xamanísticas de povos ditos "primitvos" (Capra, 1986; Eliade, 1997; Guimarães, 1996).

Qualquer fenômeno, quer seja positivo ou não, se passa tanto ao nível fisiológico quanto psicológico, ou seja, se passa sempre no contexto do organismo como um todo, a menos que se tenha isolado artificialmente este contexto, como se fez nas ciências e nos meios acadêmicos desde Descartes, com as esferas da Res Cogitans, que é a esfera do mental, e da Res Extensa ou a esfera do físico, e a ramificação entre ciências naturais e ciências humanas. Ora, não existe real diferencianção (no sentido de mensuração) entre estes dois ramos. Assim, qualquer redução ou caracterização em um ou outro destes critérios (físico e mental) é um isolamento artificial e, conseqüentemente, parcial.

As leis do organismo são as leis de uma totalidade dinâmica, que harmoniza as "diferentes" partes que constituem esta totalidade. Portanto, é necessário descobrir as leis pelas quais o organimso inteiro funciona, para que se possa compreender a função de qualquer de seus componentes, e não o inverso, como se tem feito até hoje (Hall e Lindzey, 1978). É este o princípio básico da teoria organísmica ou holística em saúde, principalmente em Psicologia.

Goldstein acreditava que os sintomas patológicos eram uma interferência do meio sobre a organização do todo, ou eram, em menor grau, consequencias de anomalias internas. Mas, de qualquer forma, a tendência intrínseca ao equilibrio dinâmico poderia levar o indivíduo a se adpatar à nova realidade, desde existam os meios que sejam apropriados para isso. Assim, Goldstein via em todo o ser vivo uma tendência de auto-realização que significaria uma esforço constante para a realização das potencialidades inerentes dos seres vivos, mesmo que haja um meio ostil. É assim que, mesmo em abientes não propícios, vemos nascerem plantas que, mal grado, não consigam se desenvolver totalmente, mesmo assim teimam em nascer, mesmo que venhma a morrer ou a se atrofiarem em breve, mas a ânsia de viver é mais forte. Esta idéia de auto-realização ou de auto-atualização foi, posteriomente, adotada por teóricos vários, desde Carl Rogers até biólogos, como Maturana.

Andras Angyal e o conceito de Biosfera
Assim como Goldstein, Andras Angyal, húngaro naturalizado americano, não poderia conceber uma ciência que não fosse holística, alcançando a pessoa e a vida como um todo. Mas, ao contrário de Goldstein, Angyal não podia admitir numa distinção entre o organismo e o meio-ambiente, assim como um físico relativista não pode acreditar numa sepação rígida entre matéria e energia. Angyal afirma que organismo e meio ambiente se interpenetam de uma forma tão complexa que qualquer tentativa para separá-lo expressa uma visão mecanicista do mundo que destrói a unidade natural de todas as coisas (unidade sutil, é verdade, mas bem visível na interdependência bio-ecológica e social de todos os seres vivos), o que cria uma diferenciação artificial e patológica entre o organismo e o meio (Hall e Lindzey, 1978; Capra, 1986), o que estimula todo o tipo de crime social e ecológico que vemos em nosso século. Se, na história da humanidade, houve grandes catrofes naturais e grandes genocídios através da mão humana em nome da religião, por exempo, mesmo assim nunca se matou tanto como em nossos dias, em nome de uma concepção de mundo mecanicista- racionalista e capitalista, onde tudo foi separado de tudo, e os seres vivos são vistos como máquinas e nada mais.

Angyal criou o termo biosfera para traduzir uma concepção holística ou ecológica que compreenda o indvíduo e o meio "não como partes em interação, não como constituintes que tenham uma existência independente dos demais, como peças de um relógio, mas como aspectos de uma mesma realidade, que só podem ser separados realizando-se uma abstração" (Angyal, cit. em Hall e Lindzey, 1978, p. 43).

A biosfera, portanto, em seu sentido mais amplo seria mais ou menos como a atual conceção de Gaia, ou da Terra viva. A biosfera pode ser vista em vários níveis, inclusive no nível humano, onde um indíviduo constitui uma biosfera particular em relação ao seu conjunto orgânico e psíquico, assim como uma sociedade, etc. Assim, a Biosfera inclui tanto os processos somáticos quanto os psicológicos (individuais e coletivos) e os sociais, que podem ser estudados assim, separadamente, mas só até certo ponto.

Segundo Hall e Lindzey (1978), embora seja a Biosfera um todo indivisível, ela é composta e organizada por sistemas estruturalmente articulados. A tarefa do cientista seria, assim, de identificar as linhas de demarcação determinadas na biosfera pela estutura antural do todo em si mesmo. Assim, um homem se diferencia de outro homem, mas ambos possuem características que nos permitem classificá-los como homens e não como peixes, etc.

O organismo individual, um sujeito, portanto, constitui um pólo da biosfera, e o meio ambiente, natural e social, o outro polo. Toda a dinâmica essencial da vida está fundanda na interação entre estes dois pólos. Angyal postula que não são os processos de um ou de outo que determinam ou refletem a realidade, mas a interação contínua de ambos. Assim, a vida como um todo unitário nos daria uma nova visão e a possiblidade de percebermos fenômenos e detalhes que nos escapam no estudo polar de ambos os níveis da realidade.

Bibliografia do texto:
Hall, Calvin S. & Lindzey, Gardner. Theories of Personality, 3º Ed., Jonh Wiley & Sons, Inc. 1978
Fadiman, James & Frager, Robert. Teorias da Personalidade. Ed. Harbra, São Paulo, 1986
Capra, Fritjof. O Ponto de Mutação, Ed. Cultrix, São Paulo, 1986.
Guimarães, Carlos. Percepção e Consciência, Ed. Persona, João Pessoa

Carlos Antonio Fragoso Guimarães - Formado em Psiclogia Clínica pela UFPB e Mestre em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPB. Doutorando em Ciências da Educação pela Universidade de Trás-os-Montes e Vale Douro, Utad, de Vila Rea,m Portugal. Professor do Centro de Ciências da Biológicas e da Saúde da UFCG

sexta-feira, 10 de setembro de 2010




Filme "Nosso Lar", baseado na obra homônima de Chico Xavier, bate recorde de público em apenas cinco dias.

O filme Nosso Lar bateu, em menos de uma semana de exibição, a marca de 1 milhão de espectadores. É um feito inédito no cinema brasileiro recente e indica que a velha fórmula de filmes de violência gratuita e apelo vazio já atingiu um nível de saturamento. O público deseja alento e beleza, esperança e um pouco de reflexão, coisa que raramente se vêem no cinema hoje em dia.

Outro filme de sucesso, atrelado à temática espírita, Chico Xavier, que também é o atual recordista de bilheteria do cinema nacional neste ano, chegou ao mesmo resultado em sete dias.

Nosso Lar, do diretor Wagner de Assis, é inspirado em obra homônima de Chico Xavier, e, com certa liberdade resumo do texto original do livro, narra um caso - dentro dos muitos possíveis - de um médico que desperta após a morte em um mundo ao mesmo tempo diferente e semelhante ao nosso.

O filme é uma co-produção Brasil-Estados Unidos, unindo, entre outras, a produtora Cinética Filmes, a Globo Filmes e Twenth-Century Fox. A direção de fotografia ficou a cargo do Ueli Steiger, de filmes como "O Dia Depois de Amanhã" e "10.000 a. C". Os efeitos especiais foram efetuados pela equipe canadense da Intelligent Creatures , responsável pelos efeitos de filmes conhecidos, como "Watchemen".
O elenco do filme brilha com as atuações de Renato Prieto, Lu Grimaldi, Othon Bastos, Werner Schunemman, Paulo Goulart e outros.

sábado, 28 de agosto de 2010





O Pa$tor Malafaia e seu jatinho de 12 milhões de dólares

Carlos Antonio Fragoso Guimarães
O lúcido e combativo jornalista Hélio Fernandes (irmão do não menos lúcido e combativo Millôr) escreveu no site de seu jornal Tribuna da Imprensa, no dia 03/01/2010:
Pastor Malafaia, compra avião de 12 milhões de dólares

Nem vou dizer que saiu na coluna do Góis, é a terceira vez que cito o colunista esta semana, acaba advertido, já que citado por mim não é nada divertido.
Só que considero humilhação o pastor poder comprar avião de 12 milhões, mesmo de dólares. A “fúria” e a forma “avassaladora” com que “pede” dinheiro aos “companheiros da fé”, mereceriam um jato muito mais abrangente e dominador dos ares.

Palavras preferenciais (repetidas de forma autoritária) do pastor: “Vocês precisam nos ajudar com suas contribuições, pois só assim podemos ajudá-los. Este programa é nosso, vocês contribuem para que eu possa levá-los no caminho de Deus”. Agora, com o avião, esse caminho será percorrido em muito menos tempo.

E o que se poderia dizer disso? Bem, fica patente, antes de tudo, que ser televangelista é um bom negócio. Mas parece que o “bom” Pa$tor, além de paladino do televangelismo, demonstra bastante altruísmo: em um país de miseráveis e desesperados como o Brasil, a venda da fé se reverte em mordomias para que os mercadores continuem a... vender! Não precisa nem ser canetas bic com “água do Jordão”, como faz Edir Macedo, ou orações e preces, como outros. Basta a compra de bíblias por meros 900 reais e muitas “doações voluntárias” para que os carentes, os desesperados e os desesperançados tenham uma maneira eficaz de garantir um visto para o céu. Afinal, é necessário o sacrifício expresso na doação dos outros para que os “Missionários” possam salvar almas mais eficazmente, o que inclui cômodos e rápidos meios de transporte para a “expansão da palavra”. Nada mais nobre nem mais humilde. Repetindo o grande Frei Betto: ele está tão convencido de que só ele enxerga a verdade que trata de forçar os demais a aceitar o seu ponto de vista…e pagar por ele!
Pessoalmente, me espanta a forma pouco cristã e arrogante do citado evangélico nos horários pagos da televisão comercial. Ele não debate, impõe "verdades". Além disso, seguindo na esfera dos fundamentalistas (veja-se o artigo de Frei Betto emhttp://www.voltairenet.org/article122917.html), ele não apresenta argumentos, mas vocifera; não propõe, determina; não opina, ajuíza; não sugere, ordena; não discorda, censura; não advoga, condena e fala muito mais em Satanás - no fim o grande aliado de quem quer dominar mentes pelo medo - que na bondade de um Deus Pai compreensivo e amoroso.

Mas vivemos em tempos surreais… Onde as pessoas de bem estão presas enquanto a marginália (de tantas modalidades diferentes, desde o assaltante de rua até os grandes ladrões da nação) estão soltas, onde, como dizia Einstein, é mais fácil quebrar um átomo que acabar com um preconceito e onde, em nome do Deus universal – que recebe tantos nomes e é compreendido de tantas formas conforme a capacidade de cada cultura – agora surgem auto-entendidos "novos" representantes demagógicos, a quem causa repulsa palavras como tolerância, compreensão, ecumenismo e fratenidade, e fazem de sua suposta sapiência profissão a ser paga, e bem paga, à maneira dos sofistas.

Enquanto um Doutor precisa ter ao menos um curso supererior e suficiente bagagem intelectual, e passa desapercebido nesse nosso pais, para ser um Pastor conhecido basta saber tanger e manipular um rebanho que, diante das mazelas da modernidade, têm medo de pensar…

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Essência do Budismo

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Somos o que pensamos. Tudo o que somos surge com nossos pensamentos. Com nossos pensamentos, fazemos o nosso mundo.

Buda

Não acredite em algo simplesmente porque ouviu. Não acredite em algo simplesmente porque todos falam a respeito. Não acredite em algo simplesmente porque esta escrito em seus livros religiosos. Não acredite em algo só porque seus professores e mestres dizem que é verdade. Não acredite em tradições só porque foram passadas de geração em geração. Mas depois de muita análise e observação, se você vê que algo concorda com a razão, e que conduz ao bem e beneficio de todos, aceite-o e viva-o.

Buda

A paz vem de dentro de você mesmo. Não a procure à sua volta.

Buda

Só há um tempo em que é fundamental despertar. Esse tempo é agora.

Buda

segunda-feira, 28 de junho de 2010

É real o "déficit" da Previdência? Se não for, a quem interessa essa mentira? E os Planos de Saúde?

segunda-feira, 28 de junho de 2010 | 05:34

O governo mente. A Previdência brasileira não tem déficit. Ao contrário, seu superávit é espantoso. Confira aqui.

Nogueira Lopes

O governo vive a alegar que a Previdência está em déficit e por isso não pode reajustar condignamente as aposentadorias e pensões. Mas não existe déficit, nunca existiu. Quem faz essa espantosa revelação é a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip).

Todo ano, os auditores divulgam um importante trabalho, denominado Análise da Seguridade Social, e desmontam essa mentira do déficit da Previdência Social. O mais recente levantamento da Anfip mostra, por exemplo, que de 2000 a 2008 houve superávit total de R$ 392,2 bilhões, pois esta foi a diferença entre o total das receitas da Seguridade Social e o total das despesas.

Ainda segundo os auditores fiscais da Receita, no primeiro semestre de 2009 a Previdência teve superávit de R$ 20,04 bilhões, ou seja, arrecadadas todas as receitas de custeio e pagas todas as despesas com assistência social, previdência e saúde, sobrou todo este dinheiro.

Os planos de saúde não tomam jeito

Estimulada pela inércia da tal Agência Nacional de Saúde, a ganância dos planos de saúde chegou a tal ponto que foi criado um Plantão Judiciário no Fórum do Rio, 24 horas (inclusive finais de semana e feriados), exclusivamente para resolver problemas relativos a atendimento médico negado pelas seguradoras, que inclusive acabam de ganhar do governo um novo reajuste dos preços das mensalidades.

Se você ou alguém que conheça tiver necessidade de uma cirurgia de emergência ou colocação de prótese, e o plano de saúde não quiser liberar a cirurgia, recorra a esse Plantão Judiciário. Serão fornecidas todas as orientações de como proceder e, se for necessário, eles mesmos farão contato com o hospital e o plano para solucionar o problema.

Anotem os telefones, coloquem na memória dos celulares: (21) 3133-4144 e 2588-4144. E vamos fazer pressão para que esse tipo de Plantão Judiciário seja criado em todo o país.

Como medir a riqueza de uma nação?

Diante da realidade da previdência e dos planos de saúde no Brasil, devemos lembrar o grande intelectual escocês Adam Smith, que viveu no século XVIII e é considerado o pai da Economia moderna. “A riqueza de uma nação se mede pela riqueza do povo e não pela riqueza dos governantes”, dizia ele. E de lá para cá, nada mudou.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

O Que é a Vida?




Carlos Antonio Fragoso Guimarães

Texto escrito em 17 de março de 1997

Originalmente publicado no site "Para Além do Cérebro" situado no extinto GeoCities.

Holismo X Mecanicismo: O Conflito de Percepções

"Podemos afirmar definitivamente, com base em investigações estreitamente empíricas, que a pura e simples inversão de nossa ênfase analítica do universo, separando componetes constituintes como peças, para proceder de maneira inversa, unindo o que foi cortado em pedaços - seja na realidade ou tão só em nossa mente -, não pode explicar por si só o comportamento sequer do mais elementar sistema vivo".

Paul Weiss


Talvez a melhor maneira de se compreender as diferenças fundamentais entre as duas atuais visões de mundo - a do paradigma da ciência cartesiana (hoje dominante) e da concepção chamada holística, sistémica ou ecológica (em sua acepção profunda. O termo ecológico é mais abrangente, menos gasto, por isso talvez seja preferível à holismo), hoje emergente - possa ser adquirida através do estudo de como estas diferentes formas de entender e perceber, de se posicionar ante o que julgamos ser a realidade, explicam o porquê da existência - ou da origem e finalidade - de um dado fenômeno, ou a sua ocorrência. Assim, partindo deste princípio, resolvi tomar como ilustração das diferenças entre o Holismo - mais precisamente a Teoria Sistêmica da Vida - e o Reducionismo Mecanicista a maneira como cada uma destas difentes concepções teórico-filosóficas entendem, percebem e/ou explicam o que é a vida, quais suas características, objetivos e finalidade.


Como vemos a vida

Apesar do discurso ideológico, em grande parte calcada no sucesso tecnológico e no conseqüente poder político e econômico daí resultante, a ciência ocidental - muitíssimo bem sucedida em várias áreas de atuação - é uma espécie de saber especializado e aceito como válido por uma civilização mas, de modo bem mais amplo, constitui-se em uma modalidade de saber entre tantas outras tão válidas e coerentes quanto ela mesma, e que são próprias das atualmente violentadas e moribundas (situação esta causada pela dominante civilização ocidental) civilizações, culturas ou tradições não industriais...

Como bem esclarece o pofessor Renato Machado, "a ciência não é um objeto natural, um objeto dado; é uma produção cultural, um objeto construído, produzido. (...) A ciência é essencialmente discurso, um conjunto de proposições articuladas sistematicamente. Mas, além disso, é um tipo específico de discurso: é um discurso que tem a pretensão de verdade" (MACHADO, Ciência e Saber, A Trajetória Arqueológica de Foucault, p. 20, edições Graal, Rio de Janeiro, 1988). Um pouco mais além, o mesmo autor afirma que "a questão da verdade significa a dos critérios do conhecimento dito verdadeiro, que dependem da própria ciência enquanto processo de produção do conhecimento ou daquilo que Canguilhem chama veridicidade: 'A veridicidade ou o dizer-o-verdadeiro da ciência não consiste em uma reprodução fiel de alguma verdade inscrita desde sempre nas coisas ou no intelecto. O verdadeiro é o dito do dizer científico'. A ciência não reproduz uma verdade; cada ciência produz sua verdade. Não existem critérios universais ou exteriores para julgar da verdade de uma ciência"(MACHADO, op. cit., p. 21). Em um uma nota, o autor ainda cita Fraçois Jacob, que diz: "Como as outras ciências, a biologia perdeu hoje muitas de suas ilusões. Ela não procura mais a verdade. Ela constrói a sua".

A biologia moderna, como de resto todas as outras ciências, não escapou ao triunfo olímpico do modelo newtoniano de mundo e de sua Física. Mais que isso, ela abraçou ardorosamente a filosofia subjacente a tal modelo, elaborada por René Descartes e que estabelecia o universo e todos os seres vivos como sendo máquinas semelhantes em sua constituição às máquinas construídas pelos homens, cabendo, portanto, apenas desmontar estas e analisar suas peças e a forma como elas se relacionam na estrutura para entender seu funcionamento.

O físico Fritjof Capra, com bastante clareza, cita que:


"Empolgados pelos êxitos do método reducionista (analítico), com especial destaque, recentemente, no campo da engenharia genética, eles tendem a acreditar que este é o único enfoque válido, e organizaram a pesquisa biológica de acordo com ele. Os estudantes não são encorajados a desenvolver conceitos integrativos, relacionais, e as instituições de pesquisa dirigem suas verbas quase exclusivamente para a solução de problemas formulados no âmbito dos conceitos cartesianos. Os fenômenos biológicos que não podem ser explicados em termos reducionistas são considerados indignos de investigação científica. Por conseguinte, os biólogos desenvolveram métodos muito curiosos para lidar com os organismo vivos. Como sublinhou o eminente biólogo e ecologista René Dubos, eles usualmente sentem-se muito à vontade quando a coisa que estão estudando já não vive" (CAPRA, 1986, p. 96)



Dentre os principais problemas não explicados pelo método analítico reducionista estão os mais encantadores fenômenos biológicos, em especial a regeneração celular de feridas, a integração mente/corpo, o desenvolvimento e diferenciação embrional, a integração harmônica do sistema nervoso e seu permamente contato integrativo interrelacional com o meio, que afinal sustenta o organismo. E só em nosso século a Ecologia começou a ser aceita - ainda que como inimiga para o sistema Industrial, em especial o que se calca na exploração e poluição do meio-ambiente. De qualquer modo, a biologia, adotando um determinado modelo mecanicista da vida, está dando retorno a um segmento social que a financia e espera, de qualquer modo, algo em troca, se possível algo que dê lucro. Desta forma, fazendo dos organismos vivos "máquinas", não é preciso ter uma ética "humanista" de pleno respeito a estes organismos, que podem ser plenamente explorados comercialmente. Da mesma forma, a indústria faramacêutica, visando mais o lucro que a ajuda humanitária, pouco se importa se quem pode comprar seus produtos constitua apenas um setor mínimo da população. A educação médica, sendo prioritariamente interventiva que preventiva, faz parte desta estrutura mercadológica, já que a industria não só contribui para a manutenção de cursos de medicina, como também está o tempo todo, às custas de uma extraordinária máquina de propaganda, impondo referenciais de tratamento aos médicos.
É interessante notar o modo como o discurso científico é um discurso cultural. Basta olha a história de uma ciência para perceber isso... Toda a forma de saber e toda a ciência, por ser uma aproximação e por ser uma construção, é coerente com o contexto político e econômico onde se situa e triunfa. Conceitos superados e conceitos sancionados estão mais ligadas à ideologia de uma sociedade do que se pensa, o que não significa que o que foi rejeitado num dia não possa ser ressuscitado, totalmente ou reformado, em outro. Canguilhem explicita isso em seu conceito de "ideologia cienífica", que é um discurso que, por ser aceito e apoiado por um conjunto de pessoas socialmente reconhecidas como especialistas, tem a presunção de verdade - mesmo que seja de uma verdade contextualmente temporária. Por ter a ambição de cientificidade, este discurso imita os procedimentos de ciências tecnologicamente e teoricamente mais bem sucedidas, em especial a Fìsica. Adotando critérios análogos, entra a perspectica de poder que é utilizada com ambição à totalidade explicativa. No caso, o modelo de máquina abarcaria todas as áreas da biologia.

Há pouco mais de cem anos, seguindo uma análise feita pelo físico Paul Davies em seu livro Deus a e Nova Física, com a publicação dos trabalhos de Darwin e Wallace, o tema da origem e da evolução dos sistemas vivos tornou-se o mais visível ponto de colisão e conflito entre entre a ciência e a religião, ou, mais precimanete, entre duas formas diferentes de se entender a natureza. Antes, era lugar comum que a vida era, ou pareceia ser, a manifestação mais óbvia da sabedoria e do poder da Divindade, sendo que a vida humana era considerada o ápice do plano universal de Deus. Todas as formas vivas pareciam fazer sentido como a resultante visível dos desígnios da Suprema Mente de um Grande Arquiteto, cabendo ao homem usufruir de uma localização privilegiada na hierarquia dos seres vivos. Hoje em dia, a vida continua a ser um fenômeno espantoso, mas a autoria de tal milagre foi transferida, pela ciência, de Deus para um complexo jogo de forças determinísticas e, em última análise, cegas, regidas pelo acaso, que, combinando elementos "casualmente" apropriados em ambientes igualmente propícios, teriam, de modo absolutamente aleatório e através dos milênios, possibilitado a eclosão da imensa e rica variedade de formas vivas que nos cercam e encantam. É interessante observar uma certa ingenuidade reducionista de tal concepção. Dificilmente uma enciclopéida seria feita a partir da explosão de um saco de jornais, mas é mais ou menos assim que a ciência diz que se formou o universo. As conseqüências de tal mudança de "crenças", é claro, resultaram em um profundo abalo na mentalidade humana: a ciência mudou a perspectiva que o homem tinha de si mesmo e do universo, e de sua relação para com este. Como tudo o mais no mundo, esta revolução de crenças trouxe coisas boas e outras nem tanto, e, de igual forma, mostrou um certo limite de aplicabilidade e de exatidão: embora, em linhas gerais, a evolução seja um fato inquestionável, o prédio especulativo mecanicista que se construiu ao redor e à pretexto dela tem demonstrado um lado negro e, em última instância, nocivo à própria sobrevivência da vida no planeta, como veremos adiante.

Para a ciência oficial, especialmente para as disciplinas científicas mais atreladas ao modelo científico advindo da Física Clássica, as duas facetas básicas que distinguem e caracterizam os sistemas vivos dos não-vivos são a Organização e a Complexidade (Davies). Ora, mesmo um "primitivo" organismo unicelular, como uma ameba, por exemplo, por mais simples que seja apresenta uma intrincada estrutura biológica (Complexidade) que nunca se encontrará em qualquer que seja o produto do engenho humano. Qualquer modificação sintética numa estrutura desse tipo sempre partirá da matéria prima básica que o homem irá utilizar, ou seja, o próprio organismo uniceluar já existente. Este mesmo organismo uniceluar, em seu funcionamento interno, apresenta-se como uma grande cidade muito bem organizada. Ela é formada por organelas muito especializadas que trabalham de forma altamente sincronizada para que o ser unicelular possa sobreviver, auto-renovar-se, locomover-se, alimentar-se, atacar, fugir e se reproduzir. As estruturas químicas que dirigem e controlam toda esta "cidade" minúscula encontram-se codificadas em moléculas localizadas no interior do núcleo da célula: o DNA.
O mais incrível é que os componentes elementares básicos de um sistema biológico qualquer é formado por átomos perfeitamente comuns, encontrados em toda a parte. Qualquer que seja o átomo que se encontre dentro da célula viva - quer seja um átomo de carbono, de hidrogênio ou de qualquer outro elemento - não apresentará ele difeeerença alguma de qualquer dos átomos do mesmo elemento que se encontrem no meio inanimado externo. Aliás, há uma corrente ininterrupta de trocas de componentes internos da célula com o meio externo e, apesar disso, a célula continua a ser e a se desenvolver como um organismo independente, de onde se deduz que a vida não pode ser reduzida a uma propriedade de mera junção ou união das suas partes constituintes. Estas partes constituintes estão em constante transformação. Seus átomos estão sempre sendo trocados, mas o padrão do conjunto se mantém. É este padrão, não a estrutura, que é responsável pela existência do conjunto. A vida não é um fenômeno cumulativo. Se o fosse, um biólogo poderia muito bem formar uma célula viva a partir da junção de todos os seus componentes. O máximo que ele conseguirá é um saquinho gelatinoso muito parecido com uma célula morta.

Na biologia acadêmica, de modo geral, a concepção mecanicista dos organismos vivos como máquinas, consituídas de partes definidas e, fundamentalmente, passívies de separação e análise - como peças de um relógio -, ainda é a base conceitual dominante. Empolgados e estimulados pelo êxitos inquestionáveis do método analítico, cartesiano, ou científico, eles tendem a conceber que esse método é o que possibilita o único enfoque válido para a compreensão dos fenômenos biológicos, e organizam todas as pesquisas de acordo com ele. Os fenômenos biológicos que não podem ser coerentemente explicados dentro dos termos reducionistas, como, por exemplo, o processo de cura de ferimentos, a concentração da atenção, são considerados indignos de investigação científica, ou como fatos sujeitos à explicação futura, dentro dos moldes reducionistas.

Muito embora o conceito simplista de seres vivos como máquinas próximas a de um relógio fosse, na prática, superado na biologia, a essência conceitual da idéia, porém, permaneceu, já que a obsessão na pesquisa está em se reduzir todos os aspectos ao processo de reação de constituintes moleculares nas células. Quanto à parte da fisiologia e da anatomia, a aproximação ao ideal mecanicista cartesiano ainda é dominante. O tratado de La Mettrie, escrito no século XVIII e intitulado "O Homem-Máquina" deu o ponta pé inicial de toda a abordagem mecanicista em fisiologia por mais de dois séculos:


"Será preciso mais (...) para provar que o Homem nada mais é que um Animal, ou uma montagem de molas que se engatam umas nas outras de tal modo que não é possível dizer em que ponto do círculo humano a Natureza começou?... Na verdade. não estou equivocado; o corpo humano é um relógio, mas imenso e construído com tanto engenho e habilidade que, se a roda denteada, cuja função é marcar os segundos, pára, a dos minutos continua girando em seu curso" (cit. in CAPRA, 1986, p. 101).

Muitos importantes biólogos ainda defendiam esta forma de "entendimento" da vida em pleno século XX.
Ora, o interessante é que a ênfase na pesquisa científica, em geral, e, muito particularmente, em biologia está em se isolar e classificar sempre mais e mais os chamados constituíntes fundamentais dos sitemas vivos, ou seja, em se decobrir quais as moléculas - e sua composição - respoonsáveis pela manutenção e/ou ação dos processos biológicos. Pretende-se com isso ter uma visão compreensiva e mais aprofundada do que seja a vida. No final das contas, o que descobrimos é que enquanto aprofundamos mais e mais o conhecimento das estruturas microscópicas que constituem a base biofísica e bioquímica das células, perdemos a visão de relação ou a visão do conjunto da vida em si em em suas manifestações dinâmicas. Cria-se, assim, a ilusão de que a superespecialização linear aumenta o conjunto geral do conhecimento. Na verdade, aumenta-se o conjunto de conhecimento sobre os detalhes de um determinado aspecto da vida. Pouco se faz para se ter uma idéia de relação funcional das partes com o todo. O erro fundamental reside no fato de a ciência não levar realmente em conta que um conjunto pode muito bem apresentar propriedades que não se encontram nos seus componentes individuais. Um exemplo clássico para demonstrar tal fato é o da fotografia de jornal que é constituída por inúmeros pontinhos. Ora, nenhum desses pontinhos, quando isolados, revela o que quer que seja sobre a figura que o conjunto representa. Só quando nos afastamos do nível dos componentes individuais e ascendemos ao todo, é que temos idéia da informação, da mensagem, da figura que surge da fotografia de jornal. Ou seja, a figura não é a resultante das propriedas dos pontinhos, mas sim a resultante do padrão do todo formado tanto pelos pontinhos, quanto pelo espaço entre eles.

Da mesma forma, o erro básico do paradigma científico atual subjacente ao modelo biomédico reside na fato de que se confunde a vida com os seus elementos contituintes. Não é nos átomos, enquanto conetúdo, que reside o segredo da vida ou suas moléculas constituintes per si, mas no padrão, na informação que emerge de sua associação. É a informação contida no DNA que possibilita que alguém tenha olhos claros ou escuros, e não que uma coleção de um átomo específico possa estabeler que a pessoa tenha olhos dessa ou daquela cor. É a informação, expressa na síntese protéica, que utilizará os mesmos átomos presentes em todos os seres vivos para estabelecer características fenotípicas diversas.

Pela lúcida análise de Capra, percebemos que no conturbado e tecnicista século XX, a genética tornou-se a área mais ativa, mais sedutora e mais poderosa na pesquisa biológica, médica e farmacêutica. Os sucessos na descrição e entendimento da estrutra do DNA proporcionou um forte reforço à abordagem mecanicista dos organimos vivos. Ao ficar claro que o material hereditário estava contido nos cromossomos, em posicões especiais ao longo dos filamentos que os constituem, os geneticistas acreditavam ter fixados os "átomos da hereditariedade", e passaram a explicar as características biológicas em termos de suas "unidades elementares": os genes, sendo, de início, considerado que cada gene corresponderia a um traço hereditário específico, em causação lienar. Porém, logo se descobriu que esta linearidade não era perfeita pois pesquisas mostraram que um único gene pode afetar vários traços e que, inversamente, muitos genes separados combinam-se frequentemente para produzir um só traço. Obviamente, o estudo da cooperação e da atividade integrativa, holística, dos genes separados se apresentou como sendo de profunda importância, mas a estrutura conceitual cartesiana-mecanicista tornou difícil lidar com estas questões. Como diz Fritijof Capra, "quando os cientistas reduzem um todo a seus constituintes fundamentais - sejam eles células, genes ou partículas elementares - e tentam explicar todos os fenômmmenos em função desses elementos, eles perdem a capacidade de entender as atividades coordenadoras do sistema como um todo" (Capra, 1986, pág. 107).
Ainda segundo Capra, "uma outra falácia da abordagem reducionistas em genética é a crença de que os traços de caráter de um organismo são determinados unicamente por sua composição genética ( ou são mais profundamente determinados por eles). Esse 'determinismo genético' é uma conseqüência direta do fato de se considerar os organismos vivos como máquinas controladas por cadeias lineares de causa e efeito. Ele ignora o fato de que os organismos são sistemas de múltiplos níveis, estando os genes implatados nos cromossomos, estes funcionando dentro dos núcleos de suas células, estas embutidas nos tecidos, e assim por diante. Todos esses níveis estão envolvidos em interações mútuas que influenciam o desenvolvimento do organismo e resultam em amplas variações da 'cópia genética' ".

Ainda mais recentemente, o fascínio do determinismo genético deu origem a uma teoria que reabilitaria o próprio Joseph Mengele frente à comunidade científica: a sociobiologia, na qual todo o comportamento social é entendido como predeterminado, ou mesmo totalmente determinado pela estrutura genética. Vários críticos apontaram para o perigo que esta teoria representa, inclusive por dar uma base pseudo-científica para o racismo. Esta teoria também é conhecida como o neodarwinismo social.


Duas visões de mundo
A distinção fundamental entre uma perspectiva reducionista e uma outra de conjunto, ou sistêmica, é representada por duas abordagens paradigmáticas amplamente distintas: a abordagem mecanicista (reducionista) e a abordagem holísitca (do grego holos, totalidade). A ênfase básica e característica da ciência acadêmica oficial, nos últimos três séculos e meio, tem sido mecanicista-reducionista. Na verdade, o tão caro vocábulo científico análise bem ilustra o hábito, ou melhor, a crença, de que o único processo válido de pesquisa científica é o da dissecação de um problema, separando seus componentes, para o resolver. Só que, hoje em dia, a análise leva sempre a mais análise, e, frequentemente, o problema original fica sem solução. Se pegarmos o exemplo do quebra-cabeças, poderemos chegar à conclusão de que existem problemas que só se solucionam quando temos uma visão de conjunto, casos esses em que o todo possui característcas bem mais específicas que as suas partes constituintes.
O aspecto mecanicista-reducionista que se apresenta na ciência atual se consolidou definitivamente com os extraordinários sucessos da física clássica dos séculos XVIII e XIX, e ficou ainda mais forte com o desenvolvimento da teoria atômica da matéria. Com o exemplo dado pela física, e o grande reconhecimento que esta ciência obteve nos meios intelectuais, não é de se surpreender que a biologia e, ainda mais, a medicina tenham enveredado pelo mesmo caminho, obtendo sucessos estrondosos em deslindar as bases moleculares da vida, tendo como um dos pontos altos a descoberta dos componentes e da estrutura, por exemplo, do DNA. Todo esse sucesso condicionou a pesquisa e a escolha de tópicos de estudo que se retroalimentaram, exigindo novos experimentos a análises reducionistas e encorajando, ad infinitum, a replicação do processo e a adoção do mesmo sistema em quase todas as outras áreas da investigação humana resultando em verdadeiras enxurradas de trabalhos cientificistas, em chuvas de aberrações de explicações causais para todo tipo de fenômeno, incluindo os psicológicos e sociais.

Tanto exagero na crença de que o método reducionista é o único válido acabou por provocar reações enérgicas de muitos críticos inteligentes, mas que foram ridicularizadas, minimizadas ou abafadas pelo status quo da ciência normal padrão. Só que o próprio procedimento científico começou a se mostrar impotente para solucionar inúmeros problemas importantes, o que abriu um espaço para que estas críticas pudessem, finalmente, ser ouvidas e aceitas. Arthur Koestler, por exemplo, deixou muito claro uma das principais mazelas desta abordagem: "Ao se negar um lugar para os valores, um sentido e um objetivo para a tão decantada interação casual de forças cegas, a atitude reducionista acabou por lançar a sombra de sua influência para além dos confins da ciência, afetando todo o nosso clima cultural e político". Ou seja, as tentativas para explicar a nossa existência e a de todos os organismos vivos como se nada mais se tratassem a não ser de aglomerados atômicos casualmente formados levou a um processo de desvalorização moral e de uma supervalorização mercantil, egoísta e hedonista da vida, linearizando a própria existência como uma coisa fútil, acidental e sem sentido.
O neurobiofisiologista britânico Donald MacKey chama esta atitude reducionista em biologia de "nada mais que". Ele tenta exemplificar o atual estado de coisas na abordagem biomédica usando como exemplo um letreiro luminoso. Neste instrumento, um conjunto de lâmpadas acendem e apagam alternadamente com o propósito de transmitir uma mensagem. Qualquer engenheiro elétrico poderia descrever exatamente o modo como funciona o letreiro em termos da teoria dos circuitos elétricos. Mas ele seria ridículo se afirmasse que a função desta máquina é apenas o de acender e pagar lâmpadas devido a pulsações elétricas num circuito elétrico complexo. A função do letreiro é o de passar mensagens. E estas se utilizam do substrato eletro- físico para expressar estas mensagens. Na verdade, a descrição do engenheiro está correta, mas muito incompleta, pois não mencionou o fundamental: a mensagem. O conceito de mensagem, de informação, está além do referencial teórico do engenheiro, assim como o de psique está frequentemente fora do referencial teórico de um neurologista. Estas limitações, porém, só se tornam evidentes quando a operação de exibição como um todo é levado em consideração: a mensagem que o letreiro expressa está num nível acima do nível dos circuitos elétricos: ela está num nível holístico.

Outra crítica profunda feita à concepção mecanicista da vida deve-se ao Prêmio Nobel de Química, 1977, Ilya Prigine. Ele demonstrou que a ciência normal teima em retratar a vida em consonância com a ideologia cultural dominante na ciência, ou seja, como um acidental processo linear, ocorrido ao acaso. Um acidente especial que, a partir de então, se encontra numa fútil luta quixotesca contra a imperioso segunda lei da termodinâmica, que impele os sistemas químico-físicos a bsucarem um equilíbrio térmico, o que, em termos orgânicos, teria como resultado o esgotamento funcional do sistema vivo. Mas Prigogine demonstrou que isso não ocorre em sistemas complexos. Certas reações químicas têm a especial capacidade de manterem o grau de entropia baixo, como ocorre nos seres vivos. Através do estudo das chamadas Estruturas Dissipativas, Prigogine chegou ao entendimento da ordem através da flutuação, ou seja, em condições dinâmicas de troca de informações e matéria com o meio, um equilíbrio dinâmico, longe do que ocorre em estrutras fechadas, como as máquinas. Esse princípio não se limita a processos químicos complexos, mas se estendem aos domínios dos átomos, células, pessoas e galáxias.

Prigogine demonstrou, juntamente com outros biólogos sistêmicos, que um organismo biológico é um sistema aberto, cuja saga evolutiva os tornam aptos a assegurar a vida em regimes dinâmicos de trocas com o meio. Eles são sistemas autotranscendentes e auto-organizadores, coisa que falta às máquinas convencionais, que são sistemas fechados. Esta tendência do organismo de se auto-atualizar e de se autorealizar também tem uma importância fundamental para a Psicologia, notadamente a Psicologia Humanista, como a de Carl Rogers, a Psicologia Holística, como a de Kurt Goldstein, e a Psicologia Transpessoal.

Como muito bem nos fala o físico Paul Davies em seu livro Deus e a Nova Física, ninguém pode negar que um organismo é uma coleção de átomos, moléculas, tecidos, etc. O erro está exatamente em se supor que ele é nada mais que isso. Semelhante pretensão, logicamente, é tão ou mais ridícula quanto dizer que a Nona Sinfonia de Beethoven nada mais é que uma coleção de notas, ou que um poema de Augusto dos Anjos é apenas um conjunto de palavras, embora seja exatamene isso que muitos cientistas dizem quando falam dos processos biológicos e até mesmo psicológicos. A vida, o tema de uma sinfonia ou o enredo de um romance são qualidades que emergem do nível mais basico de seu substrato físico, e não podem ser percebidas a nível de seus componentes.

O fato de um conceito ser abstrato em vez de concreto ou substancial não o torna, por isso, irreal ou ilusório. O pensamento de uma pessoa não pode ser pesado ou medido, e nem ocupa nenhum lugar no espaço e, contudo, ele é parte integrante do que ela é. Conceitos como sonhos, entropia, informação não envolvem objetos ou corpos defindos, mas relações e condições entre objetos, ou entre idéias, e se destacam deles. Muitos dos antigos problemas do entendimento da vida desaparecem quando se considera que conceitos "abstratos" e de alto nível - como o de software - podem ser tão reais como as estruturas concretas e de baixo nível que as suportam - o hardware. O nosso mundo está cheio de coisas que não são nem misteriosas nem fantasmagóricas, mas que tampouco são constituídos de tijolinhos atômicos. Pena que as pessoas não pensem muito nisso, pois as conclusões e conseqüências disso tudo seriam consideráveis. "Essas coisas não são objetos físicos com massa ou composição química definidas, mas tampouco são objetos puramente fantasiosos, como o valor do número grego Pi, que é imutável e não pode ser localizado no espaço ou no tempo. Estas coisas têm um lugar de nascimento e uma história. Podem mudar e é possível que lhes aconteça algo. Podem mover-se tanto quanto uma espécie, uma doença ou uma epidemia. Não devemos supor que a ciência atual nos ensina que tudo o que se pretende estudar seriamente se pode identificar como um conjunto de partículas movendo-se no espaço e no tempo. Poder-se-á talvez pensar que é senso comum - ou até muito bom pensamento científico - supor que cada um de nós não passa de um ser particular, um organismo físico montado de forma compreensível - um montão de átomos em movimento - mas, na realidade, esta idéia revela uma falta de imaginação científica, não uma sofosticação fora do vulgar. Não é necessário acreditar em fantasmas para que se acredite no Eu, que tem uma identidade que transcende qualquer corpo vivo em particular" - D. R. Hosfstadter. (Davies, s/d, pág. 93).

O fato muito pouco percebido é o de que a visão de mundo que a ciência normal nos dá é condicionado por um paradigma, uma ideologia culturalmente determinada que estabelece, a priori, o modo como o mundo deve se comportar para que faça sentido dentro dos pressupostos básicos do paradigma adotado pela comunidade científica. Nossa percepção de mundo é condicionada pelos conceitos que nos foram passados pela nossa formação e educação intelectual. Conceitos clássicos de matéria e energia, tempo e espaço, causalidade linear, entre outros, contribuiram de modo definitivo para o estabelecimento de valores e expectativas "lógicas" que determinam a explicação e o entendimento de fenômenos, bem como na formulação de teorias compatíveis como o background perceputal adotado. Este peso cultural, que é inconsciente, representa um risco. Em face de uma ciência oficial - sustentada nos moldes de uma estrutura econômica e de relações de poder cristalizadas - que se associa a um complexo de noções como causalidade, determinismo, mecanicismo, racionalismo, surgiu um conjunto de temas humanos que são estranhos a este corpo de concepções, como o de vida, liberdade, etc. Não reconhecendo qualquer lugar para estas concepções dentro de sua estrutura, a ciência clássica viu esses temas se tornarem pontos de fixação que serviram de base para o seu questionamento valorativo. A partir de então, ficou claro que tinhamos montado anteriormente uma ciência que procurava obter o máximo controle sobre a natureza, e, para isso, era muito bom que buscássemos ve-la como uma máquina. Ficou claro, assim, que os problemas que marcam uma cultura têm uma grande influência no conteúdo e no desenvolvimento das teorias científicas.

É necessário que prestemos atenção ao fato de que nossa visão de mundo condiciona nossa percepção das coisas. Devemos resgatar a importância da distinção de níveis para não cairmos na presunção de que nossa "especialidade" pode ser generalizada para tudo. Por exemplo, todos os jovens que gostam de computação sabem muito bem distinguir, no funcionamento do computador, dois níveis diferentes de realidades que, juntas, explicam como a máquina funciona. Temos o nível físico denomindo hardware e o nível lógico, denominado software. Ambos os níveis explicam muito bem determinado aspecto do funcionamento do computador, mas nenhum dos dois se mantêm para explicar o desempenho total da máquina. Eles decrevem muito bem coisas que se encontram em níveis conceptuais inteiramente diferentes. Tudo depende do que se pretende saber, mas a visão que emerge das duas abordagens é a mais próxima da realidade, pois nenhuma das duas, isoladas, pode ser a única correta.

Todos os programadores, técnicos, operadores e pessoas que mexem com computadores sabem que não existe incompatibilidade entre conexões causais a nível de hardware e software. Da mesma forma, pegando a deixa e fazendo uma comparação, o cérebro humano consiste em bilhões de neurônios, zumbindo interminavelmente, cada um deles ignorando o plano do conjunto cérebro (como provavelmente uma formiga desconhece o sistema formigueiro em toda a sua complexidade). Este mundo primário dos neurônios em si é o mundo físico, ou bio-físico e bio-químico, que forma um hardware. Por outro lado, temos pensamentos, sentimentos e emoções. Este outro nível superior, e mais abstrato, totalizante e mental, ignora o funcionamento das células cerebrais; podemos pensar alegremente ignorando totalmente a ajuda que os neurônios nos prestam. Mas o fato de que o nível do hardware ser regulado pela lógica da bioquímica não entra em contradição com o fato de o nível do software ser ilógico ou emocional, regido por leis psicológicas mais complexas, do mesmo modo que um romance bem escrito, rigidamente fiel às regras da gramática, não impede que seus personagens possam se comportar de maneira totalmente irracional. Exigir que a vida se comporte do modo que pensamos ser o mais racionalmente correto é querer confundir a realidade com nossos desejos do que qeremos que ela seja. Implica em confundir os níveis de percepção. Parece não existir qualquer razão para que a mente não possa evoluir no tempo, embora não possa localizar-se no espaço (Davies). Desta forma, disciplinas psicológicas que se fundamentam em teorias como o behaviorismo e a psicanálise clássica precisam ser revistas, por se basearem na concepção clássica mecanicista de reação à forças mais ou menos independentes do indivíduo.

Uma área em que as limitações da abordagem reducionista fica muito evidente é o da neurobiologia. O sistema nervoso é um sistema integrativo, holísitco por excelência. Questões como as que envolvem a percepção, a memória e a inteligência não podem ser compreendidas apenas no âmbito de uma estrutura reducionista. Como disse Paul Weiss, eminente biólogo e ecologista, "não existe nenhum fenômeno em um sistema vivo que não seja molecular, mas tampouco existe um que seja unicamente molecular". Francis Crick, por sua vez, nos diz que "todo o trabalho biológico genético e molecular dos últimos sessenta anos pode ser considerado um longo interlúdio. (...) Agora que esse programa foi completado, temos de voltar ao princípio - de voltar aos problemas deixados para trás sem solução. Como um organismo ferido se regenera? Como é que o zigoto forma o organismo?".

Como muito bem expressou Sidney Brenner, "nos próximos 25 anos teremos de ensinar aos biólogos uma outra linguagem. (...) O que se almeja, penso eu, é resolver o problema fundamental da teoria de sistemas elaborados. (...) E aí nos deparamos com um grave problema de níveis: talvez seja um erro acreditar que toda a lógica está no nível molecular. Talvez seja preciso ir além dos mecanismos de relógio".(Capra, 1986, p.115)

Bibliografia:

Boff, Leonardo. A Águia e a Galinha - Uma metáfora da condição Humana. Vozes, Petrópolis, 1997.

Capra, Fritjof. A Teia da Vida. Editora Cultrix, São Paulo, 1997.


Capra, Fritjof. O Ponto de Mutação. Editora Cultrix, São Paulo, 1986.

Capra, Fritjof. O Tao da Física. Editora Cultrix, São Paulo, 1985.

Brandão, Dênis & Crema, Roberto. O Novo Paradigma Holístico. Summus Editorial, São Paulo, 1992

Crema, Roberto. Introdução à Visão Holística. Summus Editorial, São Paulo, 1988.

Davies, Paul. Deus e a Nova Física. Coleção Universo da Ciência. Edições 70, Liboa, s/d.

Grof, Stanislav. Além do Cérebro. Editora McGraw Hill, São Paulo, 1988

Gaarder, Jostein. O Mundo de Sofia. Companhia das Letras, São Paulo, 1995

Guimarães, Carlos. Percepção e Consciência. Ed. Persona, João Pessoa, 1996

Perrault, Gilles (organizador). O Livro Negro do Capitalismo. Ed. Record, Rio de Janeiro, 1999