Presidente da Comissão Europeia condenou veementemente o atentado terrorista à democracia
(Foto: John Thys/Pool via REUTERS/File Photo | Marcelo Camargo/Agência Brasil
247 - A presidente da Comissão Europeia, órgão Executivo da União Europeia, Ursula von der Leyen, condenou o atentado terrorista à democracia promovido por bolsonaristas em Brasília no domingo (8), que deixou as sedes dos três poderes desfiguradas e causou um dano material inestimável.
"Condeno veementemente o atentado à democracia no Brasil. Esta é uma grande preocupação para todos nós, os defensores da democracia. Meu total apoio ao Presidente Lula, que foi eleito de forma livre e justa", tuitou von der Leyen.
O Embaixador da União Europeia no Brasil disse estar "seguindo com grande preocupação os atos antidemocráticos e as ações violentas na Praça dos Três Poderes, em Brasília".
Na cerimônia de posse de Silvio Almeida, o novo Ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, foi enfatizada a resistência contra o desmonte perpetrado por Damares Alves, a relevância da Comissão de Mortos e Desaparecidos, foram saudados os funcionários do Ministério que resistiram, os ex-Ministros, os Ministros presentes, os deputados presentes, os novos Secretários.
Mas houve um lapso no evento.
Primeiro, devido ao namoro, e, depois, ao casamento, acompanhei de perto o que foi a luta e a dedicação da procuradora da República Eugênia Gonzaga, a grande esquecida do evento, à frente da Comissão dos Desaparecidos.
Por indicação de Paulo Abrahão, da Comissão de Anistia, a então Ministra Ideli Salvatti indicou Eugênia para presidia a Comissão dos Desaparecidos, há um ano sem presidente. Ela já se destacara no MPF como precursora da luta pela memória e verdade, e pela punição dos crimes da ditadura.
Eugênia foi convidada a comparecer à primeira reunião. Disse que esperaria a nomeação sair no Diário Oficial, para não ser acusada de intrometida, se a nomeação não saísse.
Não saiu. Imaginamos que pudesse ter havido veto militar. Conversei com o Ministro da Defesa Celso Amorim, que descartou a hipótese. O esclarecimento veio logo depois: a nomeação precisava da assinatura do Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso, e ele não era muito afeito às rotinas burocráticas do Ministério.
Enfim, a nomeação saiu. E pude acompanhar, de perto, o poder de transformação de um funcionário público responsável, quando armado de ideais e sem receio de avançar nos limites do cargo.
Nem digo de Eugênia embrenhando-se nas trilhas de Foz do Iguaçu, indo aos sertões da Bahia, viajando para o Araguaia, atrás de ossadas. Nem os questionamentos que fez ao Exército, atrás de documentos ocultos.
Poderia mencionar o centro de necrópsia montado na Unifesp, seu empenho em conseguir especialistas internacionais para dissecar as ossadas, a alegria que teve quando foram identificados os restos mortais de um espanhol, morador da Venezuela, preso pela polícia política e torturado até a morte por ter sido encontrado, em sua bagagem, livros de filosofia.
Acompanhei Eugenia em uma pizzaria, para a qual foram convidados os filhos do espanhol, que tinham passado a vida julgando terem sido abandonados pelo pai.
O que me impressionou, fundamentalmente, foi o acolhimento dado às famílias, seu empenho em conseguir os certificados de óbito ou a correção dos certificados falsos, o encontro que organizou em Brasília com familiares, no qual Deborah Duprat – a então Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão -, pediu oficialmente desculpas, em nome do Estado brasileiro.
Acompanhei sua luta quando veio o terremoto Bolsonaro, providenciando um lugar seguro para as ossadas não periciadas. E, especialmente, sua reação quando Bolsonaro atacou o pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, morto pela ditadura. Eugênia deu entrevistas a vários veículos criticando duramente a grosseria de Bolsonaro.
Como a nomeação de Eugenia foi por decreto presidencial, Damares ainda não havia conseguido de Bolsonaro sua demissão. A demissão veio no dia seguinte. Demitida, convocou uma coletiva no auditório do Ministério Público Federal de São Paulo e repetiu todas as críticas contra Bolsonaro. A crítica foi repercutida até pelo Jornal Nacional.
Depois, vi seu empenho e a maneira como desmanchou a primeira tentativa de Bolsonaro de avacalhar com a Comissão: a indicação do procurador Ailton Benedito, um direitista radical, como representante do MPF. A indicação foi apresentada ao CNMP e Ailton já tinha assegurado maioria de votos, incluindo o da PGR Raquel Dodge. Para vetar, Dodge teria que apontar alguma falta funcional de Ailton. Ele foi autor de medidas desmoralizantes para o MPF, como intimar o Itamaraty a investigar suposta aliciamento de brasileiros para trabalhos digitais na Venezuela. Promoveu enorme estardalhaço até se dar conta de que se tratava da Vila Brasil, em Caracas. Mas não era suficiente para vetar seu nome.
Mas havia um argumento imbatível que não foi lembrado pelo CNMP: Eugênia havia sido indicada presidente da Comissão pela presidente da República. Logo, não era representante do MPF. O representante era Ivan Marx, que continuava no cargo. Logo, não havia a suposta vaga.
Antes que o erro se consumasse, ela conseguiu que o subprocurador Nicolao Dino pedisse vistas do processo. E providenciou, junto a familiares, para que descendentes comparecessem à audiência seguinte, para sensibilizar o Conselho. A fala de um neto de Rubens Paiva, o parlamentar assassinado pela ditadura, e principal alvo da ira de Bolsonaro, foi fundamental para que Dodge mudasse o voto e não indicasse Ailton – poupando a Comissão de uma ofensa moral.
Nos meses seguintes, veio a vingança. Damares indicou para presidente da Comissão, Marco Vinicius Pereira de Carvalho, procurador do município de Taió, em Santa Catarina, um bolsonarista de quinto escalão, tão despreparado que denunciou Eugenia ao CNMP, por fazer “advocacia administrativa” para os familiares das vítimas. A “advocacia administrativa”, no caso, consistia em obter as certidões de óbito, principal objetivo da Comissão.
Não deu em nada.
No Fórum Social de Porto Alegre fomos a um jantar. Lá estava a ex-presidente Dilma Rousseff. Ao nos ver, veio em nossa direção dizendo:
Não vim conversar com você, Nassif. Vim cumprimentar a Eugenia e dizer do meu orgulho em tê-la nomeado para a Comissão de Mortos e Desaparecidos.
Na posse de Silvio, enquanto ele recitava um discurso histórico, todas essas lembranças passavam pela minha mente. Ao meu lado, Eugênia, emocionada com o discurso, com as promessas de volta dos princípios de memória e verdade, da justiça de transição e aliviada com a possível indicação de Nilmário Miranda, para presidir a Comissão. É a melhor saída, me dizia ela, porque ele terá o poder da caneta.
Nem se importou por ter sido barrada na porta, apesar do convite enviado, de ter sido ignorada no evento. O que valia é que as bandeiras que defende voltaram a ser empunhadas, em uma dimensão inédita. E as famílias de corpos ainda não localizados, voltarão a ter esperança de dar um enterro digno aos seus.
Voltei com a certeza de que o Ministério dos Direitos Humanos tem um grande Ministro. E eu me casei com uma mulher notável.
Grande cronista, e anticomunista ferrenho, em muitas de suas crônicas dos anos cinzentos, Nelson Rodrigues saudava Roberto Marinho. Dizia ele que O Globo era o único jornal em que os jornalistas seguiam a linha definida pela casa. De fato, Roberto Marinho e “meus comunistas” – como eram tratados por Marinho – viviam em perfeita harmonia, seguindo uma máximo pacificadora: o dr. Roberto mandava, eles obedeciam.
E essa coerência foi mantida ao longo das décadas e dos golpes.
No período Lava Jato-impeachment transcendeu. Os bravos colegas celebraram a condução coercitiva de 40 funcionários do BNDES, caçoaram da filha de Garotinho chorando desesperadamente, enquanto o pai era arrancado de maca de um hospital; celebraram a condução coercitiva de Lula e, depois, a sua prisão.
De repente, não mais que de repente, uma cauda do cometa Kohoutek se desprendeu e caiu sobre a redação do jornal. E os jornalistas e colunistas viram Jesus.
O mais ferrenho dos direitistas, que chegou a ir a Salvador para recepcionar a blogueira cubana bancada pela CIA, fez uma autocrítica pública, por ter apoiado o impeachment.
A jornalista de economia, que sempre seguia a Bíblia do mercado, abjurou e defendeu políticas a favor dos pobres. Uma entrevista favorável a Fernando Haddad passou toda a manhã na home do jornal. E um documentário sobre a prisão de Lula provocou tuítes repletos de emoção por parte dos jornalistas de casa.
Chamo a atenção para reforçar o que dizia Nelson Rodrigues sobre a casa. Mas, também, para mostrar a aliança esboçada com Lula daqui para frente. Longe de mim duvidar da sinceridade dos colegas. O que ocorreu foi que a Globo afrouxou as correntes ideológicas por uma razão muito objetiva.
Nas últimas décadas, enquanto a Globo esmerava-se em destruir o PT, e exibia sua musculatura mandando Edir Macedo para a cadeia, os neopentecostais montavam uma rede mais influente que a da própria Globo, porque composta por emissoras de rádio e TV e reforçada por pregação presencial e por financiamento dos fiéis: um modelo de negócios campeão.
No início da abertura da mídia televisiva, conversei com um executivo da Record que previu o fim do domínio da Globo, por uma razão simples: ela montou uma estrutura super-cara, que lhe assegurava o monopólio da audiência e dava retorno financeiro. Seus contratos permanentes com artistas e jornalistas garantiam que a imagem Globo jamais seria aproveitada por outra emissora.
Os tempos passaram, o streaming chegou para ficar, a economia entrou em crise, o governo cortou os financiamentos e, mais que isso, a sombra assustadora do bolsonarismo pairou sobre o futuro da empresa. A Globo passou a investir todas suas forças na Globoplay, contando com um caixa reforçado, mas receitas cadentes.
A partir daí, de forma muito mais rápida que seus concorrentes – e a Globo sempre foi a maior por sempre recorrer à melhor estratégia – tomou-se de paixão por Lula.
Criou uma simbiose curiosa: a Globo precisa de Lula; e Lula precisa da Globo. Nos próximos anos haverá uma furiosa disputa de narrativas e pelo menos dois anos espinhosos para o novo governo.
Dois porcos-espinhos dormirão abraçados de noite e batalharão na mesma frente de dia, como irmãos de fé. Só não vale beijo na boca.
Nos últimos meses, abandonaram a Lava Jato – Lava Jato? o que é isso? -, esqueceram o cano de esgoto permanente do Jornal Nacional, jogaram Sérgio Moro ao mar de detritos da história. Mas não fizeram a autocrítica. Ou talvez, fizeram, no documentário sobre os mais de 500 dias que Lula passou preso, jogado na cadeia pela TV de Sérgio Moro.
Nassif, eu represento uma família em que, graças ao empenho de Eugênia, teve duas certidões de óbito de familiares corrigidas e rescritas, repondo a trágica verdade histórica do massacre operado pelo estado brasileiro contra cidadãos indefesos.
Meu irmão, Stuart Edgar Angel Jones, torturado até morrer por sufocamento, com os pulmões queimados pela fumaça de óleo diesel aspirada, enquanto ele era arrastado pelo pátio da Base Aérea do Galeão, amarrado ao cano de descarga do Jeep.
Minha mãe, Zuleika Angel Jones – Zuzu Angel, emboscada numa madrugada de 14 de abril de 1976, por agentes do estado, que forjaram um “acidente” fatal, atirando-a para fora da estrada, num viaduto da Barra, à saída do túnel que hoje leva seu nome. Ela, sozinha, destemida, conduzindo seu Karman Ghia, mesmo sofrendo sucessivas ameaças daquela gente “do mal”.
Esse empenho de Eugênia em relação a memórias que tanto interesse despertavam na mídia certamente também contribuiu para a perseguição empreendida contra ela.
Assim como Eugênia, fico confortada por saber novamente empunhadas essa bandeira de luta, e por pessoa comprometida com ela como Nilmario Miranda. Assim como você, Nassif, sei que Eugênia tem ainda muito a contribuir para a causa dos mortos e desaparecidos, e que nós, familiares, precisamos dela em apoio a nossa infindável busca.
O desprezível ex-Presidente dizia que “quem gosta de procurar osso é cachorro”.
Nós, familiares, eternos perdigueiros da verdade, louvamos a sorte por ter tido Eugênia como condutora nessa busca, e esperamos continuar a tê-la.
GGN. - Após subir a rampa do Palácio do Planalto e receber a faixa presidencial das mãos de representantes do povo brasileiro, o presidente Lula (PT) fez um discurso pedindo união nacional e, visivelmente emocionado, falou que vai trabalhar prioritariamente para acabar com as profundas desigualdades sociais e suas mazelas.
“Aos que optaram por outros candidatos, vou governar para todos os brasileiros”, disse Lula. “A ninguém interessa um País em permanente pé de guerra e desunião entre famílias. (…) Chega de ódio e fake news, armas e bombas. Nosso povo quer paz para trabalhar, estudar, cuidar da família e ser feliz”, pontuou o presidente.
Lula endossou o discurso feito ao final da disputa eleitoral, quando ele derrotou o então presidente Jair Bolsonaro, o primeiro na história da redemocratização a perder a reeleição.
“Repito o que disse no meu pronunciamento sobre a necessidade de unir o País: não existem dois brasis, somos um único País, um único povo, uma grande Nação”, frisou Lula. “Divididos, seremos sempre o País do futuro que nunca chega e em dívida permanente com seu povo.”
Lula disse que “a volta da fome é o mais grave crime cometido contra o povo brasileiro” e listou o desmonte e as decisões do governo Bolsonaro que fizeram o País regredir nos últimos 4 anos.
Ao falar que foi eleito para reduzir as desigualdades sociais, Lula foi às lágrimas ao lembrar dos sinais de pobreza da população, citando como exemplo as pessoas que pedem dinheiro ou comida nos semáforos das grandes cidades. Ele também chocou ao lembrar da fila de pessoas famintas nas portas de açougues, à procura de “ossos para aliviar a fome”, enquanto os mais ricos faziam fila para “comprar jatinhos”.
“É inadmissível que 5% mais ricos do País detenham a mesma fatia de renda dos outros 95%”, disse Lula. “Tamanho abismo social é obstáculo à construção de sociedade verdadeiramente justa e democrática“, acrescentou.
Lula também disse que é inaceitável o racismo, a discriminação das mulheres no mercado de trabalho e a afronta aos povos indígenas e seus territórios. Ele ressaltou a recriação de ministérios que defendem as chamadas minorias.
Leia o discurso na íntegra abaixo:
Discurso do presidente Lula no Parlatório do Palácio do Planalto
Quero começar fazendo uma saudação especial a cada um e a cada uma de vocês. Uma forma de lembrar e retribuir o carinho e a força que recebia todos os dias do povo brasileiro – representado pela Vigília Lula Livre –, num dos momentos mais difíceis da minha vida.
Hoje, neste que é um dos dias mais felizes da minha vida, a saudação que eu faço a vocês não poderia ser outra, tão singela e ao mesmo tempo tão cheia de significado:
Boa tarde, povo brasileiro!
Minha gratidão a vocês, que enfrentaram a violência política antes, durante e depois da campanha eleitoral. Que ocuparam as redes sociais, e que tomaram as ruas, debaixo de sol e chuva, nem que fosse para conquistar um único e precioso voto.
Que tiveram a coragem de vestir a nossa camisa e, ao mesmo tempo, agitar a bandeira do Brasil – quando uma minoria violenta e antidemocrática tentava censurar nossas cores e se apropriar do verde- amarelo, que pertence a todo o povo brasileiro.
A vocês, que vieram de todos os cantos deste país – de perto ou de muito longe, de avião, de ônibus, de carro ou na boleia de caminhão. De moto, bicicleta e até mesmo a pé, numa verdadeira caravana da esperança, para esta festa da democracia.
Mas quero me dirigir também aos que optaram por outros candidatos. Vou governar para os 215 milhões de brasileiros e brasileiras, e não apenas para quem votou em mim.
Vou governar para todas e todos, olhando para o nosso luminoso futuro em comum, e não pelo retrovisor de um passado de divisão e intolerância.
A ninguém interessa um país em permanente pé de guerra, ou uma família vivendo em desarmonia. É hora de reatarmos os laços com amigos e familiares, rompidos pelo discurso de ódio e pela disseminação de tantas mentiras.
O povo brasileiro rejeita a violência de uma pequena minoria radicalizada que se recusa a viver num regime democrático.
Chega de ódio, fake news, armas e bombas. Nosso povo quer paz para trabalhar, estudar, cuidar da família e ser feliz.
A disputa eleitoral acabou. Repito o que disse no meu pronunciamento após a vitória em 30 de outubro, sobre a necessidade de unir o nosso país.
“Não existem dois brasis. Somos um único país, um único povo, uma grande nação.”
Somos todos brasileiros e brasileiras, e compartilhamos uma mesma virtude: nós não desistimos nunca.
Ainda que nos arranquem todas as flores, uma por uma, pétala por pétala, nós sabemos que é sempre tempo de replantio, e que a primavera há de chegar. E a primavera chegou.
Hoje, a alegria toma posse do Brasil, de braços dados com a esperança.
Minhas queridas amigas e meus amigos.
Recentemente, reli o discurso da minha primeira posse na Presidência, em 2003. E o que li tornou ainda mais evidente o quanto o Brasil andou para trás.
Naquele 1º de janeiro de 2003, aqui nesta mesma praça, eu e meu querido vice José Alencar assumimos o compromisso de recuperar a dignidade e a autoestima do povo brasileiro – e recuperamos. De investir para melhorar as condições de vida de quem mais necessita – e investimos. De cuidar com muito carinho da saúde e da educação – e cuidamos.
Mas o principal compromisso que assumimos em 2003 foi o de lutar contra a desigualdade e a extrema pobreza, e garantir a cada pessoa deste país o direito de tomar café da manhã, almoçar e jantar todo santo dia – e nós cumprimos esse compromisso: acabamos com a fome e a miséria, e reduzimos fortemente a desigualdade.
Infelizmente hoje, 20 anos depois, voltamos a um passado que julgávamos enterrado. Muito do que fizemos foi desfeito de forma irresponsável e criminosa.
A desigualdade e a extrema pobreza voltaram a crescer. A fome está de volta – e não por força do destino, não por obra da natureza, nem por vontade divina.
A volta da fome é um crime, o mais grave de todos, cometido contra o povo brasileiro.
A fome é filha da desigualdade, que é mãe dos grandes males que atrasam o desenvolvimento do Brasil. A desigualdade apequena este nosso país de dimensões continentais, ao dividi-lo em partes que não se reconhecem.
De um lado, uma pequena parcela da população que tudo tem. Do outro lado, uma multidão a quem tudo falta, e uma classe média que vem empobrecendo ano após ano.
Juntos, somos fortes. Divididos, seremos sempre o país do futuro que nunca chega, e que vive em dívida permanente com o seu povo.
Se queremos construir hoje o nosso futuro, se queremos viver num país plenamente desenvolvido para todos e todas, não pode haver lugar para tanta desigualdade.
O Brasil é grande, mas a real grandeza de um país reside na felicidade de seu povo. E ninguém é feliz de fato em meio a tanta desigualdade.
Minhas amigas e meus amigos,
Quando digo “governar”, eu quero dizer “cuidar”. Mais do que governar, vou cuidar com muito carinho deste país e do povo brasileiro.
Nestes últimos anos, o Brasil voltou a ser um dos países mais desiguais do mundo. Há muito tempo não víamos tamanho abandono e desalento nas ruas.
Mães garimpando lixo, em busca do alimento para seus filhos.
Famílias inteiras dormindo ao relento, enfrentando o frio, a chuva e o medo.
Crianças vendendo bala ou pedindo esmola, quando deveriam estar na escola, vivendo plenamente a infância a que têm direito.
Trabalhadoras e trabalhadores desempregados exibindo, nos semáforos, cartazes de papelão com a frase que nos envergonha a todos: “Por favor, me ajuda”.
Fila na porta dos açougues, em busca de ossos para aliviar a fome. E, ao mesmo tempo, filas de espera para a compra de automóveis importados e jatinhos particulares.
Tamanho abismo social é um obstáculo à construção de uma sociedade verdadeiramente justa e democrática, e de uma economia próspera e moderna.
Por isso, eu e meu vice Geraldo Alckmin assumimos hoje, diante de vocês e de todo o povo brasileiro, o compromisso de combater dia e noite todas as formas de desigualdade.
Desigualdade de renda, de gênero e de raça. Desigualdade no mercado de trabalho, na representação política, nas carreiras do Estado. Desigualdade no acesso a saúde, educação e demais serviços públicos.
Desigualdade entre a criança que frequenta a melhor escola particular, e a criança que engraxa sapato na rodoviária, sem escola e sem futuro. Entre a criança feliz com o brinquedo que acabou de ganhar de presente, e a criança que chora de fome na noite de Natal.
Desigualdade entre quem joga comida fora, e quem só se alimenta das sobras.
É inadmissível que os 5% mais ricos deste país detenham a mesma fatia de renda que os demais 95%.
Que seis bilionários brasileiros tenham uma riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões mais pobres do país.
Que um trabalhador ou trabalhadora que ganha um salário mínimo mensal leve 19 anos para receber o equivalente ao que um super rico recebe em um único mês.
E não adianta subir o vidro do automóvel de luxo, para não ver nossos irmãos que se amontoam debaixo dos viadutos, carentes de tudo – a realidade salta aos olhos em cada esquina.
Minhas amigas e meus amigos.
É inaceitável que continuemos a conviver com o preconceito, a discriminação e o racismo. Somos um povo de muitas cores, e todas devem ter os mesmos direitos e oportunidades.
Ninguém será cidadão ou cidadã de segunda classe, ninguém terá mais ou menos amparo do Estado, ninguém será obrigado a enfrentar mais ou menos obstáculos apenas pela cor de sua pele.
Por isso estamos recriando o Ministério da Igualdade Racial, para enterrar a trágica herança do nosso passado escravista.
Os povos indígenas precisam ter suas terras demarcadas e livres das ameaças das atividades econômicas ilegais e predatórias. Precisam ter sua cultura preservada, sua dignidade respeitada e sua sustentabilidade garantida.
Eles não são obstáculos ao desenvolvimento – são guardiões de nossos rios e florestas, e parte fundamental da nossa grandeza enquanto nação. Por isso estamos criando o Ministério dos Povos Indígenas, para combater 500 anos de desigualdade.
Não podemos continuar a conviver com a odiosa opressão imposta às mulheres, submetidas diariamente à violência nas ruas e dentro de suas próprias casas.
É inadmissível que continuem a receber salários inferiores ao dos homens, quando no exercício de uma mesma função. Elas precisam conquistar cada vez mais espaço nas instâncias decisórias deste país – na política, na economia, em todas as áreas estratégicas.
As mulheres devem ser o que elas quiserem ser, devem estar onde quiserem estar. Por isso, estamos trazendo de volta o Ministério das Mulheres.
Foi para combater a desigualdade e suas sequelas que nós vencemos a eleição. E esta será a grande marca do nosso governo.
Dessa luta fundamental surgirá um país transformado. Um país grande, próspero, forte e justo. Um país de todos, por todos e para todos. Um país generoso e solidário, que não deixará ninguém para trás.
Minhas queridas companheiras e meus queridos companheiros.
Reassumo o compromisso de cuidar de todos os brasileiros e brasileiras, sobretudo daqueles que mais necessitam. De acabar outra vez com a fome neste país. De tirar o pobre da fila do osso para colocá-lo novamente no Orçamento.
Temos um imenso legado, ainda vivo na memória de cada brasileiro e cada brasileira, beneficiário ou não das políticas públicas que fizeram uma revolução neste país.
Mas não nos interessa viver do passado. Por isso, longe de qualquer saudosismo, nosso legado será sempre o espelho do futuro que vamos construir para este país.
Em nossos governos, o Brasil conciliou crescimento econômico recorde com a maior inclusão social da história. E se tornou a sexta maior economia do mundo, ao mesmo tempo em que 36 milhões de brasileiras e brasileiros saíram da extrema pobreza.
Geramos mais de 20 milhões de empregos com carteira assinada e todos os direitos assegurados. Reajustamos o salário mínimo sempre acima de inflação.
Batemos recorde de investimentos em educação – da creche à universidade –, para fazer do Brasil um exportador também de inteligência e conhecimento, e não apenas de commodities e matéria-prima.
Nós mais que dobramos o número de estudantes no ensino superior, e abrimos as portas das universidades para a juventude pobre deste país. Jovens brancos, negros e indígenas, para quem o diploma universitário era um sonho inalcançável, tornaram-se doutores.
Combatemos um dos grandes focos de desigualdade – o acesso à saúde. Porque o direito à vida não pode ser refém da quantidade de dinheiro que se tem no banco.
Fizermos o Farmácia Popular, que forneceu medicamentos a quem mais precisava, e o Mais Médicos, que levou atendimento a cerca de 60 milhões de brasileiros e brasileiras, nas periferias das grandes cidades e nos pontos mais remotos do Brasil.
Criamos o Brasil Sorridente, para cuidar da saúde bucal de todos os brasileiros e brasileiras.
Fortalecemos o nosso Sistema Único de Saúde. E quero aproveitar para fazer um agradecimento especial aos profissionais do SUS, pela grandiosidade do trabalho durante a pandemia. Enfrentaram bravamente, ao mesmo tempo, um vírus letal e um governo irresponsável e desumano.
Nos nossos governos, investimos na agricultura familiar e nos pequenos e médios agricultores, responsáveis por 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa. E fizemos isso sem descuidar do agronegócio, que obteve investimentos e safras recordes, ano após ano.
Tomamos medidas concretas para conter as mudanças climáticas, e reduzimos o desmatamento da Amazônia em mais de 80%.
O Brasil consolidou-se como referência mundial no combate à desigualdade e à fome, e passou a ser internacionalmente respeitado, pela sua política externa ativa e altiva
Fomos capazes de realizar tudo isso cuidando com total responsabilidade das finanças do país. Nunca fomos irresponsáveis com o dinheiro público.
Fizemos superávit fiscal todos os anos, eliminamos a dívida externa, acumulamos reservas de cerca de 370 bilhões de dólares e reduzimos a dívida interna a quase metade do que era anteriormente.
Nos nossos governos, nunca houve nem haverá gastança alguma. Sempre investimos, e voltaremos a investir, em nosso bem mais precioso: o povo brasileiro.
Infelizmente, muito do que construímos em 13 anos foi destruído em menos da metade desse tempo. Primeiro, pelo golpe de 2016 contra a presidenta Dilma. E na sequência, pelos quatro anos de um governo de destruição nacional cujo legado a História jamais perdoará:
700 mil brasileiros e brasileiras mortos pela Covid.
125 milhões sofrendo algum grau de insegurança alimentar, de moderada a muito grave.
33 milhões passando fome.
Estes são apenas alguns números. Que na verdade não são apenas números, estatísticas, indicadores – são pessoas. Homens, mulheres e crianças, vítimas de um desgoverno afinal derrotado pelo povo, no histórico 30 de outubro de 2022.
Os Grupos Técnicos do Gabinete de Transição, que por dois meses mergulharam nas entranhas do governo anterior, trouxeram a público a real dimensão da tragédia.
O que o povo brasileiro sofreu nestes últimos anos foi a lenta e progressiva construção de um genocídio.
Quero citar, a título de exemplo, um pequeno trecho das 100 páginas desse verdadeiro relatório do caos produzido pelo Gabinete de Transição. Diz o relatório:
“O Brasil bateu recordes de feminicídios, as políticas de igualdade racial sofreram severos retrocessos, produziu-se um desmonte das políticas de juventude, e os direitos indígenas nunca foram tão ultrajados na história recente do país.
Os livros didáticos que deverão ser usados no ano letivo de 2023 ainda não começaram a ser editados; faltam remédios no Farmácia Popular; não há estoques de vacinas para o enfrentamento das novas variantes da COVID-19.
Faltam recursos para a compra de merenda escolar; as universidades corriam o risco de não concluir o ano letivo; não existem recursos para a Defesa Civil e a prevenção de acidentes e desastres. Quem está pagando a conta deste apagão é o povo brasileiro.”
Meus amigos e minhas amigas.
Nesses últimos anos, vivemos, sem dúvida, um dos piores períodos da nossa história. Uma era de sombras, de incertezas e de muito sofrimento. Mas esse pesadelo chegou ao fim, pelo voto soberano, na eleição mais importante desde a redemocratização do país.
Uma eleição que demonstrou o compromisso do povo brasileiro com a democracia e suas instituições.
Essa extraordinária vitória da democracia nos obriga a olhar para a frente e a esquecer nossas diferenças, que são muito menores que aquilo que nos une para sempre: o amor pelo Brasil e a fé inquebrantável em nosso povo.
Agora, é hora de reacendermos a chama da esperança, da solidariedade e do amor ao próximo.
Agora é hora de voltar a cuidar do Brasil e do povo brasileiro. Gerar empregos, reajustar o salário mínimo acima da inflação, baratear o preço dos alimentos.
Criar ainda mais vagas nas universidades, investir fortemente na saúde, na educação, na ciência e na cultura.
Retomar as obras de infraestrutura e do Minha Casa Minha Vida, abandonadas pelo descaso do governo que se foi.
É hora de trazer investimentos e reindustrializar o Brasil. Combater outra vez as mudanças climáticas e acabar de uma vez por todas com a devastação de nossos biomas, sobretudo a Amazônia.
Romper com o isolamento internacional e voltar a se relacionar com todos os países do mundo.
Não é hora para ressentimentos estéreis. Agora é hora de o Brasil olhar para a frente e voltar a sorrir.
Vamos virar essa página e escrever, em conjunto, um novo e decisivo capítulo da nossa história.
Nosso desafio comum é o da criação de um país justo, inclusivo, sustentável, criativo, democrático e soberano, para todos os brasileiros e brasileiras.
Fiz questão de dizer ao longo de toda a campanha: o Brasil tem jeito. E volto a dizer com toda convicção, mesmo diante do quadro de destruição revelado pelo Gabinete de Transição: o Brasil tem jeito. Depende de nós, de todos nós.
Em meus quatro anos de mandato, vamos trabalhar todos os dias para o Brasil vencer o atraso de mais de 350 anos de escravidão. Para recuperar o tempo e as oportunidades perdidas nesses últimos anos. Para reconquistar seu lugar de destaque no mundo. E para que cada brasileiro e cada brasileira tenha o direito de voltar a sonhar, e as oportunidades para realizar aquilo que sonha.
Precisamos, todos juntos, reconstruir e transformar o Brasil. Mas só reconstruiremos e transformaremos de fato este país se lutarmos com todas as forças contra tudo aquilo que o torna tão desigual.
Essa tarefa não pode ser de apenas um presidente ou mesmo de um governo. É urgente e necessária a formação de uma frente ampla contra a desigualdade, que envolva a sociedade como um todo:
Por isso, faço este chamamento a todos os brasileiros e brasileiras que desejam um Brasil mais justo, solidário e democrático: juntem-se a nós num grande mutirão contra a desigualdade.
Quero terminar pedindo a cada um e a cada uma de vocês: que a alegria de hoje seja a matéria-prima da luta de amanhã e de todos os dias que virão. Que a esperança de hoje fermente o pão que há de ser repartido entre todos.
E que estejamos sempre prontos a reagir, em paz e em ordem, a quaisquer ataques de extremistas que queiram sabotar e destruir a nossa democracia.
Na luta pelo bem do Brasil, usaremos as armas que nossos adversários mais temem: a verdade, que se sobrepôs à mentira; a esperança, que venceu o medo; e o amor, que derrotou o ódio.