terça-feira, 21 de janeiro de 2020

O nazismo militarista autoritário, de Hitler a Bolsonaro, por Wilson Luiz Müller


Pode-se dizer que o fascismo é gênero, o nazismo espécie. Fascismo e nazismo assumirão formas distintas, dependendo dos países e contextos históricos onde são implantados, mantendo porém as características que lhe são intrínsecas.


O nazismo, de Hitler a Bolsonaro

por Wilson Luiz Müller  – Membro do Coletivo Auditores Fiscais pela Democracia (AFD), no GGN

Inverti, deliberadamente, a estrutura normal do texto. Começo anunciando a conclusão, para depois explicar a razão. Temos no Brasil um governo de matiz nazifascista. Para chegar a essa conclusão considero irrelevante que Bolsonaro não seja levado a sério, que seja um mentiroso contumaz, que esteja cercado de idiotas e incompetentes, que seja ele mesmo considerado um idiota (apesar de eu não achar isso, porque ser idiota é diferente do que se fazer passar por idiota). O mais relevante é que ele vem há tempo defendendo um ideário nazista, vem tendo êxito na difusão desse ideário e  ele é presidente da república com poder para implementar seus planos.
É impossível definir nazismo e fascismo sem fazer uso de referências históricas. Mas isso não significa que as experiências do passado devam ser consideradas como modelos absolutos, o que poderia levar à conclusão, equivocada, de não se poder denominar como fascismo ou nazismo as  experiências atuais que não apresentem rigorosamente as características do modelo comparado.
O debate remete a uma outra questão não menos importante: quando Hitler se tornou nazista, ou fascista? Ele já era nazista antes de assumir o poder, quando defendia as mesmas coisas que Bolsonaro, ou se transformou em nazista ao conseguir colocar em prática  a matança dos seus adversários? Se Hitler não tivesse provocado a morte de milhões de pessoas, ele teria passado à historia como nazista ou como um idiota histérico? A mesma pergunta se aplica a Mussolini. Ele assumiu o discurso abertamente fascista na década de 1930, muito anos depois de ter assumido o poder na Itália. Significa que antes disso ele não era fascista?
A pergunta se aplica a Bolsonaro. Ele é nazista faz muitos anos ou só poderá ser nominado como tal depois de colocar em prática  seu plano de matança dos 30 mil, plano anunciado há tempo e seguidamente repetido? Ou apenas quando começar a construir campos de concentração e câmaras de gás? Ou só será nazista  se houver matança de judeus?
O nazismo que se desenvolveu na Alemanha de Hitler é uma variação do fascismo de Benito Mussolini, regime implantado na Itália na década de 1920. Pode-se dizer que o fascismo é gênero, o nazismo espécie. Fascismo e nazismo assumirão formas distintas, dependendo dos países e contextos históricos onde são implantados, mantendo porém as características que lhe são intrínsecas. Assim, não é correto, do ponto de vista dialético, pretender identificar o fascismo a partir da enumeração de uma série de características inerentes ao regime, pois isso implicaria fixar os conceitos a determinadas experiências históricas, gestadas em países e circunstâncias bem específicos.
Fascistas e nazistas como Mussolini e Hitler tem em comum a pretensão de se apresentar como um juiz acima da luta de classes, que não estaria nem subordinado aos interesses corporativos das classes trabalhadoras nem submetido aos ditames e interesses econômicos dos grandes capitalistas. Para cumprir esse papel de juiz imperial, é imprescindível que o governante assuma a condição de ditador, para não ficar preso às pressões e contradições decorrentes da luta entre o capital e o trabalho.
A  tentativa de criar essa ilusão de equidistância visa tirar os trabalhadores da área de influência das organizações sindicais e sociais autônomas, com base no pressuposto de que essas organizações se movem sob a influência da teoria marxista. Com o lado empresarial, o ditador assume a agenda que interessa aos donos do capital, garantindo assim o apoio necessário para impor à força as pautas impopulares ao conjunto do povo.
Por que o debate sobre o nazismo no Brasil assumiu uma outra conotação nos últimos dias?
A estratégia bolsonarista vinha sendo desenvolvida da seguinte forma: vamos falar e nos comportar  como nazistas para defender o ideário nazista.  Mas se nos acusarem de nazistas,  respondemos que ele é de esquerda, como aliás faziam os próprios nazistas no início do seu movimento na Alemanha para confundir os trabalhadores simpatizantes do socialismo.
E aí vem o Alvim e dá com a língua nos dentes para mudar a parte final da estratégia dos bolsonazistas: fazemos tudo igual aos nazistas, e de fato somos nazistas.
Parte da repercussão negativa ante as revelações do linguarudo Alvim veio por conta dos protestos da comunidade judaica e do governo de Israel. Os judeus apoiaram Bolsonaro sabendo que ele era nazista. E certamente irão continuar a apoiá-lo, mesmo sabendo que ele não mudará seu ideário defendido ao longo de sua vida. Com ou sem Alvim, com Rego ou sem Rego no sobrenome, Bolsonaro não deixará de ser nazista. Os  judeus tem história  e sapiência suficiente para saber disso.
Os judeus não são contra o nazismo de Bolsonaro. Mas eles precisavam reclamar da fala de Alvim Rego por ele ter escancarado o fato de que o nazismo de Bolsonaro é o mesmo nazismo de Goebbels. Porque Goebbels foi o grande arquiteto intelectual do holocausto judeu.
Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler, antes do início da segunda guerra mundial, escolheu os judeus como inimigos do povo alemão, assim como antes tinham sido escolhidos os comunistas e os sindicalistas. Esses foram os inimigos de primeira hora dos nazistas;  estavam todos mortos ou  confinados em campos de concentração quando os inimigos do momento passaram a ser os judeus.
Para que seja possível a existência de um regime fascista ou nazista é imperativo que haja sempre, bem à vista do povo, um inimigo poderoso que precisa ser eliminado. Na Alemanha, a vez dos judeus tinha chegado no contexto da estratégia nazista para iniciar a guerra imperialista contra outros países. Goebbels e Hitler argumentavam, e isso tinha forte apelo popular,  que os alemães eram explorados pelos judeus, dentro e fora da Alemanha.
Não há nada, entre as características típicas do nazifascismo, que inviabilize a convivência pacífica de judeus com um regime desse tipo. A ausência de uma contradição essencial entre judeus e nazistas pode ser demonstrada pelo apoio da maior parte da comunidade judaica ao bolsonarismo durante a campanha eleitoral. Foi amplamente noticiado pela mídia corporativa que os empresários reunidos num clube judaico festejaram efusivamente a fala de  Bolsonaro  quando ele insultou e humilhou índios e negros. O que estava fazendo Bolsonaro, naquele momento, não era exatamente a mesma coisa  que Hitler fazia em relação aos segmentos sociais que ele queria oprimir ou eliminar? Do que riram exatamente os empresários judeus?
Riram, os empresários judeus, certamente, porque as afirmações do líder nazista brasileiro lhes soou como música, pois negros e índios expulsos de suas terras significa a possibilidade de novos ganhos e aumento de patrimônio. Demonstra isso que a característica central do nazismo não é um antagonismo entre etnias. O antagonismo principal no interior do nazismo, em qualquer país ou período histórico, é a luta entre os detentores do capital e os trabalhadores. Nessa luta, o governo nazista, combinando dissimulação e violência, assume a função de impor a ferro e fogo a agenda econômica que interessa aos donos dos meios de produção.
No caso do governo Bolsonaro, há uma identificação mais clara com o modelo do nazismo alemão e menos com o fascismo italiano.
O regime nazista de Hitler atuou em duas frentes em relação aos trabalhadores:
  • para atrair simpatizantes ao partido nazista, Hitler e Goebbels criaram uma eficiente máquina de propaganda para espalhar mentiras contra os comunistas, cujo objetivo era gerar pânico e medo; os símbolos e rituais do nazismo, o nome do partido contendo a palavra socialismo, a bandeira vermelha, as falas, eram intencionalmente contraditórios para confundir e atrair os trabalhadores que se organizavam sob influência de teorias marxistas ou anticapitalistas;
  • os líderes dos movimentos sindicais, vários dos quais eram militantes socialistas e comunistas, que não se convenceram com a propaganda do medo e da confusão, foram presos e mortos. Foram tantos militantes presos logo no início do governo nazista, que houve necessidade do regime construir vários campos de concentração.
O apoio popular que Hitler obteve com o uso de sua máquina de propaganda, Bolsonaro obteve com o engajamento da maioria dos pastores das igrejas neopentecostais. Isso demonstra que, para implantar o nazismo, não há necessidade de imitar Hitler em todos os aspectos. O que importa é conseguir montar uma estrutura, que espalhe pânico e desinformação, capaz de manter uma parcela considerável da população disposta a lutar ao lado do ditador contra o inimigo demonizado pela propaganda.
A máquina de propaganda de Hitler e Goebbels é muito semelhante à máquina de mentiras do nazismo bolsonarista. A essência é sempre a mesma: propagar medo, mentiras, ódio e confusão. Os inimigos de Hitler iam mudando conforme avançava a consolidação do regime nazista. O bolsonazismo se concentra no seu maior inimigo, o PT, que no ideário nazista pátrio faz o papel dos comunistas na Alemanha.
A propaganda enganosa inclui a difusão e popularização dos chamados mitos fundantes anunciados pelo ministro da propaganda do governo nazista Roberto Alvim. Mitos fundantes, que como facilmente se pode ver com uma rápida pesquisa na web, são idênticos aos do nazismo original de Hitler.
“A pátria, a família” e “sua profunda ligação com Deus”, conforme nos ensina Alvim. Sempre quando aparecem esses mitos, estamos diante de alguma ideia de fundo nazista.  Em nome desses mesmos mitos fundantes do ministro de propaganda do bolsonazismo, os nazistas alemães trucidaram milhões de pessoas que tinham mitos fundantes diferentes.
A estratégia da propaganda enganosa inclui também o combate farsesco  ao chamado marxismo cultural, conceito que os nazistas brasileiros foram buscar em fonte fidedigna, direto das páginas da obra Mein Kampf, de Adolf Hitler. Nesse caso, como no mais das vezes em quase tudo que dizem e fazem, os bolsonazistas dispensam intermediários; bebem direto na fonte original, o nazismo de Hitler e Goebbels.
É antiga a percepção, entre os que se dedicam a estudar a história,  de que a trajetória de Bolsonaro em muito se assemelha à de Hitler. Para encerrar, reproduzo abaixo um parágrafo do artigo de Oliver Stuenkel (El País 2018). Fica a critério dos leitores tentar descobrir se o texto está falando de Hitler ou de Bolsonaro.
“… era pouco mais do que um ex-militar bizarro de baixo escalão, que poucas pessoas levavam a sério. Ele era conhecido principalmente por seus discursos contra minorias, políticos de esquerda, pacifistas, feministas, gays, elites progressistas, imigrantes, a mídia…porém, 37%  […] votaram no partido dele… Por que tantos eleitores instruídos votaram em um patético bufão que levou o país ao abismo? Em primeiro lugar, […] tinham perdido a fé no sistema político…”
Wilson Luiz Müller – Membro do Coletivo Auditores Fiscais pela Democracia (AFD)

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