terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Gênese de Olavo de Carvalho como "ideólogo" da direita se deu pelas mãos de Augusto Nunes, em "Época", das Organizações Globo

 

Em novo trecho antecipado do 3º volume de Trapaça (no prelo), conta-se como Carvalho ganha espaço na mídia tradicional pela 1ª vez, em 2000



Por Luís Costa Pinto Em 2000, depois de ter dado aquilo a que chamávamos de “golpe de redação” e ter assumido o comando da revista “Época”, publicação fundada pelas Organizações Globo em 1998 sob o controle e a inspiração da dupla de jornalista e publicitário José Roberto Nassar e Flávio Barros Pinto, cuja circulação foi encerrada no ano passado, o jornalista Augusto Nunes estabeleceu como meta para si substituir Evandro Carlos de Andrade como conselheiro editorial da família Marinho. Para tanto, era necessário seguir à risca as determinações emanadas das reuniões de controle editorial dos veículos do conglomerado familiar de Roberto Marinho e de seus herdeiros – os filhos Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto Marinho. Era lógico, àquela altura, que o substituto natural de Evandro, caso ele se aposentasse vez ou morresse precocemente (como terminou por ocorrer, tragicamente. Evandro Carlos de Andrade foi um dos melhores e mais completos profissionais de comunicação que atuou no País na segunda metade do século 20), seria Merval Pereira. Ambicioso, Augusto Nunes queria furar a fila. Antecipo a seguir trecho do primeiro capítulo, “Desencanto. E fim” do 3º volume de Trapaça – Saga Política no Universo Paralelo Brasileiro, que está no prelo e será lançado em março pela Geração Editorial. Haverá pré-venda nas redes sociais e pela Internet. O episódio narrado mostra a gênese de Olavo de Carvalho, que morreu na madrugada desta 3ª feira nos Estados Unidos, como “ideólogo” da extrema-direita brasileira. O primeiro gande espaço concedido a ele foi-lhe dado na revista Época e em substituição esdrúxula e estapafúrdia à coluna assinada pelo jornalista Franklin Martins. Àquela altura, Franklin havia saído de O Globo, onde era diretor da sucursal de Brasília, em razão de desentendimentos com o diretor de redação da publicação, Merval Pereira.Eis a íntegra do capítulo de Trapaça, volume 3:
Desde seus primeiros dias no comando editorial de Época, Augusto Nunes tratou de mudar quase tudo na redação. Começou mexendo na sala que herdara do diretor anterior. Nassar despachava dentro de um espaço envidraçado, podendo ver e ser visto por todos os editores e repórteres. Nunes pôs venezianas microperfuradas e películas espelhadas nas vitrines de forma a ser possível enxergar o amplo salão em que ficavam as baias da equipe; mas, ninguém poderia vê-lo. Também levou para seu “aquário” de trabalho uma cadeira de balanço que herdara da avó. Mandou buscá-la em Taquaritinga, cidade onde nasceu. Dizia aquilo a quem perguntava a origem da cadeira, e a quem não perguntava também. Como tinha o hábito de só deixar a redação junto com os primeiros raios de sol, a cadeira de balanço embalaria alguns cochilos durante o expediente.

– Passarei mais tempo aqui do que em casa – alfinetou.

Não era verdade. Augusto Nunes sempre gostou da disputa pelo poder; jamais foi um amigo especial do trabalho ou da notícia – tampouco da verdade. Queria, entretanto, que fosse disseminada a impressão de sua onipresença. Era adepto da imposição da autoridade pelo terror, à guisa de virtudes.

Ao retornar do Rio, numa terça-feira à noite, chamou-me à sua sala. Fechou as venezianas enquanto eu entrava. Estava especialmente agitado, com os olhos azul-piscina particularmente vidrados em mim. Punha o dedo indicador à frente dos lábios como a pedir-me silêncio ou cumplicidade. Não entendi bem.

– Vamos demitir o Franklin – anunciou.

Franklin Martins, jornalista, ex-diretor da sucursal de O Globo em Brasília que me tirou de Veja e me levou para o jornal carioca, conservava uma coluna semanal em Época, por insistência minha, mesmo tendo sido demitido do jornal por Merval Pereira.

– “Vamos”, quem? – perguntei. – A coluna do Franklin é a melhor da revista. Por que o demitir?

– Merval pediu. Franklin é old school.

– Discordo.

– Está decidido. E você comunica isso a ele.

– Eu? Augusto, o Franklin é meu amigo. Foi meu chefe em O Globo.

– Prepare-se: um dia você vai sentar nessa minha cadeira – disse, apontando para o próprio colo. – E se quiser ser um bom diretor-de-redação terá de separar amizade de pragmatismo.

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– Prefiro que você fale com Franklin. Não saberei explicar o porquê de ele ter perdido a coluna.

– Fala você. E na edição desta semana já publicamos o novo colunista. Ligue para o Franklin amanhã.

– Quem é o novo colunista?

– Um filósofo... Olavo de Carvalho. Foi o João Roberto Marinho quem me passou o nome. Entendeu agora?

– Olavo o quê?

– Olavo de Carvalho. É um cara de ideias antagônicas às do Franklin. Escreve bem. Você vai gostar.

Sentia-me derrotado, usado, covarde. No fim da manhã seguinte telefonei para Franklin Martins e comuniquei-o do fim de sua coluna na revista. Ele me tranquilizou dizendo saber que aquela não era decisão minha.

Na quinta-feira à tarde recebi, por e-mail, a primeira coluna do até ali desconhecido Olavo de Carvalho.

Já em 2000, dezoito anos antes de se tornar o preceptor da mixórdia de ignorâncias, calhordices, ódios e violências que marcaram a escalada do bolsonarismo até a Presidência da República, o destino me fez cruzar caminhos com as ideias rastaqueras e o estilo grotesco do influenciador mais eficaz da extrema-direita brasileira.

Li com atenção e curiosidade o primeiro texto de Olavo de Carvalho que me caiu em mãos. Incrédulo, reli. Era chulo, abjeto e reacionário. Decidi apelar por uma revisão na decisão de publicar aquela porcaria que me fora enviada por e-mail. Antes de falar com Augusto Nunes, procurei convencer Ariovaldo Bonas, o lugar-tenente dele, um jornalista capixaba promovido a redator-chefe na configuração augustina da redação da revista das Organizações Globo.

– Bonas, você leu essa coluna do tal Olavo de Carvalho?

– Não. Mas gostei – respondeu-me o redator-chefe de Época, sem deixar margem a dúvidas se era, ou não, um capacho do chefe.

– É uma merda. Não vou pôr essa merda no meu espaço.

– Vai. Pense duas vezes.

– Penso dois segundos para dizer que esse amontoado de estultices não vale estar na revista.

Ele tomou a página impressa contendo o texto de minhas mãos e entrou direto na sala de Augusto Nunes. As venezianas estavam fechadas. Em dois minutos retornou até onde eu estava.

– Publique.

– Não edito essa porcaria.

– Então dê a alguém para editar. Mas, ponha na revista

Designei um assistente e disse a ele que toda semana lhe caberia a missão de cobrar, receber, ler e editar a coluna de Olavo de Carvalho. A partir dali eu nunca mais leria outro texto do “filósofo” de araque. Varei a madrugada na redação. Augusto também. Por volta das cinco horas da manhã ele me chamou para um café e anunciou:

– O Casado será editor de Economia, inclusive de Macroeconomia. Essa parte da revista sai de suas mãos.

Era uma retaliação evidente. Ele curtia a vingança.

– Por que?

– Porque eu quero. A organização da revista será melhor assim.

*****


No link, vá direto ao trecho do programa Sua Excelência, O Fato em que José Dirceu conta como conheceu Olavo de Carvalho em 1966, na Casa do Estudante:

 

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