Agência vencedora da licitação, ainda não finalizada, tem como diretora esposa de subsecretário de Comunicação responsável pelo edital
Reportagem de Patricia Faermann, no Jornal GGN:
Há suspeitas de favorecimento na licitação de R$ 450 milhões para conduzir a publicidade do Ministério da Comunicação do governo de Jair Bolsonaro deste ano. Além de dezenas de indícios de irregularidades no processo licitatório apontados pelas concorrentes, expostos abaixo, a Diretora de Atendimento da agência que saiu vitoriosa é esposa do Subsecretário de Gestão e Normas, Peter Erik Kummer, setor que foi responsável pela produção do edital.
Alessandra Matschinski é casada com Kummer, com quem tem dois filhos, e hoje é diretora de Atendimento na Calia Comunicação, agência de publicidade de São Paulo que obteve a vitória na licitação. Ambos vivem em Brasília, aonde Kummer trabalha.
Antes de assumir o cargo na empresa, Matschinski foi também diretora de Atendimento e de Contas na Agência Nova/SB, de outubro de 2019 até novembro do ano passado. Nesse período, a agência Nova/SB também obtinha contratos junto ao Ministério da Saúde e da Comunicação do governo federal. O GGN não constatou irregularidades nestas licitações e a agência detém contratos com pastas do governo federal desde 2012.
A Calia Comunicação também tem histórico de sair vitoriosa em licitações em contas junto ao Ministério da Saúde e outras pastas do governo federal. Entretanto, acusações de fraude apontadas neste processo licitatório por outras concorrentes e a relação familiar levantaram as suspeitas deste caso.
Como diretora de atendimento, Alessandra Matschinski é responsável por fazer o contato entre a agência e o cliente, neste caso o Ministério das Comunicações. No governo, Peter Erik Kummer é o responsável por coordenar todas as propostas orçamentárias e planejamento de ações de comunicação, incluindo aprovar o conteúdo dos editais de licitação.
O objetivo da pasta era contratar uma agência de publicidade para levar a cabo os serviços publicitários do Ministério das Comunicações do governo Bolsonaro, em ano estratégico eleitoral. O valor oferecido foi de R$ 450 milhões de reais.
Analisado pelo GGN, o edital (acesse aqui) não torna ilícito, de maneira direta, a participação de uma empresa concorrente que tenha entre seus funcionários pessoa com vínculo a membros da pasta. Para que fosse automaticamente desconsiderada, o vínculo familiar ou de interesse deveria ser com o sócio ou administrador da empresa.
Entretanto, a licitação veda expressamente que sejam divulgadas informações sobre o edital de maneira antecipada, antes da abertura do mesmo, e qualquer tentativa da empresa de influenciar a Comissão Especial ou a Subcomissão Técnica, que são os setores responsáveis por acompanhar o processo e avaliar as propostas.
Sem indicativos de que os ilícitos tenham ocorrido, a simples relação familiar da Diretora de Atendimento da agência de publicidade com o Subsecretário de Gestão e Normas permitiria incorrer em qualquer um dos fatos acima.
O edital também proíbe usar “qualquer elemento, critério ou fato sigiloso, secreto ou reservado que possa, ainda que indiretamente, elidir o princípio da igualdade entre as licitantes”, ou seja, que a empresa detenha alguma informação ou cenário que configure uma vantagem sobre as demais concorrentes, o que se configura neste caso.
Suspeitas de irregularidades
As outras empresas participantes da licitação recorreram do resultado, ainda que com o objetivo de obter a aprovação de suas propostas, questionando as pontuações obtidas e a condução do processo licitatório.
A Propeg Comunicação entrou com recurso afirmando que a Subcomissão técnica cometeu erros, ao desconsiderar na avaliação das propostas os critérios fixados pelo próprio edital.
Como em todo processo licitatório, a Subcomissão técnica é sorteada, sendo dois membros do Ministério das Comunicações e um terceiro não ligado à pasta. De um total de 10 pessoas inscritas para participar do sorteio, foram escolhidos o servidor Bruno Martins Marra, assessor técnico da pasta, e Ana Letícia Barreto, atual Subsecretária de Imprensa, colega de Peter Kummer na Secretaria Especial de Comunicação.
A empresa DeBrito Propaganda LTDA. falou em “erro material evidente” sobre a pontuação calculada pela Subcomissão. A alegação é que um dos erros ocorreu na própria somatória dos pontos, gerando uma nota média inferior ao que efetivamente recebeu.
“Nunca na história das licitações algo tão estranho”
Já a Propaganda Desigual LTDA. afirmou expressamente que as agências que foram desqualificadas da licitação tiveram suas propostas “subavaliadas”, enquanto que as aprovadas “tiveram notas deveras superdimensionadas, de modo que qualquer análise técnico-pericial simples demonstraria destoarem dos objetivos dispostos no Ato Convocatório”.
No documento enviado no último 4 de março, a agência alegou, ainda, situações caracterizadas de incomuns em uma concorrência pública, como a divulgação das justificativas técnicas das notas ser publicada 21 dias após à publicação do resultado.
A agência acusou as campanhas da licitante vencedora, Calia, e de outra, a Nova, de a Estratégia de Comunicação Publicitária obter elogios sem, contudo, atender ao briefing, ou seja, o solicitado pelo edital.
A agência Desigual chegou a contratar um estudo de avaliação da correlação estatística das notas, e concluiu que “nunca foi visto na história das licitações de publicidade algo tão estranho como a desproporção entre as notas de uma mesma participante entre critérios vinculantes”. A afirmação foi feita após verificar que, em critérios muito similares ou relacionados, as propostas receberam pontuações muito diferentes.
Por fim, a empresa acusou a Calia, vencedora da licitação, e outras agências participantes de “fortes indícios de identificação”, ou seja, de se identificar antes da etapa correta, ainda no momento da apresentação da proposta.
A identificação é um dos artifícios utilizados para o direcionamento de uma licitação, que segundo a análise da agência, “quem sabe de conluio”, justificaria as notas elevadas e destoantes das demais concorrentes.
Nas disposições finais do edital e a própria Lei de Licitações (nº 12.232) estabelecem que uma concorrência “será anulada se ocorrer ilegalidade em seu processamento e poderá ser revogada, em qualquer de suas fases, por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta.”
Os questionamentos feitos pelas empresas passaram pela etapa de “contrarrazões” na semana passada, quando cada uma respondeu às alegações levantadas nos recursos. O próximo passo será a análise da Subcomissão Técnica e, em seguida, da Comissão Especial de Licitação, que poderão modificar as notas e também o resultado final da licitação.
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