quinta-feira, 10 de março de 2022

Discussão das falhas da mídia na guerra entre Rússia e Ucrânia

 

Falta de sofisticação na análise e o papel dos EUA são alguns dos temas abordados por Luis Nassif, Marcelo Auler e Reginaldo Nasser

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As falhas da atuação da mídia na guerra entre Rússia e Ucrânia tem deixado à mostra uma série de brechas na forma como o tema tem sido explorado, muito por conta de ser um assunto complexo e com uma série de conjunturas que não tem sido discutidas de maneira aprofundada.

O assunto foi um dos temas explorados pelos jornalistas Luis Nassif e Marcelo Auler ao lado de Reginaldo Nasser, professor de relações internacionais da PUC, na TV GGN 20 horas desta quarta-feira (assista o vídeo no final deste artigo).

Na visão de Nassif, a cobertura jornalística tem seguido o mesmo padrão da Lava Jato. “Os colegas são incapazes de criticar a Rússia e, ao mesmo tempo, criticar o presidente da Ucrânia”.

“Temos colocado informações, artigos, o próprio Glenn Greenwald veio aqui mostrando que o que ocorreu de 2014 foi um golpe da ultradireita na Ucrânia, amparado por bilionários ligados ao desmonte da Rússia, um sujeito que era o dono da emissora de televisão que alavancou o presidente da Ucrânia”, diz Nassif.

E o direcionamento dos debates em torno da pauta norte-americana tem sido tão evidente que o filho do presidente Joe Biden recebeu um salário de US$ 50 mil de uma empresa estatal ucraniana – e o assunto foi a razão da saída de Greenwald do Intercept, uma vez que “eles achavam que a guerra era contra o Trump (…)”

Segundo Nassif, o que se tem atualmente é uma incapacidade crônica de analisar os temas por mais de um ângulo. “Você tem uma linha pró-EUA, você tem uma linha clara, você tem a subordinação às agências de notícias, mas você tem uma mediocridade jornalística fantástica (…)”.

Nazistas ucranianos, brasileiros e israelenses

Nassif lembra ainda o caso de nazistas brasileiros que, há alguns anos, foram fazer um curso na Ucrânia. “Assim que entrou esse presidente, o Zelensky, ele incorporou nas Forças Armadas esse exército da ultradireita. Ou seja: um pessoal terrorista, um cara que foi eleito em cima de fake news no mesmo esquema do Bolsonaro aqui”.

E a cobertura majoritária da imprensa não se atenta a esse tipo de assunto, com raras exceções. “Na Globonews nem se fala, é simplesmente ‘o cara é um heroi, toda acusação de nazismo lá é um absurdo porque o cara é judeu’. Gente, se você ouvir algum jornalista falando ‘é um absurdo se acusar de neonazista porque o cara é judeu’, esquece esse jornalista. Ele não tem futuro”, afirma Nassif.

Nassif ressalta que o nazismo é uma ideologia contra minorias e que, entre os anos 20 e 40, as minorias eram os judeus, mas que isso não é uma exclusividade. 

De lá para cá. você teve um movimento de ultradireita que tinha um primeiro-ministro de Israel que era de ultradireita, com os palestinos sendo as vítimas. Então, assim como você tem o brasileiro progressista e o brasileiro nazista, você tem israelense progressista e israelense nazista”, diz Nassif.

“O que acontece: a torcida aí é uma coisa indecente. É indecente porque não é jornalística. Não é jornalística. Quando você pega um caso complexo como esse da Ucrânia, você tem que analisar todos os fatores (…)”, ressalta Nassif. “Eu já escrevi outro dia: a Rússia mente em guerra, os Estados Unidos mentem, a Ucrânia mente, e mente o jornalista que endossa cegamente qualquer dessas posições”.

O foco norte-americano é derrubar a Rússia

O professor Reginaldo Nasser endossa as críticas em torno da mídia, afirmando que tanto o trabalho no Brasil como no exterior tem sido “muito rasteiro, medíocre”, mas que é possível pinçar pontos para traçar um cenário mais amplo.

“Eu li um artigo no NYT – a gente tem que se virar com o que tem. O artigo estava criticando o Putin, mas no meio dele tinham dois parágrafos, um primor para a gente”, diz Nasser.  “O que o cara falava: ele conversou com assessores do alto escalão do Biden, e esses assessores disseram o seguinte: quanto mais pressionar o Putin, pior vai ficar”.

Para Nasser, a guerra nuclear não foi cogitada nem durante o período da Guerra Fria, e não deve ser considerada neste momento.

“Acho o seguinte: tem uma frase do Raymond Aron que é célebre: ‘paz impossível, guerra improvável’. Veja que ele não falou guerra impossível, falou improvável. Pode acontecer? Pode, claro que pode. Mas não é provável, porque tem aquela coisa que é a sigla MAD (Mutual Assured Destruction), que é uma destruição mútua”, diz Nasser.

Na visão do professor de relações internacionais, Vladimir Putin ainda tem muito a gastar, e a arma nuclear é o último recurso. Porém, o que se deve ter em vista – e que é igualmente muito grave – é o foco dos Estados Unidos em derrubar Putin do poder.

“O que você faz quando derruba um presidente como o Putin em uma grande potência? Para ele cair tem que ter guerra civil. Guerra civil, se ele cair em uma guerra civil na Rússia é o caos no mundo”, diz Nasser. “Mas eles (EUA) querem o caos, aí é que está”.

A formação de um novo Taleban?

Nasser lembra que, em dezembro, teve uma reunião do Biden com o Putin. “O Putin entregou uma proposta que está documentada, ele entregou para os meios de comunicação. Tem coisas ali que se pode discutir e era muito razoável, que era a neutralidade e reconhecer as regiões separatistas”, diz Nasser.

Contudo, Biden sequer discutiu a proposta. Ele a desconsiderou. “Nessa mesma matéria, o jornalista escreveu que a comissão da OCDE que faz a verificação nas regiões separatistas de quem está rompendo a trégua dos acordos, identificaram 4 mil violações do governo da Ucrânia (…)”.

De acordo com Nasser, foram 700 inspetores nomeados pela OCDE, e o Putin explorou mal isso. “Tudo isso estava colocado. Essa ideia já estava em dezembro, lá nos EUA. Eles querem derrubar a Rússia, querem acabar com a Rússia (…) (Os EUA) São uns loucos, porque estão jogando armas na população, armas preciosas. Eu quero ver isso depois”, alerta Nasser.

Nasser cita ainda uma entrevista de Hillary Clinton, ex-secretária de Estado dos EUA, onde ela afirma que a estratégia é distribuir armas à população da mesma forma como foi feito no Afeganistão.

“O que aconteceu no Afeganistão: morreram mais de 1 milhão de pessoas, e surgiu a Al Qaeda e o Taleban. É isso, e agora com essas armas lá, são armas muito poderosas que estão tendo sucesso (….) Está jorrando arma lá. Então, veja: a situação não está boa não. Está muito complicada a situação na região inteira e vai complicar mesmo com o cessar-fogo”, diz Nasser.

Veja mais sobre o papel da mídia na cobertura da guerra Rússia-Ucrânia e a análise completa do professor Reginaldo Nasser na íntegra da TV GGN 20 horas.

Clique abaixo e confira!

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