segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Ricardo Noblat: Bestificado, o país assiste às claras a mais uma tentativa criminosa de golpe

 


"A derrota foi uma surpresa para Bolsonaro e Trump. Com a diferença de que Bolsonaro sempre teve o golpe como uma saída para não largar o poder, e Trump apelou para ela na última hora."

A democracia segue em risco, mas tudo vai ficando por isso mesmo




 atualizado 07/11/2022 3:40

Manifestantes pró-Bolsonaro acampam no QG do Exército - MetrópolesVinícius Schmidt/Metrópoles

A extrema-direita brasileira, e parte da direita que lhe paga tributo, tem razão de sobra para se orgulhar: sua tentativa de golpe em curso superou a do 6 de janeiro de 2021 nos Estados Unidos.

Donald Trump preparou o espírito dos americanos para o golpe durante dois meses, período entre sua derrota para Joe Biden e a reunião do Congresso que proclamaria os resultados.

Aqui, Bolsonaro dedicou-se à tarefa desde que participou do comício às portas do QG do Exército, em Brasília, no dia 19 de abril de 2020, onde seus devotos pediram intervenção militar.

À época, ele tinha menos de quatro meses de governo. Dois meses depois, em um quartel do Rio Grande do Sul, pela primeira vez falou em armar os brasileiros para que “não sejam escravos”.

Estimulada por Trump, a invasão do Capitólio, em Washington, reuniu pouco mais de mil pessoas, várias delas armadas, que quebraram o que encontraram e tentaram matar parlamentares.

Foi um crime coletivo que chocou e paralisou o mundo, televisionado para centenas de países, mas que não contou com a participação dos militares nem do alto nem do baixo escalão.

A sublevação, aqui, completa, hoje, uma semana. Não teve nenhum prédio público como alvo dado que a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, foi interditada, e a Praça dos Três Poderes protegida.

Mas os golpistas, que exigem a anulação da vitória do presidente eleito Lula da Silva, bloquearam estradas em todos os estados e ainda estão acampados diante de unidades militares.

Foram cerca de 30 mil nos primeiros dias da semana passada defronte ao Comando Militar do Sudoeste, em São Paulo. Centenas permanecem acampadas defronte do QG do Exército, em Brasília.

Aqui, a ação golpista alimentou-se da indiferença ou da cumplicidade da Polícia Rodoviária Federal, que no dia das eleições retardou no Nordeste o tráfego de eleitores de Lula.

Os bloqueios, quase todos, já foram suspensos, mas caminhoneiros instigados pelo agro que não é pop ameaçam se deslocar até Brasília. A qualquer momento poderão chegar em Cuiabá.

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos prendeu e indiciou mais de 725 pessoas em quase todos os 50 estados do país, mas muitas já foram soltas ou cumpriram penas menores.

Ao menos 225 indivíduos foram indiciados por agressão ou impedimento da aplicação da lei, e 165 se confessaram culpados de crimes federais – dos quais 22 cometeram crimes graves.

Aqui, onde a baderna está longe de acabar, ninguém foi punido até agora. Nem mesmo o diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal e o ministro da Justiça claramente implicados no movimento.

Trump está sendo processado e o Congresso o convocou para depor. Bolsonaro limitou-se a dizer para ministros do Supremo Tribunal Federal que “acabou”, embora acene com uma surpresa.

A derrota foi uma surpresa para Bolsonaro e Trump. Com a diferença de que Bolsonaro sempre teve o golpe como uma saída para não largar o poder, e Trump apelou para ela na última hora.

Bolsonaro empenhou-se durante anos em desacreditar o processo eleitoral, valeu-se dos militares para tal, atacou ministros de tribunais superiores e reuniu embaixadores estrangeiros.

Usou a internet para espalhar notícias falsas, usou e abusou do poder econômico e político, usou e abusou da máquina do governo, e beneficiou-se da compra escancarada de votos.

Perdeu a eleição mais comprada da história do país de 1989 para cá, mas tem 54 dias para não largar o poder. O país assiste bestificado à prática de um crime contra a democracia.

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