segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Jurista Lênio Luiz Streck, no Consultor Jrídico (ConJur), escreve sobre o Ministério Público da Paraíba pondo-se à favor da Lava Jato e contra o Professor Agassiz de Almeida

 

Justiça. Foto: Wikimedia Commons

   Algo inédito está acontecendo na Paraíba. A Constituição já é balzaquiana. Portanto, já se é bem grandinho aos 32 anos  falo não só da CF, como do Ministério Público. Ou não, porque, por exemplo, lá na Paraíba os membros do MP convocaram uma assembleia geral para ver se processam o advogado e professor Agassiz Almeida Filho por ter tido a ousadia de criticar a "lava jato" e derivativa paraibanaHá uma convocação para uma Assembleia Geral com esse objetivo: processar o professor.

Artigo extraído do site Consultor Jurídico, (ConJur):


OPINIÃO

O Ministério Público da Paraíba e o professor Agassiz

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Algo inédito está acontecendo na Paraíba. A Constituição já é balzaquiana. Portanto, já se é bem grandinho aos 32 anos — falo não só da CF, como do Ministério Público. Ou não, porque, por exemplo, lá na Paraíba os membros do MP convocaram uma assembleia geral para ver se processam o advogado e professor Agassiz Almeida Filho por ter tido a ousadia de criticar a "lava jato" e derivativa paraibana. Há uma convocação para uma Assembleia Geral com esse objetivo: processar o professor.

Consta que o professor Agassiz, dono de um vasto currículo, criticou a instituição. O conteúdo da crítica está na própria convocação — a matéria está em todos os veículos e nas redes sociais. Fácil acesso. Uma das manchetes é: "Associação do MP convoca todos os promotores da Paraíba para processar professor crítico da Lava Jato". Fato inédito. Se a moda pega...

Pelo andar da carruagem, os críticos dos métodos da "lava jato" e da força-tarefa do MP na "lava jato" devem ficar atentos. O próximo a ser processado deverá ser o ministro Gilmar, depois JJ. Gomes Canotilho, Luigi Ferrajoli, Kakay, eu mesmo (ver artigo, entre tantos, que escrevi no ano passado, retrasado e em 2020)... E a lista é grande.

Aliás, todo o Grupo Prerrogativas, que escreveu "O Livro das Suspeições" (baixar grátis clicando aqui — são já mais de 400 mil downloads — best seller), deve estar na lista para ser processado pelo MP paraibano.

Pelo visto, serão milhares de réus. E também deverá ser processado o senador Anastasia por causa do projeto Anastasia-Streck. E o deputado federal Glaustin Fokus, que propôs projeto semelhante. Porque o projeto ousa dar, como na Alemanha e em outros países, o dever de imparcialidade ao Ministério Público. Aliás, como consta no Estatuto de Roma.

Bom, nessa linha, o procurador-geral da República, Augusto Aras, deverá ser processado pelo MP-PB. Porque as críticas dele à "lava jato" e à força-tarefa do MPF são públicas e notórias.

Vamos falar a sério e levar os direitos a sério, diria Dworkin. Um bom lema! As lavas do Vesúvio descem com toda a fúria e o Ministério Público da Paraíba preocupado em arrumar o quadro de Van Gogh na parede.

Sigo. O Ministério Público foi fundamental na minha vida. Trabalhei por 28 anos. Com muito amor à causa. Lutei por prerrogativas. No cotidiano do exercício e no Parlamento em grupos de pressão. Estive na linha de frente pelo poder investigatório do MP, o que é sabido por todos (com muita honra, sou detentor de medalhas institucionais por serviços prestados). Fui membro eleito do Conselho Superior do Ministério Público e, por três mandatos, eleito para o Órgão Especial do Colégio de Procuradores, órgão máximo do MP.

Como promotor e procurador, busquei seguir o lema de Alfredo Valadão (aliás, recitei Valadão na minha prova oral): "MP como fiscal de ilegalidades, vindas de onde viessem".

Permito-me uma indiscrição: Era voz corrente que se até Lenio Streck pedia uma condenação, então era porque esse réu tinha poucas chances. E por quê? Porque o procurador de Justiça Lenio Streck só pleiteava condenação depois de espiolhar todas as ilegalidades. Fator Valadão. E examinar amiúde as provas, longe da ficção da "verdade real" e crendices desse jaez. E, importante, o membro do MP Lenio Streck não fazia agir estratégico. Era imparcial. Quantas teses garantidoras saíram de meu gabinete? Só para citar uma: quando nem lei havia, eu já pleiteava a anulação de todos os interrogatórios sem a presença efetiva de um advogado.

Portanto, posso falar sobre essa temática. Posso falar sobre "o que é criticar". E o que é "sofrer críticas". E o que é democracia.

O que quero dizer é que, em vez de o Ministério Público (parte dele, sem generalizar, por óbvio — afinal conheço bem a instituição e sei separar o joio do trigo) cuidar de sua missão constitucional — que é bela, fruto de muita luta, inclusive minha —, fica preocupado em processar professores por "crime de hermenêutica". O objetivo é intimidar os críticos? Parece que sim, pois não?

Deve ser um crime hediondo ousar fazer críticas a uma operação em que, v.g., a força-tarefa em Curitiba, confessadamente, assumiu um lado na eleição de 2018 (a favor de Bolsonaro), conforme declaração do ex-chefe Carlos Lima à GloboNews. Episódio sobre o qual já escrevi várias vezes, cujo relato está no "Livro das Suspeições". Aliás, consta que o professor Agassiz disse que os atos de alguns membros do MP estariam influenciando o processo político eleitoral. Pois é. Quem sabe bem disso é o ex-procurador Carlos Lima. Os diálogos do Intercept mostram bem o que é política e o manejo da opinião pública. O chefe da "lava jato" de Curitiba, o então juiz Moro, sabe bem o que interferir na política... Bem, tudo isso é sabido de todos. A propósito, pergunte-se a Beto Richa, de quem uma operação no Paraná — suspensa pelo STF —tirou a eleição (também escrevi sobre isso). Aliás, o que disse o CNMP sobre Deltan, no caso em que houve a prescrição — o do Power Point?

Enfim, como falei, 32 anos já deveria ser uma idade madura.

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