quinta-feira, 15 de outubro de 2020

BBC: Como o "governo" Bolsonaro despreza a proteção da floresta

 

Procurador do projeto Amazônia Protege relata: avanços tecnológicos já permitem identificar cada foco de devastação — e punir os responsáveis. Mas cultura ruralista e omissões de Bolsonaro e Salles fazem do Brasil pária internacional

Daniel Azeredo, entrevistado por Leandro Machado e João Fellet, na BBC Brasil

Para o procurador Daniel Azeredo, do Ministério Público Federal (MPF), o discurso leniente do governo Jair Bolsonaro em relação ao desmatamento da Amazônia tem incentivado a destruição da floresta. Para exemplificar, ele compara a floresta à bolsa de valores.

“A Amazônia funciona como uma espécie de bolsa de valores. Se o governo sinaliza que é contra uma postura mais forte de fiscalização, critica os órgãos ambientais, não nomeia pessoas técnicas para cargos de chefia, isso passa uma mensagem muito forte para a região. E os crimes ambientais aumentam em seguida”, disse o procurador, em entrevista à BBC News Brasil.

Azeredo é membro da Força-Tarefa Amazônia e um dos idealizadores do projeto Amazônia Protege, que utiliza imagens de satélites para processar suspeitos de desmatamento na região. Ele também faz parte do grupo de 12 procuradores do MPF que pediu o afastamento do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por improbidade administrativa.

Criado há exatos três anos, o projeto Amazônia Protege utiliza imagens de satélite e cruzamento de dados públicos para instaurar ações civis públicas contra os responsáveis pelos desmatamentos ilegais com mais de 60 hectares registrados pelo Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal (Prodes/Inpe).

Ao todo, mais de 3.500 processos foram abertos a partir desses dados nos últimos três anos, embora o procurador reconheça as dificuldades para identificar os criminosos, além da demora em obter condenações definitivas diante da lentidão da Justiça brasileira.

Na entrevista à BBC, Azeredo falou sobre o perfil do desmatador da Amazônia, dificuldades para seguir com as investigações, garimpo em áreas indígenas e a atuação do ministro Ricardo Salles.

Confira abaixo

Daniel Azeredo sentado na cadeira de escritório
Procurador Daniel Azeredo atua há 15 anos em investigações sobre desmatamento na Amazônia

Como funciona a força-tarefa Amazônia Protege?

Sempre entendi que o Brasil tem tecnologia de ponta para monitorar a floresta, um modelo para o resto do mundo. Se uma pessoa começa a desmatar hoje, nós temos imagens de satélite que enxerga esse movimento, quantificando (os dados) com uma precisão excelente.

Mas nunca usamos essa tecnologia para tentar punir os criminosos. Sempre agimos de maneira tradicional: vamos atrás do sujeito com viaturas de fiscalização. Mas, claro, seja por falta de servidores e estrutura, além das grandes distâncias, é impossível ir a campo em todos os crimes que ocorrem.

Temos um número conhecido de desmatamento: no ano passado, foram desmatados 9.500 km² na Amazônia. Mas quais são esses pontos, quantos crimes foram cometidos para chegar nesse total? Em média, nós temos de 30 a 40 mil pontos de desmatamento por ano. É muito difícil ir a todos esses lugares diferentes.

Usamos a tecnologia para várias situações comuns do dia a dia. Se você passa no sinal vermelho, não precisa ter um guarda ali para te multar. O próprio radar fotografa a infração, e a multa chega pelo correio. Pensamos o seguinte: ‘por que não conseguimos usar essa tecnologia para o crime ambiental?’.

É isso que motiva o projeto: utilizar melhor a tecnologia que já existe há anos para fins punitivos. Queremos criar uma cultura que não existe no país: quem comete o crime, acredita que só será punido se o Ibama bater na porta da casa dele. É muito comum em alguns municípios as pessoas desmatarem porque não há ninguém do Ibama.

O que a gente quer passar é uma mudança de lógica, dizendo: ‘você está sendo visto pelo satélite 365 dias por ano, agora você vai receber a notificação para responder ao processo’.

Mas como é possível chegar exatamente nas pessoas que desmatam? Pois a tecnologia ainda não chega nesse nível de detalhamento…

Esse é o grande desafio, inclusive para fiscalização de campo.

Quando a gente vê o desmatamento pelo satélite e manda a fiscalização do Ibama ao local, geralmente o fiscal não multa o real infrator. O infrator não fica na mata, ele se esconde. Ele é um empresário, que tem dinheiro, pois desmatar custa caro.

O desmatamento é uma empresa: tem gerente, tem capanga, tem o dono…

Soldado sobrevoa a Amazônia
Procurador destaca importância da integração de monitoramento por satélite e punição em ‘terra’

Então, nesse contexto, quem toma multa do Ibama é uma pessoa que não tem patrimônio, não tem nada em seu nome, geralmente é um miserável que está ali trabalhando para ganhar dinheiro para sua sobrevivência. Essa pessoa é multada em R$ 50 milhões, mas essa multa não é paga.

Identificar quem é o real desmatador é o grande desafio.

O que conseguimos fazer com a tecnologia?

Primeiro, cruzamos a área desmatada com todos os bancos de dados públicos existentes. Sabemos se a pessoa fez o cadastro ambiental rural, se ela se cadastrou no Terra Legal para reparação fundiária, se algum dia ela foi multada pelo Ibama, se ela está no CCIR (Certificado de Cadastro de Imóvel Rural) do Incra e ou se tem seu nome vinculado àquela área. Então, essa pessoa vira réu da ação.

Ainda assim, ela pode ser um laranja, usado para que o real desmatador não seja descoberto nem punido.

O que fazemos nas ações judiciais? Identificamos a área com latitude e longitude.

No Brasil, quando se fala de obrigação civil, existe a responsabilidade da coisa. Se você compra uma fazenda hoje e ela não cumpre a legislação ambiental, a responsabilidade de fazer cumprir é de quem comprou. Não é de quem estava lá antes da venda. Se você compra uma coisa, os deveres da coisa te seguem.

Pedimos o seguinte: a pessoa que está produzindo nessa área específica, com latitude e longitude, tem que recuperar a área que foi desmatada ilegalmente. E mais: se a área é patrimônio público, ela precisa voltar para o Estado, independente de quem for o ocupante.

Qual o resultado dessas milhares de ações? Já se sabe quantas pessoas foram punidas?

Nesses três anos, a gente tem mais ou menos 3.500 ações propostas, ajuizadas. Estamos levantando agora a situação de cada processo, pois nos perdemos um pouco nesse universo. Até o final do ano, vamos ter dados estatísticos sobre o que aconteceu com cada uma das ações.

A gente já tem condenações em alguns locais.

Mas temos casos de ‘réu incerto’. Depois que fazemos todo esse cruzamento de dados de determinada área, pode acontecer de não não encontrarmos ninguém. Nesse tipo de ação nós dizemos que ‘o criminoso está se escondendo’, ou seja, o réu é incerto.

Então pedimos que, na lógica de responsabilidade, qualquer pessoa que esteja produzindo nessa área desmatada seja obrigada a indenizar e recuperar o dano. De 10 a 15% das nossas ações têm réu incerto.

Mas o MPF perdeu essa tese no Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Entramos com recurso no Superior Tribunal de Justiça para tentar reverter.

O ideal seria que já tivéssemos casos julgados em definitivo no Superior Tribunal de Justiça. Com esses precedentes, quando um juiz recebesse a ação, ele poderia dar um trâmite mais rápido.

A gente sabe que os processos no sistema judiciário brasileiro não terminam rápido, em média. Com as condenações, acho que a nossa força-tarefa pode ganhar força.

Há processos de desmatamento que demoram décadas para serem julgados. O que impede que essas ações tramitem com mais rapidez? O MPF também tem responsabilidade sobre essa lentidão?

Em regra, o MPF não fica com os processos, ele despacha rápido, devolvendo à Justiça. Eu poderia falar por três horas sobre os problemas do Judiciário que causam essa lentidão.

Mas vou elencar alguns pontos:

1) é preciso priorizar casos mais importantes e dar celeridade a eles, como faz qualquer empresa.

2) Temos muitas ações iguais, com as peças padrões, muitos deles já julgados. Nesses casos, o Judiciário precisa ter mecanismos para que os processos não se multipliquem, utilizando súmulas.

Outro problema é que as instâncias superiores, como STJ e o STF, têm uma abertura muito grande para receber recursos de outras instâncias. Quase tudo no país pode ser julgado quatro vezes. O ideal seria que o STJ e STF julgassem poucos casos, ou apenas esses que sirvam de modelo para serem replicados pelas demais cortes.

O quanto essa morosidade da Justiça é um incentivo para o desmatamento?

Pilha de papéis sobre uma mesa
Azeredo avalia que impunidade ‘com certeza incentiva que haja mais crimes’

Na faculdade de Direito, a gente aprende que quando a punição demora demais, ela perde o sentido.

A comunidade envolvida vê os crimes serem cometidos e não assiste à punição. Isso com certeza incentiva que haja mais crimes. Isso ocorre no Brasil não só na área ambiental, mas em vários outros setores da sociedade.

O sr. falou que os grandes desmatadores não são as pessoas que vão aos locais desmatar de fato. Qual o perfil desse grande desmatador?

Em geral, ele é um empresário que tem negócios variados, e ele precisa lavar dinheiro.

Desmatar 2.000 hectares, por exemplo, custa muito dinheiro. É preciso investir alguns milhões de reais para fazer isso: comprar maquinário, contratar bastante gente, além de ter o risco de punição, multa.

Normalmente, essa pessoa se esconde. Ela não aparece em momento nenhum, ela não vai à área durante o desmatamento. Quando o Ibama vai, essa pessoa não é encontrada: muitas vezes, quem está ali trabalhando nem conhecem esse empresário que está lucrando.

Esse empresário, quando não é da região, tem uma diversidade de negócios. Se ele for local da Amazônia, ele domina o município e tem uma proximidade com o poder político local muito forte.

O fato é que o desmatamento da Amazônia é muito lucrativo, o retorno financeiro é alto, e o risco de punição é muito baixo.

O sr. acredita que o discurso, digamos, leniente do governo Bolsonaro em relação ao garimpo ilegal e desmatamento tem incentivado essas ações criminosas?

Fui um dos 12 procuradores que assinaram aquela ação contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Pedimos a condenação dele por improbidade administrativa e seu afastamento do cargo.

Nessa ação, narramos como suas ações e seus discursos incentivaram o aumento do cometimento de crime.

Costumo dizer que temos um juiz totalmente imparcial e claro para julgar o sucesso ou fracasso de nossa política ambiental: esse juiz são as imagens de satélite que mostram o quanto a gente está desmatando. Se ele aumenta, é porque estamos no caminho errado.

E esse aumento veio, e é significativo. Os números estão aí sendo mostrados diariamente.

A Amazônia funciona como uma espécie de bolsa de valores. Se o governo sinaliza que é contra uma postura mais forte de fiscalização, critica os órgãos ambientais, não nomeia pessoas técnicas para cargos de chefia, isso passa uma mensagem muito forte para a região. E os crimes ambientais aumentam em seguida.

Como o sr. analisa a gestão do ministro Ricardo Salles?

Nessa ação, nós apontamos que a gestão cometeu uma série de atos, discursos e omissões intencionais que violam a legislação e a Constituição, e que constituem improbidade administrativa.

E que ele deveria ser afastado do cargo.

Ricardo Salles em evento, olhando para o lado
Procurador da Força-Tarefa da Amazônia diz que Salles ‘deveria ser afastado do cargo’

O governo tem tirado dinheiro de órgãos de fiscalização, como o Ibama. Como tem sido o trabalho de investigação em parceria com esses órgãos diante do enfraquecimento deles?

É uma dificuldade muito grande. É muito fácil fazer um órgão público não trabalhar.

Teve uma medida que proibiu fiscais do Ibama de receber diárias pelo sábado e pelo domingo. Mas não faz muito sentido você enviar um servidor do Rio Grande do Sul ao Pará, e ele não poder trabalhar nesses dias.

Temos uma ação judicial no Estado do Amazonas em que pedimos uma série de ações do Ibama, para fazê-lo funcionar, sair da omissão…. O juiz deu a decisão favorável, mas depois o tribunal cassou.

Como o sr. vê a atuação do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, no campo ambiental?

Institucionalmente, nunca falei do trabalho de nenhum colega, nem do Procurador-Geral nem de outros procuradores.

Acho que a opinião pública tem os elementos para fazer essa análise.

No caso da ação contra o ministro Ricardo Salles, um órgão que eu integrava, a 4ª Câmara de Meio Ambiente do MPF, formalizou uma representação para o Procurador-Geral da República narrando uma série de crimes. O Procurador-Geral arquivou a ação.

O MPF travou duros embates com o governo federal nas gestões do PT, como a construção de hidrelétricas na Amazônia. Como o sr. compara aquele momento com o atual?

Nunca tivemos uma gestão ambiental adequada no Brasil.

Vivemos períodos de melhorias, principalmente de 1993 até 2011, quando houve criação de unidades de conservação e de terras indígenas, e mudanças positivas na legislação.

Mas, a partir de 2011, houve uma fragilização da política ambiental, com regração fundiária de pessoas que cometeram crimes, o novo Código Florestal, a interrupção da criação de novas terras indígenas e unidades de conservação.

De 1994 até 2009, nós conseguimos uma redução do desmatamento.

Mas, no início da década, começou um deterioração da política ambiental. Agora, isso se acentuou e o discurso ficou mais forte. Os números apontam claramente o que está acontecendo.

O problema é que nunca tivemos medidas estruturais. Se tivéssemos uma governança ambiental e arcabouços legais bem consolidados na Amazônia, quando um determinado governo tivesse intenções contrárias, ele não conseguiria fazer grandes estragos. E isso não acontece hoje.

A Constituição estabelece que cabe à União demarcar terras indígenas, mas Bolsonaro diz abertamente que não demarcará nem mais um centímetro. O MPF não poderia ter uma atitude mais incisiva nesse tema, cobrando a Justiça a fazer valer a Constituição?

Sei que há procuradores que estão trabalhando com isso, há várias ações que buscam essas demarcações.

Essa falta de demarcação não vem de agora, se acentuou no início da década. Agora, talvez tenha piorado.

Sem apresentar provas, o presidente Bolsonaro tem culpado os índios pelas queimadas e desmatamento, inclusive na ONU. Como o sr. vê essa posição?

Os dados mostram o contrário.

Muito se discutiu se deveríamos ter unidades de conservação com povos indígenas ou comunidades tradicionais. Mas logo nós percebemos que os locais com populações que vivem da floresta são onde mais se preserva a floresta e o meio ambiente. As imagens de satélite mostram claramente isso.

Quando analisamos queimadas em terras indígenas, em regra elas são feitas por pessoas que estão invadindo essas comunidades.

Ou seja, não vejo embasamento para essa tese. Nossas investigações e os dados produzidos por instituições de pesquisa não mostram esse cenário (descrito pelo presidente).

Pronunciamento de Bolsonaro é exibido em plenário vazio da Assembleia Geral da ONU
Em discurso na ONU, presidente brasileiro associou, sem provas, queimadas a povos tradicionais

Alguns setores do agronegócio passaram a apoiar iniciativas contra o desmatamento. O sr. acredita que essa posição é sincera ou apenas uma campanha de relações públicas para melhorar a imagem do setor?

Já tem um tempo que o agronegócio tem se aproximado de discussões com o Ministério Público e com ONGs sobre a importância da questão ambiental.

Hoje enxergo que a maioria do agronegócio brasileiro entende a necessidade do cumprimento da legislação ambiental. Um estudo recente UFMG que mostra que quem desmatou ou cometeu queimada ilegal no último ano representa apenas 4% das propriedades rurais.

Ou seja, há uma minoria lucrando com o crime, e prejudicando a imagem de toda uma maioria.

Mas é claro que existe também uma pressão internacional, o recado está sendo dado. Já há notícias de que algumas empresas começam a sofrer dificuldades para comercializar. Os empresários estão vendo esse cenário, e é natural que eles tentem proteger sua atividade econômica.

Há outro fator que é a questão da água. Estudos mostram que a produção de água, que é essencial para a produção agropecuária, está totalmente ligada à questão ambiental. O avanço sobre a floresta vai causar um impacto sobre essa água.

Qual a posição do sr. sobre a regulamentação de mineração em terras indígenas? Recentemente, o vice-presidente Hamilton Mourão recentemente disse que “não é simples” retirar garimpeiros da terra indígena Yanomami.

Hoje, em um cenário de vulnerabilidade que a comunidades indígenas estão vivendo, com falta de proteção e casos de violência, o garimpo é extremamente perigoso.

Precisamos fazer um estudo sério sobre qual é o real ganho econômico para o país. O que essa operação gera de riqueza para o Brasil e até para os garimpeiros? Há algum ganho relevante para o país e para as comunidades da região? Quem é que fica com esse dinheiro? O Estado brasileiro arrecada tributos?

A condição de saúde das pessoas que trabalham no garimpo é precária. Não há melhorias para os garimpeiros em níveis aceitáveis de desenvolvimento humano, pois as regiões de garimpo também não se desenvolvem.

O governo costuma argumentar que desmatamento na Amazônia está associado à pobreza e ajuda a sustentar muitas pessoas que não têm outras oportunidades de trabalho. Qual sua visão sobre isso?

Estamos desmatando a Amazônia desde a década de 1970, quando o regime militar incentivou as pessoas a ocupar a região com a ideia de que isso geraria riqueza.

O resultado desse modelo predatório de alto índice de desmatamento é o seguinte: temos ali 60% do território nacional, apenas 12% do PIB, o pior Índice de Desenvolvimento Humano das regiões do país, e mais de 50% das emissões de gases de efeito estufa.

Só esses números já mostram que esse modelo predatório não gerou riqueza para as pessoas que estão lá, não desenvolveu a região.

Me parece que insistir nesse modelo é um equívoco. Você tem como desenvolver economicamente a região sem a necessidade de avançar sobre a floresta.

Claro que há uma parte do desmatamento que está ligado a uma questão de sobrevivência, mas ele é pequeno, de 5 ou 6 hectares por ano.

O que gera o grande desmatamento são quadrilhas organizadas que ocupam terras públicas, desmatam ilegalmente e depois comercializar essas áreas por valores extremamente altos.

Qual foi o impacto da criação do Conselho da Amazônia, chefiado pelo vice-presidente Hamilton Mourão e incumbido de coordenar ações contra o desmatamento na região?

Fiquei na 4ª Câmara de Meio Ambiente do MPF até junho, e hoje estou na Força-Tarefa da Amazônia Protege.

Nem a Câmara nem a força-tarefa foram chamadas para dialogar com esse conselho.

Eu não poderia falar sobre outras instâncias do MPF.

O sr. enxerga alguma solução para a Amazônia? O que o Brasil poderia fazer de maneira prática para evitar a destruição da floresta?

Três bois no pasto, com fumaça atrás
‘Precisamos saber a origem do gado desde que ele nasceu até a hora do abate’, sugere Azeredo quando perguntado sobre recomendações para melhor proteção da Amazônia

Trabalho com a Amazônia há 15 anos, dos quais 10 eu morei na região. Não considero que o problema do desmatamento ilegal seja difícil de resolver.

Acho que hoje, com a tecnologia, conseguimos diminuir o desmatamento de maneira rápida se houver vontade política e econômica para isso, o que ainda não ocorreu no país.

O Brasil tinha certa satisfação em dizer que o desmatamento anual estava 6 ou 7 mil km², mas não houve investimento para fazer esse número cair para 2 mil, que seria algo aceitável. Hoje estamos em 9.500 km² por ano.

Qual seria a saída?

Primeiro, é preciso rastrear tudo que é produzido na Amazônia. Quando a gente pergunta por que se desmata a Amazônia, a resposta, em última instância, é que alguém vai ganhar dinheiro com aquilo. Como? Produzindo alguma coisa.

Se tivermos um sistema de rastreabilidade eficiente e rígido, e que exclua do mercado quem cometa esses crimes na região, fazemos com que caia o interesse econômico em desmatar.

Precisamos saber a origem do gado desde que ele nasceu até a hora do abate. Hoje já temos tecnologia de brinco de rastreabilidade e cerca eletrônica que mostram se o gado entrou em área embargada.

A tecnologia pode monitorar toda a produção na Amazônia. Dá para fazer isso para soja, pecuária, madeira.

Podemos determinar que não vai haver produção de gado e grãos em áreas abertas depois de julho de 2008, que a data que o Código Florestal estabeleceu como limite para perdão de multa por dano ambiental.

Com essa rastreabilidade, você não permite que essa áreas sejam utilizadas para produção. Com isso, você tira o interesse econômico da grilagem.

Com uma medida como essa, você já diminui em 60% o desmatamento.

Não precisaria fazer isso na Amazônia inteira. Poderia começar nas áreas que mais desmatam, que compreendem mais ou menos 40 municípios.

Regulação fundiária? Poderia regularizar, mas não permitir regularização de áreas desmatadas após julho de 2008.

E tudo isso não impede que a produção cresça.

Só o Pará tem 29 milhões de hectares para produção, com 22 milhões de cabeças de gado, por exemplo. Isso dá uma cabeça para cada hectare, o que é baixíssimo. Se você reduzir isso um pouco e aumentar a produtividade, abre 6 ou 7 milhões de hectares para produção de grãos. O Mato Grosso, que é o maior produtor de grãos do Brasil, tem 7 milhões de hectares de soja plantada. O Pará poderia chegar perto disso, sem avançar sobre a floresta.

Outra medida seria estruturar os órgãos ambientais para fiscalizar o que sobrasse de crimes e investir em atividades produtivas de comunidades tradicionais da floresta, que hoje já geram dinheiro na região.

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