Essa volta à baila do preconceito contra os chineses coincide com a visita de um conselheiro de Donald Trump ao Brasil, cuja principal missão foi a de impulsionar uma campanha anti-China por aqui. Uma de suas ações foi tentar barrar a empresa chinesa Huawei do mercado de 5G por supostamente não oferecer garantias de segurança e privacidade. Portanto, os novos ataques contra a China matam dois coelhos com uma cajadada só: ataca Doria, considerado por ele seu principal rival na sucessão presidencial, e balança o rabinho para Trump — uma subserviência que é a marca da política internacional bolsonarista e que até agora não nos trouxe nada de positivo, muito pelo contrário.

Precisamos falar sobre a postura do presidente da Câmara Rodrigo Maia que, até aqui, vem normalizando o projeto bolsonarista de destruição do estado e da saúde dos brasileiros. Apesar de passar meses batendo boca com o presidente pela imprensa no auge das ameaças golpistas, o DEM, seu partido, seguiu passando pano para Bolsonaro. É o terceiro partido mais fiel ao bolsonarismo nas votações da Câmara, ficando atrás apenas de partidos de extrema direita como PSL e Patriota.

Além disso, Maia sentou sobre todos os vários pedidos de impeachment não por acreditar que não haveria votos suficientes para aprová-lo, mas, por não achar que o presidente tenha cometido crimes de responsabilidade, como disse no Roda Viva. A afirmação é uma afronta à nossa inteligência e à democracia. O que não falta para Bolsonaro são crimes de responsabilidade com provas irrefutáveis. Nem parece que estamos no país que outro dia derrubou uma presidenta por pedaladas fiscais com o apoio de Maia e seu partido.

A postura conciliatória de Maia não tem nada de republicana. Bolsonaro passou atacando instituições e impôs uma agenda genocida ao país com a chegada da pandemia. As declarações do presidente da Câmara o tornam um garantidor do bolsonarismo e ajudam a normalizá-lo. O país viveu quase dois anos assistindo às maiores barbaridades antidemocráticas da história do Planalto enquanto o chefe da Câmara tratava de colocar panos quentes. Essa postura conciliatória seria louvável se não estivéssemos lidando com um presidente com uma postura facínora, disposto a empurrar milhares de brasileiros para a cova — uma tragédia que terá as digitais do presidente da Câmara. O bolsonarismo virou o novo normal com a contribuição generosa de Maia.

A cobertura da grande imprensa tem sido cada vez mais lamentável. Depois de exaltar nas manchetes a conversão de Bolsonaro à moderação — algo que nunca aconteceu de fato —, agora trata a discussão em torno da vacina como uma disputa política normal entre dois rivais políticos. A obsessão pelo “doisladismo” que assola o jornalismo pode nos levar aos lugares mais obscuros.

Vimos por todo canto do noticiário manchetes destacando a “disputa” e a “guerra”entre os políticos em torno da vacina. “Como disputa entre Bolsonaro e Doria pode atrasar vacina”, “Em guerra da vacina, Bolsonaro ataca Doria“, “Como disputa entre Bolsonaro e Doria pode atrasar imunização dos brasileiros“. Lendo essas manchetes, fica a sensação que temos dois adversários políticos brigando por seus próprios interesses quando, obviamente, não é esse o ponto central. Trata-se de uma questão de saúde pública, em que o presidente renega a ciência e coloca a população em risco. Esse é o fato grave a ser destacado. Doria, claro, faz seu marketing em cima da coisa, mas, de fato, está cumprindo o que lhe cabe como governador para trazer a vacina.

O emprenho por tratar tudo com isenção e equilíbrio, mesmo que isso afete a precisão da informação, transformou um assunto da maior gravidade em uma mera disputa de cabo de guerra. É claro que existe um embate político por trás, como há em tudo, mas ele é irrelevante quando temos um presidente da República fazendo o diabo para sabotar uma vacina por motivos puramente ideológicos. Esse doisladismo atende aos interesses de Bolsonaro. Tudo o que ele quer é transformar a questão em uma “guerra”, uma “disputa” política. Esse tipo de cobertura tira o foco do caráter genocida do boicote do presidente à vacina.

A boa notícia é que a Anvisa liberou a importação da matéria-prima utilizada na fabricação da vacina chinesa no Brasil, mesmo depois das declarações de Bolsonaro. Dois dias antes, ele afirmou que o presidente da Agência não teria pressa em liberar a vacina. Vamos ver até onde vai o plano do presidente em boicotar a saúde do povo. A ideologia bolsonarista é uma máquina de fabricar cadáveres.