Pouco mais das 21 horas, os resultados já mostravam 77,5% pelo "aprovo" contra 22,5% de "rechaço", com 19% dos votos contabilizados
25/10/2020 Santiago, Chile
Jornal GGN – Em um plebiscito histórico, o Chile aprovou escrever uma nova Constituição. Antes que os relógios completassem às 21h15 da noite deste domingo, os chilenos já sabiam que este 25 de outubro mudaria a história do país. Com as televisões ligadas, e em pontos de concetração já tradicionais palcos de protestos, como a ‘Plaza de la Dignidad’ – antiga Plaza Itália, a população esperava ansiosa a contagem de votos.
Sem a certeza do resultado, a jornada de votações havia cumprido o objetivo de ser um aprendizado para as gerações futuras, com recordes de presença eleitoral, principalmente de jovens, em um país acostumado a não votar e, como tal, desacreditado da representatividade selecionada do Congresso ou da Presidência.
O plebiscito nacional 2020 chamou a atenção pela massiva participação destes jovens, os mesmos que iniciaram o que era uma pequena mobilização pelo aumento do preço das passagens de metrô, na capital do país, Santiago, há pouco mais de um ano, que foi respondida pelo governo de Sebastián Piñera com truculência desproporcional das Forças de Segurança, culminando, poucos dias depois, em um Estado de Exceção e no que se tornou o maior colapso social da história do país.
O que a população pedia nos mais de três meses de manifestações ininterruptas era justamente dignidade. Dignidade para conseguir chegar ao final do mês, pagando o preço – que anunciavam elevar – do transporte municipal, da cesta básica para além do pão como o único alimento garantido de pagar pelo salário mínimo, dos caros planos de saúde que sequer cobrem necessidades básicas e, para as famílias que ousassem, de creches ou universidades privadas – porque no país não existe nenhum dos dois gratuito.
Porque ao chegar ao final da vida, a aposentadoria privatizada tampouco fazia frente a qualquer destes altos custos de viver no país que decidiu ser o pioneiro do neoliberalismo no mundo, em plena ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990). O que a população entendeu é que este modelo foi viabilizado graças à Constituição, a que tem entre seus artigos o preceito de que o direito privado pode estar acima do direito a garantias básicas públicas.
E desde o dia que os chilenos entenderam, questionaram o mais forte que puderam: como o país ainda carregava em suas bases de construção uma legislação criada no regime ditatorial, 30 anos depois? De outubro a dezembro, o descrédito e a falta de representatividade na política, num país cujas eleições não são obrigatórias e detinha, há muito, baixa participação sufragista, deram lugar a uma população empoderada, que acreditava, pela primeira vez, que poderia decidir o futuro do país.
O sentimento, muito mais de batalhas naqueles meses, conseguiu fazer-se em conquista cidadã neste domingo. Desde a organização das filas de votações, em todos os setores do país, aonde voluntários davam prioridade aos maiores de 60 anos, grávidas e portadores de deficiência, sem se importar que o horário exclusivo para eles durava das 14h às 17h, até jovens caminhando ao largo das filas quilomêtricas para motivar eleitores a não desestimularem. A energia de contribuição cidadã era visível por todos os lados. O desânimo tampouco ganhava os que esperaram até 3 horas, em algumas filas maiores, exclamando a felicidade de participar deste processo histórico.
Pouco mais das 21 horas, os resultados já mostravam 77,5% pelo “aprovo” contra 22,5% de “rechaço”, com 19% dos votos contabilizados. A essa hora, a festa da cidadania na Plaza Dignidad já estava montada. Desta vez, a violência policial não seria capaz de conter a mudança de um país, decidida e escrita por seu próprio povo.
RELEMBRE A COBERTURA DOS PROTESTOS NO CHILE:
- Chile: Um ano do colapso social e o plebiscito por uma nova Constituição
- Organizações denunciam graves violações no Chile e governo Piñera está imobilizado
- Performance “um violador no seu caminho” por milhares de mulheres acima de 40 anos no Chile
- Presidente do Chile, Sebastián Piñera, fez remessas milionárias a paraísos fiscais
- 30 dias de um Chile que quer mudar 30 anos
- Chile: Entre o fim da Constituição ditatorial e o medo de uma falsa transição
- “LINHA DE FRENTE”: A resistência que segura os protestos no Chile
- Chile volta a reunir milhares nas ruas por Assembleia Constituinte
- Como o Chile minimiza as violações sistemáticas
- Milhares de chilenos resistem em três semanas de protestos
- Como a sociedade chilena está se reorganizando independentemente
- Exclusivo: de atos pacíficos à repressão na segunda maior marcha do Chile
- “O Estado que voltou a vulnerar e reprimir”: entidades acusam semelhança à ditadura chilena
- Protestos no Chile: A volta da normalidade?
- Mapa da Violência de Estado no Chile é lançado
- Exclusivo: Há “cerco informativo” em números da repressão no Chile
- Chile: Reforma ministerial traz dois nomes novos e reaproveita ministros
- Governo chileno forja normalidade e população segue com manifestações
- A maior manifestação da história do Chile: 1,2 milhão de vozes pedem nova Constituição
- Uma semana de Exceção no Chile: 90,5% veem motivos para protestar
- Repressão aumenta no Chile e organizações denunciam torturas e violações
- Governo do Chile tenta minimizar repercussões do Estado de Emergência
- Chile: relato de um Estado de Exceção
- Nossa repórter em Santiago, imagens inéditas
- Protestos no Chile: violência e denúncias de torturas se intensificam
- Piñera pede desculpas: chilenos não aceitam, querem renúncia e Constituinte
- O que acontece no Chile: como acompanhar o Estado de Exceção no país
- Sob repressão e táticas militares, chilenos mantêm protestos nas ruas
- Ajustem seus relógios para 1973: Chile protesta pelo custo da vida
- Entrevista ao vivo: Chile em Estado de Emergência
- Chile: O saldo das manifestações, após Piñera decretar “guerra” contra o povo
- Fim da aposentadoria capitalizada é uma das lutas das manifestações no Chile
Nenhum comentário:
Postar um comentário