terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

O ex-ministro grego Yanis Varoufakis desafia a poderosa ditadura dos mercados, adorada pela direita




Depois de experimentar arrogância e brutalidade da elite financeira, ex-ministro grego propõe uma saída: transparência total, para expor os que sequestraram a política.
 Yanis Varoufakis, entrevistado por Nick Buxton, do Transnational Institute | Tradução: Gabriel Simões - Extraído do blog Outras Palavras
O esforço para reinventar o pensamento contra-hegemônico – ou, ao menos, para encontrar alternativas, diante de uma ordem internacional cada vez mais desumanizadora – ganhará, nos próximos dias, um novo componente. Em 9 de janeiro, o ex-ministro das Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis, lançará, num teatro em Berlim, o movimento Democracia na Europa 2025 (DiEM). Terá, entre outras companhias, a de Ada Colau, prefeita de Barcelona eleita há menos de um ano, na onda dos novos partidos-movimentos espanhois. A iniciativa de Varoufakis tem pelo menos duas particularidades marcantes.
A primeira é a crítica – radical, mas acima de tudo muito circunstanciada – do ex-ministro ao caráter antidemocrático instituições que dirigem a globalização. Entre janeiro e julho de 2015, Varoufakis tentou negociar com os demais governos do Grupo do Euro um acordo de reestruturação da dívida de Atenas que reduzisse o sofrimento do povo grego. Como argumento, não usou apenas a explosão do desemprego e da pobreza, a redução nominal dos salários, a desarticulação do parque produtivo. Lembrou a democracia. O programa que o Grupo do Euro desejava impor havia sido rejeitado nas eleições gregas. De que serve, então, o voto, nas sociedades contemporâneas? Apenas para legitimar decisões que o poder econômico impôs de antemão?
“Uma regra é uma regra”, argumentaram os demais ministros do Grupo do Euro, em diálogos que Varoufakis resgata com muita vividez. Ele chama esta atitude de despolitização da política. Ou seja, as sociedades perdem o direito a examinar caminhos, assumir responsabilidades e decidir seu futuro coletivo. As decisões tornam-se políticas apenas na fachada. Ou, prossegue o ex-ministro, “a cada vez que as urnas produzem um resultado que não agrada ao establishment, o processo democrático é revolgado ou ameaçado de revogação”. Como mostram os exemplos da Grécia, Espanha, ou Brasil, esta anulação da vontade comum não é neutra. No caso brasileiro, por exemplo, recessão, dispensas e desmonte dos serviços públicos aprofundam-se – mas os bancos nunca lucraram tanto quando depois do “ajuste fiscal”…
Em sua luta contra a aristocracia financiera, Varoufakis parece ter optado por um caminho distinto – e talvez complementar – ao de Pablo Iglesias, do Podemos, ou Jeremy Corbyn, o líder rebelde do Partido Trabalhista britânico. Ele é um intelectual, não um mobilizador de massas. Por meio do DiEM, pretende articular um conjunto de ideias capaz de articular alternativas, entre os movimentos e grupos políticos europeus interessados em resgatar a democracia.
Prepara um manifesto. Discorda da proposta – que hoje cresce, no Velho Continente – de rechaçar a União Europeia. Não acredita que o retorno aos Estados Nacionais sirva aos povos em luta. Prefere formular propostas que coloquem em xeque as estruturas burocráticas de decisão. Fala, pro exemplo, em transparência: exigir que as reuniões do Conselho Europeu e do Grupo do Euro sejam transmitidas ao vivo; e que se publiquem todos os rascunhos dos “novos” acordos comerciais globais que ameaçam criar um ultra-capitalismo.
Será suficiente? No cenário atual, em que não há caminhos políticos claros, embora tanto necessitemos deles, parece importante adotar algo como uma ética da busca solidária. É o oposto da antiga prática da autofagia, que tanto marcou a esquerda nos séculos passados. Implica apoiar as iniciativas de quem conserva-se crítico, ainda quando identificamos suas eventuais fragilidades; acompanhar seus desdobramentos; saber tirar proveito de seus aspectos criativos, mesmo se não alcançam todos os resultados esperados. Por isso, e também pelo relato concreto de quem viveu a brutalidade da aristocracia financeira, a entrevista de Yanis Varoufakis, que publicamos a seguir, é tão estimulante. (A.M.)
O que você enxerga como a maior ameaça à democracia, hoje?
A ameaça à democracia sempre foi o desdém que o establishmentsente por ela. A democracia é frágil por natureza e a antipatia doestablishment em relação a ela é nítida.
Essa história nos remete de volta à antiga Atenas, quando o desafio para estabelecer a democracia era imenso. A ideia de que os pobres não-escravos, que eram a maioria, poderiam ser postos no comando do governo sempre foi contestada. Platão escreveu A República como um tratado contra a democracia, defendendo um governo de experts.
De maneira similar, no caso da democracia americana, se olharmos para O Federalista e Alexander Hamilton você verá uma tentativa de contenção da democracia, e não uma defesa dela. A ideia por trás de uma democracia representativa era a de ter homens de negócios representando a plebe, pois esta não era considerada apta a decidir importantes questões de Estado.
Os exemplos são inúmeros. Vejamos o que aconteceu no governo de Mossadeq no Irã nos anos 1950 ou no governo Allende no Chile. A cada vez que as urnas produzem um resultado que não agrada ao establishment, o processo democrático ou é revogado ou é ameaçado de revogação.
Então, se você me pergunta quem são e sempre foram os inimigos da democracia, a resposta está naqueles que possuem o poder econômico.
Hoje, parece que a democracia está, como nunca antes, sob ataque entrincheirado do poder. Esta é a sua percepção?
O ano de 2015 é especial nesse sentido. Tivemos a experiência da Grécia, onde nas eleições a maioria dos gregos decidiu apoiar um partido antiestablishment, o Syriza, que chegou ao poder ‘falando a verdade ao poder’ e desafiando a ordem na Europa.
Quando a democracia produz o tipo de coisa que agrada aoestablishment, ela não é uma ameaça. Mas quando produz forças e demandas antiestablishment, é vista como tal. Fomos eleitos para desafiar a Troika [Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional]. Foi neste momento que os poderes europeus perceberam, bem claramente, que não se pode permitir que a democracia mude alguma coisa.
O que a sua experiência como ministro das Finanças da Grécia lhe revelou sobre a natureza da democracia e do poder? Houve coisas que o surpreenderam?
Eu fui de olhos abertos. Não tinha ilusões. Sempre soube que as instituições europeias em Bruxelas, o Banco Central Europeu e outras foram estabelecidas, por definição, como zonas isentas de democracia. Não é que havia um déficit de democracia que esgueirou-se pela União Europeia (UE); a partir dos anos 1950, a UE foi, na verdade, definida em primeiro lugar como um cartel da indústria pesada, posteriormente cooptando os fazendeiros, principalmente os franceses. E a sua administração foi como a de um cartel: a UE nunca foi pensada como sendo o início de uma república ou de uma democracia em que “nós, o povo da Europa” é que mandamos.
Algumas coisas me impressionaram. A primeira foi a audácia usada para deixar bem claro que a democracia era considerada irrelevante. Na primeira reunião do grupo do euro a que compareci, pensei que não seria contestado ao tentar explicar um ponto — o de que eu representava um governo recém-eleito, cujo mandato deveria ser respeitado em alguma medida e que deveria contribuir para um debate acerca de quais políticas econômicas deveriam ser aplicadas à Grécia. Fiquei atônito ao ouvir o ministro das Finanças da Alemanha dizer, literalmente, que não se pode permitir que as eleições mudem a política econômica já estabelecida. Em outras palavras, ele me dizia que a democracia é boa desde que não ameace mudar coisa alguma! Embora esperasse que esse fosse o sentimento geral, eu não estava preparado para ouvi-lo falar de maneira tão franca.
A segunda coisa para a qual não estava tão preparado era, parafraseando a famosa expressão de Hannah Arendt sobre a banalidade do mal, a banalidade da burocracia. Eu já esperava que os burocratas em Bruxelas fossem bastante desdenhosos em relação à democracia, mas contava que fossem corteses e tecnicamente perfeitos. Ao invés disso, fiquei surpreso com o quão banal eles se mostraram e, de um ponto de vista tecnocrático, como eram medíocres.
Então, como o poder opera na União Europeia?
O principal a notar sobre a UE é que toda a operação, em Bruxelas, baseia-se num processo de despolitização da política, de tomar decisões que são essencial, profunda e irrevogavelmente políticas e empurrá-las para o domínio vinculado às regras da tecnocracia, uma abordagem algorítmica. Eles pretendem que as decisões sobre as economias na Europa são simplesmente problemas técnicos, que demandam soluções técnicas a serem decididas por burocratas que seguem regras pré-estabelecidas, exatamente como um algoritmo.
Então, quando se tenta politizar o processo, você se depara com um tipo particularmente tóxico de política. Para lhe dar um exemplo. Nós estávamos discutindo a política econômica referente à Grécia, no Eurogrupo. O programa que herdei, como Ministro das Finanças, estabelecia uma meta de superávit primário de 4,5% do PIB, o que considerei escandalosamente alto. E eu contestava essa meta através de bases puramente técnicas, de teoria macroeconômica.
Então, fui imediatamente questionado sobre como eu gostaria que fosse o superávit. E tentei dar uma resposta honesta, dizendo que deveríamos considerar essa questão à luz de três fatores e figuras-chaves: investimento em relação à poupança, calendário de pagamentos da dívida e déficit ou superávit em conta corrente. Tentei explicar que, se quiséssemos fazer com que o programa grego funcionasse após 5 anos de um fracasso catastrófico, que levou à perda de quase um terço da receita nacional, nós tínhamos de olhar para esse conjunto de variáveis.
Contudo, o que me foi dito é que, pelas regras, devemos olhar para apenas um número. Então, respondi: “E daí? Se uma regra ruim está em vigência, nós devemos mudá-la.” A resposta foi: “Uma regra é uma regra!” E eu retrucaria dizendo “Sim, essa é uma regra, mas por que deveria ser uma regra?” Nesse ponto recebi uma resposta tautológica: “Porque é uma regra”. Isso é o que acontece quando nos afastamos de um processo político em direção a um processo burocrático: culminamos em um processo de despolitização que conduz à política tóxica e à má economia.
Outro exemplo é que, num certo momento, estávamos discutindo o programa grego e debatendo a redação de um comunicado sobre aquela reunião do Eurogrupo. Eu disse tudo bem, vamos mencionar estabilidade financeira, sustentabilidade fiscal – tudo que a Troika e outros queriam dizer –, mas vamos também falar sobre a crise humanitária e o fato de que estamos lidando com questões tais como a fome generalizada. A resposta que recebi foi que isso seria “muito político”. Que não podemos usar esse “vocabulário político” no comunicado. Portanto, dados sobre estabilidade financeira e superávit primário tudo bem, mas dados sobre a fome e o número de domicílios sem acesso a eletricidade e calefação durante o inverno não podia, já que era “muito político”.
Mas não seria essa tentativa de despolitização, na verdade, algo profundamente político, uma vez que o neoliberalismo é um processo político?
Mas eles não pensam dessa maneira. Convenceram a si próprios de que há certas regras que se referem a equações e variáveis naturais, e todo o resto não está nem aqui nem lá. É assim que eles pensam.
A democracia na Europa sempre esteve condenada ao fracasso, ou houve processos ou instâncias que minaram esse processo, tal como o Tratado de Maastricht?
O que vou compartilhar aqui é mais ou menos o assunto do meu livro que vai sair em abril, e chama-se And the weak suffer what they must? [‘E os fracos sofrem o que devem?’, em tradução livre]. Crise europeia, futuro econômico da América. O título vem do antigo escritor grego Tucídides e o debate que ele narra, entre os generais atenienses e os melianos derrotados, a quem os generais afinal esmagaram.
O ponto aqui é esse. Ao contrário do Estado norte-americano, alemão ou britânico, que se formaram ao longo de séculos de evolução e evoluíram como um instrumento funcional para a resolução de diferentes tipos de conflitos sociais, na UE isso não aconteceu. Por exemplo, se você tomar o Estado britânico, a Revolução Gloriosa, de 1688, baseou-se em colocar limites ao poder da monarquia como resultado de choques entre os barões e o rei; reformas posteriores resultaram de conflitos entre aristocratas e comerciantes, depois entre comerciantes e a classe trabalhadora. É assim que um Estado normal se desenvolve, e é como as democracias liberais se formaram.
Mas a UE não se desenvolveu assim, de forma alguma. Sua formação, conforme eu dizia antes, deu-se por volta dos anos 1950 com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, a qual era, basicamente, um cartel tal como a OPEP. E Bruxelas se estabeleceu como a administradora desse cartel. Isso, portanto, foi bem diferente de um Estado. Não se tratava de mitigar choques entre diferentes grupos e classes sociais. O ponto principal de um cartel é estabilizar preços e restringir a competição entre seus membros.
O desafio, para Bruxelas foi inicialmente como estabilizar o preço do carvão e do aço e, depois, todas as outras commodities e bens de consumo, num cartel que abrangeu diferentes regimes monetários e, portanto, seis taxas de câmbio. Sem taxas de câmbio estáveis entre as moedas desta união, teria sido impossível estabilizar os preços à escala europeia do cartel, através dos seus seis membros iniciais. Enquanto o sistema de Bretton Woods esteve em vigor (vinculando as taxas de câmbio ao dólar, cujo valor foi fixado em US$35 por libra de ouro), manter as moedas europeias alinhadas umas às outras era automático. Mas quando esse sistema foi encerrado, em 1971, pelo Secretário do Tesouro dos EUA, John Connally, e outros, as taxas de câmbio de diferentes países europeus se desequilibraram. O marco alemão começou a subir, a lira italiana começou a descer, com o franco francês lutando para não seguir o mesmo caminho da lira.
Isso gerou forças enormes, que poderiam prejudicar muito a UE. Bruxelas não conseguia mais estabilizar o seu cartel. Foi então que surgiu a necessidade de uma moeda comum.
Desde o início dos anos 1970, tivemos na Europa várias tentativas fracassadas de substituir a taxa de câmbio fixa, que os americanos vinham administrando até então, por um sistema europeu. A primeira tentativa foi o European Currency Snake, em 1972; nos anos 1990 tivemos, é claro, o Mecanismo Europeu de Taxa de Câmbio, e finalmente, em 1992 e 1993, o euro foi apresentado junto com o Tratado de Maastricht, que colocou vários Estados europeus sob a vigência de uma mesma moeda, um dinheiro.
Mas no momento em que o fizeram (sem ter nenhuma maneira de gerenciar, politicamente, a área abrangida por essa moeda), de repente o processo de despolitizar a política (que sempre foi parte e porção da União Europeia) se tornou extremamente poderoso e começou a destruir a soberania política.
Uma das poucas pessoas que entendeu bem essa questão não era de esquerda, e sim de direita. Foi Margaret Thatcher, que liderou a oposição à moeda única e realmente decifrou seus perigos de maneira bem clara. Eu me opus à Thatcher em tudo o mais, porém nesse ponto ela estava certa. Ela disse que a pessoa que controla o dinheiro, política monetária e taxas de juros controla as políticas de economia social. O dinheiro é político, e só pode ser político, e qualquer tentativa de despolitizá-lo e entregá-lo a um bando de burocratas não eleitos em Frankfurt (onde o BCE está) constitui, com efeito, uma abdicação da democracia.
Por que Thatcher foi a única voz de oposição, dado que ela era uma forte defensora da proteção dos interesses neoliberais?
Thatcher era uma conservadora, uma Tory. Ao mesmo tempo que foi uma pioneira do neoliberalismo, ela também acreditava na soberania do parlamento e no controle sobre o processo político. O neoliberalismo era um processo político em que acreditava, mas ainda era muito importante, para ela, que o parlamento britânico controlasse as políticas neoliberais. A eurozona não tem um parlamento real. O Parlamento Europeu é uma piada cruel, não funciona como um verdadeiro parlamento. Ele é, no máximo, simulacro de um parlamento e, para um britânico, para quem a legitimidade da democracia vem da legitimidade do poder soberano, do parlamento, o euro pareceu uma moeda destinada a murchar e morrer.
Interessante que um dos meus maiores apoiadores enquanto fui Ministro das Finanças na Grécia foi Norman Lamont, um ministro de Thatcher que já foi Ministro das Finanças. Nós nos tornamos até amigos. O que temos em comum é um compromisso com a democracia. Temos visões muito diferentes sobre quais políticas devem ser implementadas como parte do regime democrático, mas ele ficou furioso pela forma como funcionários não eleitos conduziram as políticas monetária e fiscal da Grécia, o que esmagou sua economia.
Então, o Reino Unido é afetado pelas políticas da eurozona, uma vez que se manteve fora do euro?
Bem, como sabemos, a Grã-Bretanha vem passando pelas primeiras fases de uma campanha para um referendo acerca da filiação à UE. Essa é uma conversa altamente emotiva. Eu certamente acredito que foi maravilhoso para os britânicos o fato de terem ficado de fora do euro, um golpe de sorte. Isto posto, a economia deles é completamente determinada pelo calabouço da eurozona, portanto a ideia de que é possível escapar de sua influência, votando pela saída da UE, é otimista demais. Eles não podem sair.
Agora, os conservadores britânicos que apoiam a saída da UE argumentam que não precisam da União Europeia; que eles podem ter o mercado único sem a camisa de força de Bruxelas. Mas este é um argumento altamente dúbio, já que o mercado único não pode ser concebido sem proteção em comum para os trabalhadores, maneiras em comum de prevenir a exploração do trabalho ou padrões comuns para o ambiente industrial. Então, a ideia de que se pode ter o mercado único sem união política se choca com a realidade política de que o único jeito de se ter o livre comércio, atualmente, é através de legislações comuns acerca de patentes, padrões industriais, regras para competição etc. E como se pode ter uma legislação assim, a menos que haja uma espécie de instituição ou processo democrático que se aplique a todas as jurisdições? Então, se você rejeita a possibilidade de uma União Europeia democratizada, rejeita a de um parlamento britânico soberano e acaba em acordos comerciais atrozes, como o TTIP (sigla em inglês para Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento).
Onde está, então, o poder na Europa?
Essa é uma questão interessante. Superficialmente, as únicas pessoas poderosas na Europa são Mario Draghi, chefe do Banco Central Europeu, e Angela Merkel, a chanceler alemã. Mas, tendo dito isso, eles mesmos não são tão poderosos assim. Nas reuniões do Eurogrupo percebi Mario Draghi extremamente frustrado em relação ao que estava sendo dito, à sua própria impotência, a ter que fazer coisas que ele achava serem terríveis para a Europa. Ao mesmo tempo, Angela Merkel sente-se claramente limitada pelas exigências do seu próprio parlamento, do seu próprio partido, com necessidade de manter um modus vivendi com os franceses, dos quais ela discorda.
Portanto, a resposta à sua questão é que nós tratamos de criar na Europa um monstro, onde a eurozona é uma entidade com poderes supremos, mas que não é controlada por ninguém. As instituições e regras que foram colocadas de modo a manter o equilíbrio político, que configurou todo o projeto do euro, retira poderes de quase todos os atores que têm algua legitimidade democrática.
Mas esse processo não deu enormes poderes aos mercados financeiros?
Os mercados financeiros não têm mais poder na Europa do que nos EUA ou em qualquer outro lugar.
Voltemos a 2008. Naquele ano, depois de anos de desregulamentação do setor financeiro e da criação criminosa de crédito por parte desse setor, as instituições financeiras implodiram e os capitães das finanças viraram-se para os governos e disseram: “salve-nos”. E assim o fizemos, ao transferir enormes quantias dos contribuintes para os bancos. Isso aconteceu nos EUA e na Europa, não houve diferença alguma. O problema é que a arquitetura da UE, e do euro em particular, era tão terrível que essa transferência massiva de dinheiro dos contribuintes, e especialmente dos setores mais fracos da sociedade, para os bancos não foi suficiente para estabilizar o sistema financeiro.
Deixe-me dar um exemplo. Compare Nevada com a Irlanda. O clima de ambos pode ser bem diferente, mas os dois têm o mesmo tamanho, em termos de população, e economias parecidas. Suas economias baseiam-se no setor imobiliário, no setor financeiro e na atração de corporações por meio de incentivos fiscais. A partir de 2008, ambas as economias entraram em recessão profunda, afetando principalmente o setor imobiliário e a indústria da construção, e empreiteiras foram à falência, na medida em que os preços das casas entraram em colapso com o mercado de sub-primes, o que resultou numa crise de crédito.
A diferença é a maneira como eles estavam aptos a responder. Imagine que as zonas do dólar americano tivessem sido construídas da mesma maneira que a eurozona. Então, o estado de Nevada teria tido que encontrar dinheiro, tanto para salvar os bancos quanto para pagar os benefícios aos trabalhadores da construção civil desempregados – e sem a ajuda do Fed. Em outras palavras, Nevada teria que ter ido de chapéu na mão pegar esse dinheiro emprestado ao setor financeiro.
Dado que os investidores saberiam que o governo de Nevada não teria um Banco Central apoiando-o, eles não teriam emprestado o dinheiro ao estado ou, ao menos, não teriam emprestado sob taxas de juros razoáveis. Então, Nevada teria ido à falência, bem como os seus bancos, e o povo de Nevada perderia seus benefícios de desemprego ou saúde e serviços educacionais. Imagine, então, que o estado tivesse ido ao Fed, de chapéu na mão, pedindo ajuda. E imagine que o Fed tenha dito “nós lhe daremos o resgate e emprestaremos dinheiro sob a condição de que você reduza salários, pensões, seguro-desemprego em 20%”. Isso permitiria que o estado de Nevada cumprisse pagamentos de curto prazo, mas a austeridade e a redução de receitas e pensões etc. reduziria tanto a receita de Nevada, e aumentaria o débito através dos empréstimos de resgate, de tal maneira que Nevada estaria acabado. Se isso tivesse acontecido em Nevada, teria acontecido no Missouri, no Arizona, começando um efeito dominó pelos EUA afora.
É isso que estou dizendo. Não há diferença em termos de importância do setor financeiro e sua tirania sobre a democracia nos EUA ou na Europa, a diferença é que nos EUA há uma consolidação de instituições que as torna melhor preparadas para lidar com crises com essas, prevenindo que se desdobrem em crises humanitárias. Os americanos aprenderam essa lição nos anos 1930. O New Deal criou instituições que agem no sentido de absorver os choques, ao passo que na Europa estamos de volta ao ponto onde estávamos em 1929. Estamos permitindo que essa austeridade competitiva, junto com os empréstimos de resgate, destruam um país atrás do outro, até que a União Europeia se vire contra si própria.
É hora, então, de advogar pela saída do euro? Retornar a uma moeda nacional não pode ao menos dar uma oportunidade a mais de democratizar a prestação de contas?
Essa, é claro, é uma batalha em curso que venho travando com meus companheiros na Grécia. Eu cresci numa Grécia um tanto isolada, na periferia da economia capitalista, com sua própria moeda, o dracma, e uma economia com cotas e tarifas que preveniam a livre circulação de bens e capitais. Posso lhe assegurar que aquela era um Grécia muito árida, certamente não era um paraíso socialista. Então, a ideia de que devemos recorrer ao Estado-nação para criar uma sociedade melhor é, para mim, particularmente boba e implausível.
Agora, eu queria que não tivéssemos criado o euro, queria que tivéssemos mantido nossas moedas nacionais. É fato que o euro foi um desastre. Ele criou uma união monetária destinada a fracassar, e que garantiu dificuldades incalculáveis aos povos da Europa. Tendo dito isso, existe uma diferença em afirmar que não deveríamos ter criado o euro e dizer agora que nós devemos sair. Devido ao que chamamos, em matemática, de histerese. Em outras palavras, sair não nos levará de volta onde estávamos, ou onde estivemos antes de entrar, ou onde estaríamos se não tivéssemos entrado.
Algumas pessoas falam do exemplo da Argentina, mas a Grécia não estava como a Argentina em 2002. Não temos uma moeda para ser desvalorizada frente ao euro. Nós temos o euro! Sair do euro significa criar uma nova moeda, o que leva cerca de um ano, e só então desvalorizá-la. Seria o equivalente à Argentina anunciar uma desvalorização com 12 meses de antecedência. Isso seria catastrófico, porque se você desse esse tanto de informações aos investidores – e até mesmo aos cidadãos comuns – eles liquidariam tudo, tirariam todo o dinheiro no tempo que você deu, na expectativa de uma desvalorização, e não sobraria nada de pé no país.
Mesmo que pudéssemos retornar coletivamente às nossas moedas nacionais ao longo da eurozona, países como a Alemanha, cuja moeda foi suprimida por conta do euro, veriam suas taxas de câmbio dispararem. Isso significaria que a Alemanha, que tem pouco desemprego no momento, e uma alta porcentagem de trabalhadores pobres, veria esses trabalhadores pobres se tornarem desempregados pobres. E isso se repetiria no centro-norte e nordeste da Europa, na Holanda, Áustria, Finlândia – no que eu chamo de países superavitários. Ao mesmo tempo, em lugares como Itália, Portugal e Espanha, e França também, haveria simultaneamente uma queda acentuada de atividade econômica (por conta da crise em países como a Alemanha) e um forte aumento da inflação (já que as novas moedas nesses países iriam se desvalorizar de maneira significativa, causando a disparada dos preços de importação, tais como petróleo, energia e bens básicos).
Então, se retornarmos ao casulo do Estado-nação, nós teremos uma linha de falha em algum lugar ao longo do rio Reno e dos Alpes. Todas as economias ao leste do Reno e ao norte dos Alpes se tornariam economias em depressão e o resto da Europa seria um território de estagflação econômica, com alto desemprego e altos preços.
Essa Europa poderia, até mesmo, produzir uma grande guerra, ou, se não uma guerra, seriam produzidas tantas dificuldades que as nações poderiam se voltar umas contra as outras. De qualquer maneira, a Europa poderia, mais uma vez, afundar a economia mundial. A China seria devastada e a recuperação vacilante dos EUA desapareceria. Nós teríamos condenado o mundo todo a pelo menos uma geração perdida. Eu digo aos meus amigos que a esquerda jamais se beneficiaria de tal acontecimento. Serão sempre os ultranacionalistas, os racistas, fanáticos e os nazistas os únicos a se beneficiarem.
É possível democratizar o euro e a União Europeia?
Vamos pensar os dois em conjunto, por ora. A Europa pode ser democratizada? Sim, penso que sim. Será democratizada? Suspeito que não. Então, o que virá? Se você pedir minha previsão, eu estou muito pessimista, sombrio. Acho que o processo de democratização tem uma chance muito pequena de sucesso. E nesse caso teremos desintegração e um futuro sombrio. Mas a diferença, quando estamos falando sobre a sociedade ou sobre o clima, é que o clima não liga nem um pouco para nossas previsões, então podemos nos permitir sentar, olhar para o céu e dizer “acho que vai chover”, porque tal fala não irá influenciar na possibilidade de chuva. Mas, penso que em questões como sociedade e política, temos o dever moral e político de ser otimistas e dizer: “ok, entre todas as opções disponíveis, qual tem a menor chance de causar uma catástrofe?” Para mim, essa é a tentativa de democratizar a União Europeia. Se acredito no sucesso dessa tentativa? Não sei, mas se não tiver esperança de que podemos, eu não posso levantar da cama de manhã e sair por aí fazendo qualquer coisa.
Democratizar a Europa é uma questão de reclamar princípios fundamentais ou trata-se de desenvolver um novo conceito de soberania?
Ambos. Não há nada de novo sob o sol. O conceito de soberania não muda, mas a maneira de aplicá-lo a áreas multiétnicas e multijurisdicionais como a Europa deve ser repensada. Há um debate interessante que acontece principalmente na Grã-Bretanha, já que o resto da Europa não parece estar interessada. Foi sempre frustrante tentar convencer os franceses e os alemães de que há uma profunda diferença entre uma Europa de nações e uma União Europeia. Os britânicos entendem isso melhor, especialmente os conservadores, ironicamente. Eles são adeptos de Edmund Burke, anticonstrutivistas que acreditam que deve haver uma ligação parte-a-parte entre nação, parlamento e moeda: uma nação, um parlamento, uma moeda.
Quando pergunto aos meus amigos conservadores ingleses, “Mas, e a Escócia? Não é uma nação idônea? Se assim for, eles não deveriam ter um Estado e uma moeda separados?”, a resposta que recebo é do tipo: É claro que existe uma nação escocesa, uma galesa e outra inglesa, e não uma nação do Reino Unido, mas há uma identidade em comum forjada nas guerras de conquista, participação no Império e por aí vai. Se isso é verdade, e pode ser, então é possível dizer que diferentes nacionalidades podem unir-se sob uma identidade em comum que evoluiu em conjunto. Então, é dessa maneira que eu gostaria de enxergar. Nunca teremos uma nação europeia, mas podemos ter uma identidade europeia que corresponda à soberania do povo europeu. Portanto, nós preservamos o antigo conceito de soberania, mas o relacionamos a uma identidade europeia que então é ligada a uma única soberania e um parlamento que contrabalanceie o poder executivo ao nível da Europa.
No momento, temos o ECOFIN, o Eurogrupo e o Conselho Europeu tomando importantes decisões em nome do povo europeu, mas esses órgãos não respondem a nenhum parlamento. Não é suficiente dizer que os membros dessas instituições respondem cada um ao seu parlamento nacional, porque os membros dessas instituições, quando retornam ao seu país e vão se explicar perante o seu parlamento nacional, dizem “Não olhem pra mim, eu discordei de tudo em Bruxelas mas não tive força suficiente para efetivar minha decisão, então não sou responsável pela decisão do Conselho, do Eurogrupo ou do ECOFIN”. A menos que os organismos institucionais possam ser censurados ou rejeitados como tal, por um parlamento comum, não teremos uma democracia soberana. Portanto, esse deve ser o objetivo da Europa.
Alguns argumentariam que isso atrasaria o processo de tomada de decisões e o tornaria ineficaz.
Não, acho que não atrasaria a tomada de decisões, ela se tornaria mais rápida. Nesse momento, nenhuma decisão é tomada antes que seja impossível não agir, pois não temos esse tipo de mensuração. Eles vivem atrasando, atrasando, negando um problema durante anos, sempre falsificando um resultado até o último minuto possível. Esse é o sistema mais ineficaz possível.
Você agora está envolvido no lançamento do Movimento Democracia na Europa. Fale-nos sobre isso.
O lado bom do esmagamento sofrido pelo nosso governo no ano passado é que milhões de europeus foram alertados sobre como a Europa está sendo governada. As pessoas estão muito, muito furiosas, até mesmo pessoas que discordavam de mim e de nós.
Então, estou em turnê pela Europa, indo de um país a outro, tentando despertar a consciência acerca dos desafios que enfrentamos em comum e da toxicidade que surge a partir do vácuo de democracia. Este foi o primeiro passo. O segundo passo tem sido esboçar um manifesto, já que manifestos são importantes, pois concentram as ideias e podem tornar-se um ponto focal para pessoas que estão com raiva e preocupadas, e querem participar de um processo de democratização na Europa.
Nas próximas semanas estaremos organizando um evento significativo em Berlim (em 9 de fevereiro), realizado lá por razões simbólicas óbvias, para lançar o manifesto e convocar os europeus de todos os 28 Estados-membros a juntar-se a nós em um movimento que tem uma pauta simples: ou democratizar a UE ou aboli-la. Porque se permitirmos que as atuais estruturas burocráticas antidemocráticas e instituições de Bruxelas, Frankfurt e Luxemburgo continuem a aplicar políticas em nosso nome, nós chegaremos à distopia que descrevi anteriormente.
Após o evento de 9 de fevereiro em Berlim, nós planejamos uma série de eventos pela Europa, o que dará ao nosso movimento o impulso necessário. Nós não somos uma coalizão de partidos políticos. A ideia é que qualquer um possa participar, independente de filiação partidária ou ideologia, porque a democracia pode ser um tema unificador. Até mesmo meus amigos conservadores ingleses podem juntar-se a nós, ou liberais que conseguem enxergar que a UE não é sequer insuficientemente democrática, mas sim antidemocrática e, por essa razão, economicamente incompetente.
Em termos práticos, como podemos imaginar nossa intervenção? O modelo político europeu tem se baseado em partidos políticos específicos de cada nação. Portanto, um partido político cresce em um determinado país, há um manifesto dirigido aos cidadãos daquele país, então uma vez que o partido se encontra no governo, só então (como se fosse um pensamento tardio) são feitas tentativas de construir alianças com partidos que partilham os mesmos valores na Europa, no Parlamento Europeu, Bruxelas e tudo mais. Até onde vejo, esse modelo de política está esgotado. A soberania dos parlamentos foi dissolvida pela eurozona e pelo Eurogrupo; a capacidade de cumprir um mandato em nível do Estado-nação foi erradicada e, por isso, quaisquer manifestos dirigidos aos cidadãos de um determinado Estado-membro se tornam exercícios teóricos. Mandatos eleitorais são, agora, por definição, impossíveis de ser cumpridos.
Então, ao invés de partirmos do nível do Estado-nação para o nível da Europa, pensamos que deveríamos fazer o contrário; que deveríamos construir um movimento pan-europeu transfronteiriço, manter um diálogo naquele espaço para identificar políticas comuns para enfrentar problemas comuns, e uma vez atingido o consenso sobre estratégias comuns na escala europeia, esse consenso pode achar sua expressão nos níveis regional, municipal e do Estado-nação. Assim, estamos revertendo o processo, começando com o nível europeu para tentar chegar a um consenso e então movermo-nos para baixo. Esse será nosso modus operandi.
Quanto ao calendário, dividimos a próxima década em diferentes intervalos de tempo, porque temos no máximo uma década para mudar a Europa. Se fracassarmos em 2025, então, acredito que não haverá uma União Europeia a ser salva ou sequer para se falar sobre. Para aqueles que desejam saber o que queremos, a resposta agora é: transparência! Nós exigimos, no mínimo, que as reuniões do Conselho Europeu, ECOFIN e Eurogrupo sejam transmitidas ao vivo, que as minutas do Banco Central Europeu sejam publicadas e que os documentos relacionados a negociações comerciais, como a TTIP, sejam disponibilizadas online. No curto a médio prazo, devemos discutir a redefinição dos papéis de instituições existentes da UE, dentro dos tratados existentes (embora terríveis), visando a estabilização da crise em curso nos domínios da dívida pública, falta de investimento, serviços bancários e pobreza. Finalmente, no médio a longo prazo, deveremos convocar uma Assembleia Constituinte, a ser convocada pelo povo da Europa, com poderes para decidir sobre uma futura constituição democrática que substituirá todos os tratados europeus existentes.
Parece que estamos vivendo em tempos esperançosos, mas também muito difíceis. Vemos a crescente popularidade de partidos tais como o Podemos na Espanha, o Bloco de Esquerda em Portugal, Jeremy Corbyn no Reino Unido, entre outros, mas ao mesmo tempo temos a experiência do Syriza esmagado, sem a menor cerimônia, pela Troika. Dada a experiência do Syriza, que esperança você guarda em relação à rejeição popular das políticas de austeridade?
Acredito que o surgimento desses partidos e movimentos antiausteridade mostra claramente que os povos da Europa, não apenas na Espanha ou na Grécia, já se cansaram dessa velha política, as políticas centradas em consensos que levaram à reprodução da crise e empurraram a Europa para o caminho que leva à desintegração. Não há dúvida disso.
A questão é: como podemos aproveitar esse descontentamento? No nosso caso, na Grécia, nós falhamos. Há uma enorme desconexão entre a liderança do partido e as pessoas que votaram nele. Então, é por isso que acredito que o foco no Estado-nação já passou do prazo de validade. Se o Podemos assume o governo, eles o farão sob as mesmas condições, extremamente restritivas, impostas pela Troika – tal qual o novo governo, ainda em formação, em Portugal. A menos que tais partidos progressistas sejam sustentados por um movimento pan-europeu que exerça uma pressão progressista em todos os lugares, e de uma vez só, eles acabarão frustrando seus eleitores, forçados a aceitar as regras que os impedem de cumprir seus mandatos.
É por isso que enfatizo a questão de construir um movimento pan-europeu. É porque a única maneira de mudar a Europa é através de uma onda que varra o continente. Caso contrário, o voto de protesto manifestando-se na Grécia, Espanha, Reino Unido, Portugal, se não estiver sincronizado em todos os lugares acabará por se dissipar, deixando para trás nada além da amargura e da insegurança produzidas pela incontrolável fragmentação da Europa.

O indiscreto e nada charmoso ódio da burguesia... Por que tudo isso?


É preciso tentar entender os motivos da unanimidade conservadora contra o PT apesar de seus governos nem reformistas serem
por Roberto Amaral — publicado 28/01/2016 10h57 na Carta Capital



André Tambucci / Fotos Públicas
Protesto anti-Dilma
Manisfestantes reúnem-se na avenida Paulista, em ato contra o governo Dilma Rousseff, em dezembro de 2015





A direita latino-americana aceita quase-tudo, até desenvolvimento e democracia, conquanto não venham acompanhados, seja da emergência das classes populares, como pretendeu o Brasil de João Goulart e Lula, seja da defesa das soberanias nacionais dos países da região, como lá atrás intentou o segundo governo Vargas.
A história não se repete, sabemos à saciedade, mas em 1954, como em 1964, em comum com os dias de hoje, organizou-se um concerto entre forças políticas derrotadas nas urnas, mais setores dominantes do grande capital e a unanimidade da grande imprensa, unificadas pelo projeto golpista gritado em nome de uma democracia que em seguida seria posta em frangalhos.
Naqueles episódios, com o ingrediente perverso da insubordinação militar, o momento culminante de uma razzia anti-progresso e pró-atraso, alimentada de longa data por setores majoritários da grande imprensa, um monopólio ideológico administrado por cartéis empresariais intocáveis. 
Essa unanimidade ideológico-política dos meios de comunicação de massas é, assim, a mesma dos anos do pretérito. O diferencial, agravando sua periculosidade, é a concentração de meios facilitando o monopólio anulando qualquer possibilidade de concorrência, blindando o sistema de eventuais contradições e ‘furos’.
Que fizeram os governos democráticos – que fez a sociedade, que fez o Congresso, que fez o Judiciário – para enfrentar esse monstro antidemocrático que age sem peias, a despeito da ordem constitucional?
As razões para a crise remontam à concepção de nação, sociedade e Estado que as forças conservadoras – ao fim e ao cabo nossos efetivos governantes – estabeleceram como seu projeto de Brasil.   
O desenvolvimento de nossos países pode mesmo ser admitido por esses setores – sempre que o malsinado Estado financie seus investimentos –, conquanto que respeitados determinados limites (não os possa tributar, por exemplo), ou comprometê-los com objetivos nacionais estratégicos, como respeitosos com essa gente foram os anos de ouro do juscelinismo.
Jamais um desenvolvimento buscadamente autônomo, como pretenderam o Chile de Allende, com as consequências sabidas, e a Venezuela, acuada e acossada desde os primeiros vagidos do bolivarianismo, o qual, seja lá o que de fato for para além de discurso, perseguiu um caminho próprio de desenvolvimento econômico-social, à margem dos interesses do Departamento de Estado, do Pentágono, e do FMI.      
Democracia até que é admissível, conquanto não se faça acompanhar da ascensão das grandes massas, pelo que João Goulart se arriscou e perdeu o poder. A propósito, F. Engels (introdução ao clássico Luta de classes na França, de Marx) observa que “… a burguesia não admitirá a democracia, sendo mesmo capaz de golpeá-la, se houver alguma possibilidade de as massas trabalhadoras chegarem ao poder".
Ora, na América Latina basta a simples emergência das massas ao cenário politico, sem mesmo qualquer ameaça de ascensão a fatias mínimas de poder, para justificar os golpes-de-Estado e as ditaduras.  
Além de promover essa emergência do popular no politico, trazendo massas deserdadas para o consumo e a vida civil, Lula intentou uma política externa independente, como independente poderia ser, nos termos da globalização de nossas limitações econômicas e militares. Desvela-se, assim, o ‘segredo’ da esfinge: não basta respeitar as regras do capitalismo – como respeitaram Getúlio, Jango, Lula, e Dilma respeita – posto que fundamental é, mantendo intocada a estrutura de classes, preservar a dependência ao modelo econômico-político-ideológico ditado pelas grandes potências, EUA à frente.
O Não contém o Sim. O que não é possível diz o que é desejado, identificar o adversário é meio caminho andado para a nomeação dos aliados e servidores. Assim se justifica, por exemplo, tanto a unanimidade da opinião publicada em favor de Mauricio Macri, a mesma que acompanhou os últimos governos colombianos, quanto a unanimidade dos grandes meios contra os Kirchner, até ontem, e ainda hoje contra Rafael Correa e Evo Morales, bem como o ódio visceral ao ‘bolivarianismo’, na contramão dos interesses das empresas brasileiras instaladas e operando na Venezuela.
São os fabricantes de opinião contrariando nossos interesses econômicos e erodindo nosso natural peso regional – onde alimentamos justas expectativas de exercício de poder – mas, como sempre, fazendo o jogo dos interesses de Wall Street e da City.
Essa lógica da dependência – ou de comunhão de interesses entre nossa burguesia e o poder central, acima dos interesses nacionais – explica também a unanimidade contra Dilma e contra o que ideologicamente é chamado de ‘lulismo’ ou ‘lulopetismo’, nada obstante suas (suponho que hoje desvanecidas) ilusões relativamente à ‘conciliação de classes’.
Conciliação que não deu certo com Vargas e não está dando certo com Dilma, não obstante suas concessões ao capital financeiro, malgrado o alto, muito alto preço representado pelo desapontamento das forças populares que a elegeram no final do segundo turno.
Esse movimento – que representa dar dois passos atrás contra só um à frente, detetado a partir de dezembro de 2014, valeu-lhe a ainda insuperada crise de popularidade, sem a compensação do arrefecimento da fúria oposicionista ditada a partir da Avenida Paulista.
Atribui-se a Lula a afirmação de que os banqueiros jamais teriam obtido tantos lucros quanto lograram em seu governo. Anedota ou não, o fato objetvo é que segundo o bem informado Valor, o lucro dos bancos foi de 34,4 bilhões de reais na era FHC, e de 279,0 bilhões de reais no período Lula, ou seja, oito vezes maior, já descontada a inflação.
Por que então essa oposição à Dilma se seu governo, como os dois anteriores de Lula, não ameaçou nem ameaça qualquer postulado do capitalismo, não ameaça a propriedade privada, não promoveu a reforma agrária, não ameaça o sistema financeiro, não promoveu a reforma tributária? 
Por que esse ódio vítreo da imprensa se sequer ousaram os governos Lula-Dilma – ao contrário do que fizeram todos os países democráticos e desenvolvidos – regulamentar os meios de comunicação dependentes de concessões, como o rádio e a tevê?
Por que essa unanimidade, se os governos do PT (e a estranha coabitação com o PMDB) não tocaram nas raízes do poder, não ameaçaram as relações de produção fundadas na preeminência do capital (muitas vezes improdutivo) sobre o trabalho?
Por que tanto ódio, se os governos do PT sequer são reformistas, como tentou ser o trabalhismo janguista com seu pleito pelas ‘reformas de base’? Ora, o Estado brasileiro de 2016 é o mesmo herdado em 2003, e ‘os donos do poder são os mesmos: o sistema financeiro, os meios de comunicação de massas vocalizando os interesses do grande capital, o agronegócio e as fiespes da vida.
Ocorre que, e eis uma tentativa de resposta, se foram tão complacentes com o grande capital, ousaram os governos Lula, e Dilma ainda ousa, promover a inclusão social da maioria da população e buscar ações de desenvolvimento autônomo, nos marcos da globalização e do capitalismo, evidentemente, mas autônomo em face do imperialismo.
Assim, negando o comando do FMI, negando a Alca e concorrendo para o fortalecendo do Mercosul, esvaziando a OEA e promovendo a Comunidade de Países da América Latina e Caribe (Celac), e, audácia das audácias, tentando constituir-se em bloco de poder estratégico no Hemisfério Sul, com sua influência na América Latina e a aproximação com a África.
Nada de novo no castelo de Abranches, nem mesmo a miopia dos que não vêem, ou, que, por comodismo ou pulsão suicida, preferem não ver o que está na linha do horizonte. Supor que a presidente está à salvo da onda golpista é tão insensato quanto supor que o projeto da direita se esgotaria no impeachment.
Há ainda muito caminho a percorrer.
O projeto da direita é de cerco e de aniquilamento das esquerdas brasileiras. Nesses termos, o assalto ao mandato da presidente é só um movimento, relevantíssimo mas só um movimento num cenário de grandes movimentações, a porta pela qual avançarão todas as tropas.
O projeto da direita é mais audacioso, pois visa à construção de uma sociedade socialmente regressiva e políticamente reacionária, com a tomada de todos os espaços do Estado. Boaventura de Sousa Santos chama a isso – as ditaduras modernas do século XXI -- de ‘democracias’ de baixa intensidade.
O primeiro passo é a demonização da política. Já foi atingido. 
Leia mais em www.ramaral.org


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Governo tucano espanca secundaristas em Goiás: jovens lutam contra terceirização de suas escolas

O movimento de estudantes em Goiás contra a terceirização do ensino





Com 19 escolas atualmente ocupadas, secundaristas e professores garantem: não vão deixar as ocupações, mesmo com repressão violenta

 Texto de Isabela Palhares - Fonte: Carta Maior e Jornal GGN
 
Em protesto contra a militarização das escolas estaduais de Goiás e a implementação de Organizações Sociais (OSs) no setor, estudantes da rede pública de ensino ocupam, desde o dia 9 de dezembro, cerca de vinte escolas no estado governado por Marconi Perillo (PSDB). Desde novembro do ano passado, o tucano vem anunciando a militarização de mais 20 escolas no estado e a implementação das OSs em 200 escolas públicas.
Goiás conta, hoje, com o maior índice de escolas militarizadas no país: um total de 26, seguido por Minas Gerais com 22, e pela Bahia com 13, de acordo com dados da Secretaria Estadual de Educação. Sob o lema de “acabar com a violência no ambiente escolar”, as secretarias de Educação e Segurança atuam em parceria, promovendo um constante processo de militarização do ensino no estado. Aos militares cabe a administração das escolas e à Secretaria de Educação a coordenação da parte pedagógica.
Na prática, porém, os militares têm permissão para modificar a grade escolar. Resultado: seguindo os princípios de “hierarquia e disciplina”, os alunos devem cumprir as regras da cartilha e ter a aparência “padrão militar”. Além disso, para se manterem na escola, os estudantes são obrigados a pagar matrícula, mensalidade e até mesmo a comprar uniformes.
Críticos ao sistema de educação militar denunciam que o problema da violência não se resolve com medo e repressão. Segundo eles, a necessidade de agentes externos para resolver uma questão de educação apenas ratifica a deficiência do sistema educacional em Goiás. 
"Militares devem cuidar da segurança. Educação é outra coisa"
Há cinco dias, em protesto, os secundaristas também ocuparam a Secretaria de Educação, Cultura e Esporte (SEDUCE) de Goiás (leiam o manifesto da ocupação). “Diante das tentativas frustradas de dialogar com o governador e com a secretária de educação [Raquel Teixeira], nós ocupamos a SEDUCE”, conta Criz Abreu, militante do movimento estudantil e do grupo de articulação.
“O objetivo da ocupação é barrar as OSs e trazer o governador para dialogar com quem de fato será prejudicado com a privatização do ensino. Somos totalmente contra a privatização e a militarização do ensino público de Goiás. Os militares devem cuidar da segurança. Educação é outra coisa”, afirma a militante. A Secretaria de Educação segue ocupada e sem qualquer diálogo entre a secretária Raquel Teixeira e os estudantes.
Alunas e alunos da rede estadual de ensino ocupam, desde o dia 9 de dezembro, 27 escolas estaduais, espalhadas pelas cidades de Anápolis, Cidade de Goiás, Goiânia e São Luís de Montes Belos, a 120 km da capital. Oito escolas, porém, já sofreram processo de reintegração e foram desocupadas, por conta da constante pressão da Secretaria Estadual de Educação, com apoio da Associação de Pais, para colocar pais, professores e comunidade contra o movimento.
Ausência de transparência e diálogo 
Em outras escolas, porém, os jovens conseguiram barrar o processo de militarização do governo tucano. É o caso do colégio estadual Costa e Silva, em São Luís de Montes Belos. Frente aos protestos dos alunos contra a militarização e ao fato de que mil alunos da escola teriam suas vagas ameaçadas por causa do alto preço cobrado pela escola militarizada, a Prefeitura do município se recusou a ceder o local ocupado para a Secretária de Educação, oferecendo um outro prédio.
A escola José Carlos de Almeida, uma das mais antigas de Goiânia, também está ocupada. Como explica Mariana Dias*, de 17 anos, ex-aluna da escola e estudante do Liceu de Goiânia, também ocupado, “o processo de licitação do edital (confira o chamamento e a lei) para a escolha das Organizações Sociais ia começar no dia 11 de dezembro. Por isso ocupamos a escola estadual José Carlos de Almeida, a segunda escola mais antiga da capital, no dia 9 [de dezembro]”.
“A Secretaria de Educação disse que a implementação aconteceria em 300 escolas, mas essa lista não foi divulgada. Tudo aconteceu sem nenhum diálogo com o poder público e sem a menor transparência. Por causa das ocupações, a Secretaria adiou a licitação par ao dia 5 de fevereiro”, complementa Mariana*.
Privatização da Educação em Goiás
As Organizações Sociais (OSs) fazem parte de uma política neoliberal para privatizar o serviço público na área da Educação. Na prática, elas fortalecem o setor privado e flexibilizam a contratação de servidores. Quem liderar uma OS - alguém indicado por um político, por exemplo – pode contratar funcionários de seu interesse. Além disso, a grade curricular e a gestão da escola, que é patrimônio público, passam para as mãos do setor privado e de seus algozes.
Aquilo que o governo tucano, em Goiás, chama de “gestão compartilhada” não passa de uma política neoliberal, pois transfere a responsabilidade do estado com a Educação para a iniciativa privada que tem fins lucrativos, fazendo com que o setor seja um instrumento de geração de lucros e não um investimento social.
“Nós questionamos a série de medidas que o governo vem implementando. Não existe um modelo de OS que possa ser usado com exemplo nacional. Apenas as empresas que são parceiras do governo são as que conseguem a qualificação pelo chamamento. É um modelo que não tem transparência. Um dos principais problemas da OS é que ela retira a escola do domínio público”, denuncia João Coelho, membro da Associação de Mobilização dos Professores de Goiás e professor de Filosofia da escola estadual Murilo Braga, também ocupada pelos estudantes em Goiânia. 
Escalada da repressão
Com 19 escolas atualmente ocupadas, secundaristas e professores garantem: não vão deixar as ocupações, mesmo com a repressão. Eles reafirmam, por meio de relatos, qual é a posição do governo frente à questão educacional do estado. Mariana Dias*, que mora próximo à escola estadual Robinho de Azevedo, na periferia de Goiânia, por exemplo, disse já ter visto policiais militares à paisana entrarem na escola.
“Já sofri ameaças da Polícia Militar (PM) e já vi a ROTAM (Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas) presente em algumas escolas. Desde dezembro acontece repressão. Na escola estadual Cecília Meirelles, em Aparecida de Goiânia, por exemplo, a PM reprime abusivamente os alunos desde o primeiro dia de ocupação”, denuncia Mariana*.
A professora de história do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada da Universidade Federal de Goiás (UFG), Aline do Carmo presenciou os ataques da PM a mando do governador tucano. “Eu estava com um professor da UFG, uma professora do estado, uma técnica administrativa da UFG e com um advogado, levando 15 alunos da escola estadual Ismael Silva de Jesus de Goiânia para o Ministério Público, para denunciar os abusos da PM. No meio do caminho, três carros com policiais armados à paisana nos pararam em uma abordagem ilegal para nos levar à delegacia. Os alunos estavam sendo acusados de depredação de escolas, sendo que os verdadeiros culpados eram os policiais”, relata.
A escola estadual referida pela professora foi palco da violência policial. No último dia 25, às 5 horas da manhã, jovens de 13 a 17 anos foram acordados aos chutes, xingamentos e cadeiradas por nove policiais militares. Segundo relatos de um vídeo postado no Facebook, por alunos da escola, os policiais atropelaram dois alunos, pularam o muro sem mandato de reintegração de posse e ordenaram que todos saíssem do colégio, dando tapas, cadeiradas e chutes até em crianças.
Em sua página, “Secundaristas em luta – GO”, o Comitê de Secundaristas de Goiás afirma que esse vídeo “é a imagem do ´diálogo´ da secretária estadual de Educação, Raquel Teixeira; do governador Marconi Perillo; do diretor da escola, Elienay; e do subsecretário de Educação, Marcelo. [A escola foi desocupada ilegalmente] por policiais militares a mando da Secretaria de Educação”. 
Criminalização do movimento
A imprensa partidária de Goiás – como a TV Anhanguera, filiada da Rede Globo – comprada pelo governador tucano Marconi Perillo, não tem interesse em denunciar os abusos cometidos pela polícia a mando do governador.
Segundo a professora Aline, presente na ocupação da escola Ismael Silva de Jesus, no dia da repressão, a imprensa não entrevistou os estudantes, coletando informações somente dos policiais e de pais contrários ao movimento, em grande parte, devido às ameaças da Secretaria de Educação em não realizar as matrículas dos alunos.
O jornal Diário da Manhã - mais conhecido como “Diário do Marconi”, segundo a professora Aline - publicou no início das ocupações uma reportagem criminalizando e divulgando a foto de nove apoiadores do movimento. O jornal afirmava que eram fotos dos líderes do movimento e que eles usavam táticas de guerrilha do Chile. Uma das fotos divulgadas no jornal foi do professor de História da UFG, Rafael Saddi, de 36 anos.
“No momento estou processando o Jornal para garantir o meu direito de resposta. Publicaram que eu e outros apoiadores estávamos incitando os alunos a invadirem escolas e que o movimento era vinculado a organizações e partidos políticos, até de outro estado. Não pertenço a nenhuma organização política. Apoio a luta desses estudantes por uma educação pública e de qualidade”, afirma Saddi.
No dia 15 de janeiro, os estudantes chegaram a protestar em frente à redação do jornal contra o tipo de cobertura tendenciosa que está sendo promovida.
O Diário da Manhã (Unigraf) foi o maior financiador da campanha do governador Marconi Perillo para a reeleição em 2002. Foram doados pelo jornal R$ 310 mil à campanha do tucano, segundo dados do blog Jornal X, do jornalista Eduardo Horário.
*o nome da estudante é fictício

Percival Maricato sobre a onda nazista estupida e burra, fomentada em grande parte pela mídia associada à Casa Grande, que varre o Brasil...





"Logo que se sentiram seguros, os nazistas extinguiram a Constituição, acabaram com eleições livres e começaram a liquidar seus inimigos por etapas. Os primeiros foram os comunistas e os sociais democratas, expulsos do Reichstag, postos na ilegalidade, enviados para campos de concentração quando presos. Depois vieram até líderes católicos, protestantes, intelecutais, políticos da direita, generais,  diplomatas, até membros da nobreza, insubmissos. O destino de todos foi campos de concentração ou bala na cabeça. Sobrou até mesmo para os líderes das S.A., entre eles Ernst Rohm, o maior  parceiro de Hitler na organização de tumultos e disseminação do ódio como instrumento de fazer política."



Judeus, intelectuais, gays, negros, petistas, nordestinos...
por Percival Maricato
Fonte: Jornal GGN
O presidente da Confederação Israelita no Brasil, Fernando Lottemberg, um intelectual respeitado, escreveu na FSP, pg 3, sobre o Holocausto e o reinício da perseguição a judeus na Europa nos tempos atuais, citou que no Brasil isso anda acontecendo com seguidores de religiões afro e homossexuais, o que preocupa. Esqueceu de citar as agressões a negros, nordestinos, petistas ou aos que os apoiam ou respeitam, até mesmo em cemitérios e hospitais, a que vitimou até Chico Buarque, que todos achavam ser unanimidade nacional, diversas outras em restaurantes, as faixas pedindo morte de comunistas em manifestações, volta da ditadura e etc.
Quanto aos problemas enfrentados por Israel no momento, há que se separar o antisemitismo fascista, inerente a ideologia, da insatisfação crescente entre outros setores da população  com a forma como o governo de extrema direita desse pais trata os palestinos.
Talvez, pelo artigo referido e pelo momento, seja relevante lembrar o que aconteceu na Alemanha com a tomada do poder pelos nazistas, em 1933, Hitler à frente, onde a tragédia do Holocausto iniciava. Eles assumiram o poder inicialmente dentro de normas constitucionais, com grande ajuda do exército, da nobreza, ainda poderosa, e  dos grandes industriais e políticos de direita, que pensavam em manipulá-los. Acrescente-se ainda as contribuições da França e da Inglaterra, que ignoraram ou até fizeram concessões explícitas as agressões do fuhrer, como na invasão das zonas desmilitarizadas, da Tchecoslováquia, a reconstrução da wehrmacht (exécito alemão), até que a frágil Alemanha pudesse rivalizar com seus países, e então era tarde.
Logo que se sentiram seguros, os nazistas extinguiram a Constituição, acabaram com eleições livres e começaram a liquidar seus inimigos por etapas.
Os primeiros foram os comunistas e os sociais democratas, expulsos do Reichstag, postos na ilegalidade, enviados para campos de concentração quando presos. Depois vieram até líderes católicos, protestantes, intelecutais, políticos da direita, generais,  diplomatas, até membros da nobreza, insubmissos. O destino de todos foi campos de concentração ou bala na cabeça. Sobrou até mesmo para os líderes das S.A., entre eles Ernst Rohm, o maior  parceiro de Hitler na organização de tumultos e disseminação do ódio como instrumento de fazer política. Rohn e dezenas de oficiais da milicia foram assassinados na Noite das Facas Longas por outra milícia, a SS. Na mesma noite liquidaram um general e um líder da direita, com sua esposa. Estes nada tinham a ver com as S.A. mas parece que os nazi resolveram aproveitar e já que tinham saído às ruas fizeram mais esse servicinho.  Aliás, a tática usada muitas vezes pela extrema-  direita era essa: causava tumultos, gerava insegurança, anarquia e então se apresentava  como mão forte para o retorno da ordem. No caso alemão os nazistas ainda acusavam os comunistas e judeus pela derrota na primeira guerra mundial. Nada a ver, mas a sociedade estava receptiva para achar culpados.
A perseguição aos judeus foi proposta pelos nazistas antes da tomada do poder, consta do Mein Kampf, sendo, portanto, previsível. Pode-se relatar episódios extremamente cruéis anteriores à guerra, como a formação de guetos, leis e práticas discriminatórias, a Noite dos Cristais e etc, mas foi só  após a liquidação das oposições políticas é que se deu o início da perseguição sistemática visando liquidar com os judeus, em todos os países dominados. E todos sabemos como acabou, um dos episódios mais trágicos da humanidade, ou da desumanidade, tanto como o que foi feito com os russos (26 milhões de mortos, três vezes mais que alemães) e demais povos dominados.
Os militares alemães também descobriram que estavam sendo dirigidos por pessoas desequilibradas pelo ódio e obtusas politicamente, mas era tarde. Um dos grupos que tentaram se insurgir, colocando uma bomba no bunker de Hitler, em julho de 1944, falhou. Foi o suficiente para os nazistas enforcarem centenas de oficiais (23 generais) e membros das classes sociais que tradicionalmente eram dominantes (nobres, diplomatas etc, num total de mais de cinco mil), em ganchos de açougue de um porão, com cordas de piano, para a agonia durar mais. As execuções eram filmadas, para que Hitler e asseclas pudessem assistir à noite. As vítimas eram levadas à forca sem cintas para segurar às calças para maior humilhação. Os demais generais que se comportaram foram, também, sendo humilhados nos meses seguintes, à medida que as derrotas se acumulavam. Todos eram chamados de incompetentes, traidores e etc e removidos de seus comandos. Como podia um povo tão inferior, com mentalidade de escravos (os russos), derrotarem os super-homens do exército alemão? A explicação seria a incompetência e covardia dos generais.
Somados, os mortos da II Grande Guerra são calculados em 66 milhões. A maioria era de cívis, milhões eram crianças. Se todos os que seriam perseguidos, ao ver o que os esperava, e era fato previsível, tivessem se unido,  muito provavelmente a tragédia tivesse sido evitada.
Perante certas manifestações de ódio exacerbado, equivocam-se aqueles que se omitem achando que serão poupados.
Percival Maricato

Quem lucra com o aquecimento global


Foto do Oceano Ártico na semana passada. Em branco mais forte, área congelada. Na linha pontilhada, a extensão média do gelo, entre 1970 e 2010
Enquanto centros de pesquisa alarmam-se com derretimento do Ártico, empresas como Shell avançam planos para extração de petróleo de altíssimo risco ambiental
Por Daniela Frabasile, no Outras Palavras
Nessa semana, o National Snow and Ice Data Center, uma agência governamental norte-americana, confirmou, com a colaboração da NASA, que a extensão de gelo no Oceano Ártico é a menor já registrada nesta época do ano – faltando três semanas para o período de maior aquecimento das áreas próximas ao Polo Norte.
Desde o final dos anos 1970, satélites monitoram a porcentagem de gelo que cobre o Ártico, e verificaram uma tendência no padrão de congelamento. Durante o inverno, o mar congela, atingindo o pico em março; no verão, a extensão de gelo diminui, sendo o mínimo normalmente atingido em meados de setembro.
Algumas previsões baseadas em modelos de computador já sugeriram que, em algum momento, não haverá gelo no Ártico durante o verão. Isso ocorrerá, provavelmente, já em meados desse século. Segundo Michael E. Mann, climatologista da Universidade do Estado da Pennsilvania, “esse é um exemplo de como a incerteza não é nossa amiga, no que diz respeito a risco de mudanças climáticas”.
Uma das consequências mais temidas é a elevação do nível dos oceanos. O simples  derretimento do gelo não é suficiente pra provocar o fenômeno,  já que o gelo que flutua também ocupa espaço no mar. A questão é que o gelo reflete a luz solar, enquanto a água do mar a absorve, o que causa um aumento da temperatura da água, capaz pode influenciar o derretimento do gelo que está sobre a terra. Este, sim, pode elevar o nível do mar.
Mas enquanto alguns se preocupam com as consequências ecológicas do degelo, outros brincam com fogo. Matéria do New York Times revela que empresários e consultores já falam dos supostos benefícios econômicos do derretimento — como abertura de novas rotas marítimas e exploração de recursos naturais.
A Shell pretende iniciar perfurações no Oceano Ártico em setembro. A empresa quer aproveitar o fim do verão para realizar as operações. Avalia que, se começar agora, pode deixar o local em outubro, antes do aumento do gelo marinho.
Importantes grupos ambientalistas alertam que essas operações causariam “danos irreparáveis” à região. O Natural Resources Defense Council (NRDC – organização ambientalista) pediu que Washington proibisse as perfurações, afirmando que a Shell não seria capaz de impedir derramamentos de petróleo. A Shell admitiu que não teria recursos para limpar eventuais desastres ambientais.
Porém os grupos que apoiam a empresa afirmam que o projeto de exploração forneceria aos Estados Unidos recursos energéticos por mais de uma década, e reduziria a dependência do país em relação ao petróleo estrangeiro. Segundo o NRDC, a busca de petróleo no Oceano Ártico apresenta riscos ainda maiores de derramemento, em virtude da constante movimentação do gelo.