sexta-feira, 3 de julho de 2020

O FBI no núcleo da Lava Jato e a guerra híbrida imposta pelo império, por Roberto Bueno



Neste revolto mar desde o qual todavia não se avista terra firme, eis que foi veiculada informação sobre a Lava Jato, e ela apenas confirma o que já corria em determinados círculos.
Jornal GGN:

O FBI no núcleo da Lava Jato e a guerra híbrida

por Roberto Bueno

O Brasil vive sob intenso bombardeio de notícias desde o golpe de Estado contra o povo brasileiro em 2016 encarnado na derrubada de Dilma Rousseff da Presidência da República. Gravíssimas notícias são veiculadas diariamente sobre os mais diversos aspectos da vida nacional, ao que veio somar-se a morte contratada de dezenas de milhares de brasileiros(as) em face da omissão e das escolhas da administração política central. Neste revolto mar desde o qual todavia não se avista terra firme, eis que foi veiculada informação sobre a Lava Jato, e ela apenas confirma o que já corria em determinados círculos.
A recente publicação da Agência Pública e do The Intercept Brasil neste dia 01.07.2020 informa que em outubro de 2015 procuradores da Lava Jato curitibana e advogados de delatores receberam comitiva de 18 agentes do FBI, reunião ocorrida em flagrante desrespeito à legislação nacional. A reportagem indica que o Procurador da República Deltan Dallagnol ocultou da Procuradoria Geral da República (PGR) as articulações e todas as dimensões da ampla colaboração estabelecida diretamente entre a Lava Jato e o FBI norte-americano. O problema reside em que a legislação brasileira é taxativa quanto a que tal jamais poderia ter ocorrido senão através do Ministério de Relações Exteriores, ou seja, por intermédio do Poder Executivo federal, único detentor de competência para representa a soberania do Estado e, por conseguinte, entabular relações no plano internacional. A confirmação destas relações pela Lava Jato colocará os seus membros como atores de ações clandestinas e ilegais em cooperação com a ação de agentes estrangeiros em território nacional. Grave a questão, o que levou Dallagnol a ser chamado a conceder diversas entrevistas para a imprensa.
Em uma delas concedida no dia 02.07.2020 à Rádio Gaúcha, de Porto Alegre, todos fomos surpreendidos por sua falta de memória, por exemplo, acerca da participação na Lava Jato de nada menos do que 18 integrantes do FBI, dentre os quais George “Ren” McEchern, Jeff Pfeiffer, Leslie Rodrigues Backschies e Patrick Kramer, todos eles com ficha funcional já identificada no que tange às suas atividades na citada agência. A entrevista de Deltan contém alguns trechos instigantes, como quando, por exemplo, trata da relação da Lava Jato com o FBI, e as confirma mas, paralelamente, procura justificá-las dizendo: “E o que a gente pediu foi uma ajuda para que o FBI a partir de sua tecnologia mais avançada quebrasse a criptografia e o sigilo daquele sistema para a gente conseguir entrar e descobrir os milhões de propina que a Odebrecht tinha pago a favor de “n” agentes políticos do Brasil o que é algo extremamente irregular, isto que a gente quer como sociedade brasileira descobrir os crimes de corrupção é algo que não tem nada de errado, pelo contrário, mostra nossa diligência […]”. Dallagnol não responde de forma alguma, por exemplo, por qual motivo precisaria reunir-se com 18 agentes do FBI para solicitar apenas esta tecnologia. Tampouco explica a reunião mantida com outros procuradores e os advogados de defesa na presença dos agentes do FBI.
No momento faltam elementos para que possam ser feitas afirmações. Sem embargo, sugerimos que a colaboração com os norte-americanos já vem de mais longa data, e que naquele ano de 2016 já vinha sendo aplicada para outras finalidades além desta alegada por Dallagnol para justificar a colaboração do FBI. Assim, por exemplo, recordamos a extrema celeridade com que as informações da gravação das conversas da Presidente Dilma com o Presidente Lula foram processadas e, logo, disponibilizadas para a imprensa, no caso, a TV Globo. A possibilidade de processar as informações em tão exíguo período de tempo seria possível tão somente com a tecnologia que apenas os norte-americanos possuíam à época e deste modo, portanto, não se tratava, como alega Dallagnol, de que os seus contatos com o FBI tivessem como objetivo exclusivo a quebra da criptografia de software da Odebrecht concebido para realizar o pagamento de propinas.
À certa altura da entrevista Dallagnol é interrompido pela repórter Kelly Mattos, que insiste na pergunta sobre os agentes: “Mas teve gente do FBI doutor?” Perante a direta pergunta para a qual não haveria como eludir entre comprometer-se com afirmar a presença injustificável ou comprometer-se com mentira insustentável, então, experiente, Dallagnol recorreu à zona da penumbra para ganhar tempo e elaborar estratégia: “Olhe, eu não consigo lembrar concretamente, eu teria que ir lá e recuperar”. À parte toda a documentação, todas as declarações, fotos, conversas, declarações de admiração, verdadeira tietagem, tudo bem documentado, quem, afinal, na qualidade de agente público, poderia esquecer ter mantido contato com agentes do FBI à trabalho no Brasil quando isto, no mínimo, é ocorrência profissional que margeia perigosamente a ilegalidade em meio a um processo de vasta repercussão nacional? Quem esqueceria isto?
O quadro que estas relações sugerem é gravíssimo, aponta para violações à soberania nacional e a colonização das forças policiais e de setores do poder togado, sobressaindo a urgência de fazer com que a legalidade volte a imperar. Pré-requisito será a realização de eleições livres e limpas para posterior restauração da democracia, o império da Constituição e, por fim, da soberania nacional. Nada disto será concretizado sem intensa luta política popular, pois a garantia da soberania historicamente é fruto de conquista e não gracioso reconhecimento e entrega, e tampouco será este o caso do Brasil, em que está em curso a expropriação das riquezas nacionais por parte das forças que impuseram o golpe de Estado de 2016. Estas não hesitarão em continuar a agravá-lo sob a radicalização da ditadura militar, sob a única exceção de que a correlação de forças aponte para alto e insustentável custo para os atuais donos do poder de fato.
Desfaçatez, tudo é desfaçatez, supina e suprema desfaçatez, indesculpável e moralmente ofensiva desfaçatez contra o povo e a soberania brasileira, imperdoável para autoridades públicas que nutram respeito pela função e cargo que ocupam. A retomada da democracia no Brasil depende da reconstrução das instituições e restauração urgente da legalidade, mas para isto as instituições estão a requerer imediata injeção de força política que apenas a população pode providenciar nas ruas. O presente quadro de decomposição interna e de debilidade das instituições leva a questionar se isto teria sido possível sem que tivesse sido instaurada a sua eficiente desidratação e contaminação interna, facilitando a infiltração de agentes estrangeiros ao tempo em que utilizando sofisticados métodos de inteligência e espionagem para reorientar as ações de figuras-chave da República colocadas em posição de não-retorno.
Tudo isto auxilia a compreender o quadro de substituição da aplicação dos velhos métodos de guerra pelo novo modelo de guerra híbrida. A finalidade em ambos os casos é a mesma, a saber, a apropriação de riquezas, como é o caso do petróleo e de recursos hídricos – dilemas que o Brasil conhece bastante bem nesta quadra histórica – assim como a ocupação de territórios com importância geopolítica. A grande diferença entre estes dois métodos reside nos meios empregados para o desenvolvimento das ações, pois agora, ao invés de deslocar material bélico, canhões, aeronaves e grandes contingentes humanos, tal como ocorria anteriormente, hoje há mobilização de alta tecnologia, aplicada para capturar tanto sistemas quanto recursos humanos, gente que ocupa postos-chave na administração dos Estados-alvo, seja cooptando quem os ocupa, seja determinando as suas decisões ou infiltrando indivíduos nestas posições decisivas. A devida atenção a este sintético resumo permite compreender quais são os motivos para a presença e intervenção de agentes estrangeiros no Brasil e tão intensa e obstinada seja a colaboração de alguns nacionais gerando estranheza apta a impor-nos dúvidas sobre o real sentido de suas motivações em face de tantas incongruências com o comportamento e decisões de tempos ordinários.
Nota: Não é possível falar sobre qualquer assunto no Brasil sem recordar que diariamente são postas a perder cerca de 1.300 vidas à razão crescente, como se se tratasse de bens fungíveis, todas vitimadas pela Covid-19, avançando rumo a perdermos uma vida por minuto. Nas fronteiras do reino da desídia do poder político central muitas vidas inocentes que poderiam ser poupadas são expostas à morte e as suas famílias ao flagelo do sofrimento desnecessário. Enquanto tudo isto durar temos a obrigação moral de recordar e alertar diuturnamente para este genocídio do povo brasileiro conduzido pela elite e consentido pelas instituições que hesitam, titubeiam, calam e, dentre todos, os que se omitem colaboram decisivamente para o resultado genocida perpetrado. A responsabilidade é individual, mas também coletiva, e a história cobrará, inclusive, de quem escreveu e de quem leu este texto enquanto eram abandonadas à morte, aproximadamente, outras sete vidas.
Roberto Bueno – Professor universitário. Doutor em Filosofia do Direito (UFPR). Mestre em Filosofia (Universidade Federal do Ceará / UFC). Especialista em Direito Constitucional e Ciência Política (Centro de Estudios Políticos y Constitucionales / Madrid). Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Direito (UnB) (2016-2019). Pós-Doutor em Filosofia do Direito e Teoria do Estado (UNIVEM).

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