quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Na ONU, Bolsonaro mostrou ao mundo seus limites e os limites da política externa brasileira: ao invés de expandir o Brasil, retraiu-o. Analise de Martonio Mont’Alverne Barreto Lima




"(...) ao invés de abrir-se ao universalismo, que reconhece as legítimas diferenças entre culturas e povos, fechou-se no nacionalismo de viés fascista; em vez de aparecer como líder de uma nação independente, exibiu de forma inequívoca sua subserviência ao Presidente dos EUA (...)." 


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Do Jornal GGN:

Bolsonaro na ONU

por Martonio Mont’Alverne Barreto Lima

Das interpretações sobre a fala de Jair Bolsonaro nas Nações Unidas de hoje sobressai-se uma que se pode qualificar como o cínico realismo. Esta interpretação sustenta autenticidade e coerência de Bolsonaro, com seu discurso cristão e nacionalista. Como foi ele eleito por esta plataforma, nada mais razoável que defendê-lo no nível internacional. Por fim, ainda segundo esta interpretação, o discurso foi consistente, independente de seu conteúdo.
Há muitos episódios no cenário internacional que podem servir de comparação. Chama a atenção, porém, o discurso do representante do Japão na antiga Liga das Nações em março de 1933:  consistente e coerente com a política externa e interna do Império do japão de invadir a Mandchúria. Nesta data, igualmente num discurso forte, o Japão se retirava da Liga das Nações, ajudando a sepultar a primeira tentativa mundial de organismos mediadores internacionais. 
Bolsonaro mostrou ao mundo seus limites e os limites da política externa brasileira: ao invés de expandir o Brasil, retraiu-o; ao invés de abrir-se ao universalismo, que reconhece as legítimas diferenças entre culturas e povos, fechou-se no nacionalismo de viés fascista; em vez de aparecer como líder de uma nação independente, exibiu de forma inequívoca sua subserviência ao Presidente dos EUA. Ambos, por sinal, posicionaram-se agressivamente contra Cuba e Venezuela, dois países do mesmo continente Americano. Ambos deixaram claro para a comunidade internacional a natureza de sua política externa e como enxergam o mundo: entre bem e mal, onde eles são a consubstanciação do bem que deve derrotar todos outros, a encarnarem o mal.
A perda do horizonte civilizatório é o que chama atenção na fala de Bolsonaro, como mau recurso à fuga dos verdadeiros desafios internos e externos que possui o Brasil. Distanciar-se da busca pela convivência respeitosa entre povos – reconhecendo suas escolhas e peculiaridades, mas na busca de pontos em comum mínimos que tornam possível o caráter universal desta convivência – representa o fim de qualquer líder mundial que almeja esta posição.
O gosto pela frágil argumentação também se deixou perceber no discurso. O materialismo que Bolsonaro abomina não se vincula somente ao comunismo, como querem ele e seu Chanceler. Em qualquer manual de relações internacionais, ou de qualquer ramo das ciências humanas, consta que os desafios da humanidade sempre foram os problemas no concreto e não do abstrato. Esta retórica serve apenas como sofisma para procurar camuflar ações reais, materiais. Capitalistas, comunistas, liberais, sociaisdemocratas todos recorrem à compreensão dos fenômenos reais para sua ação política. É a histórica advertência de Macquiavel, que escreveu suas sempre atuais reflexões com base no que são, não no que deveriam ser ou poderiam ser.
O discurso de Bolsonaro na ONU em 2019 é fim e começo ao mesmo tempo: fim da tentativa do Brasil de almejar ser nação com destino próprio, e com respeito aos outros povos. Mas é anúncio do começo de uma tragédia, que nos remete ao começo do século XX. O mesmo século que assistiu às duas mais cruéis e sangrentas guerras da humanidade. Remete-nos, por fim, à reflexão do pensamento conservador e reacionário deste período, onde a apologia à guerra, ao nacionalismo, contra o universalismo, era a razão da existência dos próprios estados. Donald Trump não poderia ter melhor vassalo. 


Prof. Dr. Martonio Mont’Alverne Barreto Lima – Universidade de Fortaleza

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