sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Moro sofre nova derrota e figura do “juiz de garantias”, que evita a parcialidade de juizes na produção de provas penais, é incluída em pacote anticrime. Reportagem de Lilian Milena


Ex-juiz da Lava Jato, Sergio Moro, é contra projeto de lei que evita a parcialidade na produção da prova penal e que avançou na comissão especial que analisa pacote anticrime na Câmara






Ex-juiz Sérgio Moro e procurador que coordena Lava Jato, Deltan Dallagnol atuavam juntos, mostram mensagens reveladas pelo The Intercept Brasil. Foto: José Cruz/Agência Brasil


Jornal GGN O grupo de trabalho criado para analisar o pacote anticrime na Câmara dos Deputados aprovou na tarde desta quinta-feira (19) a criação do juiz da garantias, magistrado que passaria a responder pela instrução processual.
O pacote anticrime foi proposto pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, e traz pontos que já haviam sido propostos por uma comissão de juristas liderada por Alexandre de Moraes (atual ministro do Supremo Tribunal Federal), quando ministro no governo Temer.
A proposta do juiz de garantias já existe na maioria dos países e, basicamente, divide entre dois juízes a instrução criminal e o julgamento de processos. O primeiro é responsável pela legalidade da fase inicial do inquérito criminal, supervisionando as investigações e a garantia do direito fundamental dos suspeitos ou indiciados. O segundo, passaria a responder pelos trabalhos da parte final do processo, que envolve o julgamento da verificação da culpa ou da inocência do réu.
Atualmente, no Brasil, um mesmo juiz participa da fase de inquérito e da fase que profere a sentença. “O juiz que definir uma busca e apreensão, uma quebra de sigilo, não será o mesmo juiz que vai decidir o feito”, explica o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), autor da proposta junto com a deputada Margareth Coelho (PP-PI).
Eles defendem a mudança como imprescindível para uma Justiça imparcial. “Se o juiz errou no começo [do processo], ele vai querer justificar sua medida condenando a pessoa. Por isso, para ter imparcialidade, é importante que um juiz decida na parte da investigação e outro juiz decida o feito”, justifica Teixeira.
Tocador de vídeo
00:00
00:59
O deputado lembra que essa separação já existe no estado de São Paulo. Há 34 anos o Dipo (Departamento de Inquéritos Criminais e Polícia Judiciária) aplica o sistema.
“Se tivesse o juiz de garantias [na Justiça de todo o país], não teria um juiz tão contaminado, tão parcial quanto foi Sergio Moro. É uma vitória para o Brasil. Temos agora que aprovar no plenário [da Câmara dos Deputados] e no Senado”, completa o parlamentar.
Em entrevista recente à Folha de S.Paulo, o juiz criminalista e estudioso do tema há 20 anos, Carlos Alberto Garcete, defendeu a criação da figura do juiz de garantias.
“O ser humano tem uma tendência natural de querer reconfirmar suas decisões. Com o juiz é a mesma coisa. Se eu autorizo medidas de busca e apreensão, isso acaba influenciando meu lado psicológico e reforça minha tendência a condenar. Se eu absolver, é como se estivesse reconhecendo que cometi uma falha na fase anterior”, explicou.
A proposta de criar a figura do magistrado para instruir o processo não é nova e está prevista no projeto de novo Código do Processo Penal (PL 8045/10) aprovada pelo Senado em 2011, aguardando apenas a validação na Câmara dos Deputados.
A proposta, entretanto, ganhou força no Congresso mais recentemente após a divulgação dos diálogos mostrando a proximidade entre o então juiz Sergio Moro e procuradores da Operação Lava Jato.


Na época em que o Senado aprovou a inovação no Código de Processo Penal, o então juiz federal Sergio Moro foi entrevistado e respondeu que, com o instrumento, “perde-se na fase da ação penal todo o conhecimento que foi acumulado na fase de investigação, sendo necessário recomeçar do zero”. Ou seja, Moro se mostrou contrário a criação do juiz de garantias.
Na mesma matéria, o juiz federal Augustino Lima Chaves, do Ceará, ponderou o contrário. “É uma excelente mudança”, disse. “O juiz que autoriza medidas fortes muito raramente muda de opinião”, completou.


E o Ministério Público?

O jurista Lênio Streck comentou ao GGN que a proposta é um avanço, entretanto avaliou que ainda é pouco para eliminar a falta de imparcialidade no sistema Judiciário como um todo.
“É um avanço [a decisão dos parlamentares na comissão sobre o pacote anticrime]. O projeto, no entanto, é muito mais uma consequência da falta de imparcialidade. Mas ainda é pouco. Tem de, também, obrigar o Ministério Público a apresentar as provas que tiver obtido, inclusive as que favorecem à defesa, como acontece em países como Alemanha, Itália e Estados Unidos”, pontua.
Em artigo publicado por ele no Conjur, a respeito do projeto de Lei para evitar a parcialidade do juiz, Lênio reforça a necessidade da discussão em torno da produção de provas e do papel do Ministério Público em compartilhar essas informações com os réus e indiciados.
“Na verdade, o projeto nada cria de novo. Apenas oficializa o que já está no Estatuto de Roma, incorporado ao Direito brasileiro, e pega emprestado um dispositivo do Código Penal alemão (também previsto no direito italiano e na jurisprudência da US Supreme Court dos EUA”, destaca Lênio, lembrando que o Brasil é signatário do Estatuto de Roma, incorporado desde 2002 ao Direito do país.
“O Ministério Público brasileiro possui as mesmas garantias da magistratura, fruto de uma luta intensa no processo constituinte. Logo, se possui as mesmas garantias, o MP tem as mesmas obrigações, sendo a principal delas a isenção e o dever de não se comportar como a defesa — essa sim autorizada a realizar aquilo que se chama, na doutrina, de ‘agir estratégico'”, completa o jurista. (Leia aqui seu artigo na íntegra).

Nenhum comentário:

Postar um comentário