segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Um tratado sobre o adesismo acrítico e/ou oportunisa brasileiro, por Luis Nassif



  "Trata-se de um vício intrínseco ao brasileiro que quer galgar o poder. E não se corrige com cursos em Yale ou Harvard, porque, no fundo, a intenção não é assimilar princípios e fundamentos dos pais fundadores dos Estados Unidos, mas ganhar influência no país dos bacharéis.",




 
Em novembro passado, o Ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF) soltou uma de suas boutades sobre o processo jurídico-político que conduziu Jair Bolsonaro ao poder: “a sociedade brasileira deixou de aceitar o que é inaceitável“. Falava como o líder da partidarização do STF.

Ontem a menina Agatha foi assassinada pela Polícia, a sexta criança assassinada em pouco tempo. O Ministro Gilmar Mendes protestou. Barroso se manteve calado, em um silêncio sobre o inaceitável ou, talvez, aceitando o inaceitável em nome da causa justa.

No auge da Lava Jato, depois de se equiparar a outros juristas políticos, como Joaquim Nabuco, Ruy Barbosa e San Thiago Dantas, o humilde Barroso derramou sabedoria em inúmeras palestras e entrevistas, nas quais se propunha a interpretar o brasileiro: preguiçoso, superficial, malandro.
Com o tempo, o próprio Barroso se tornaria o personagem preferencial em qualquer análise sociológica sobre uma das características mais marcantes no homem público brasileiro: a tendência secular ao adesismo.

No excelente “Forças Armadas e Política no Brasil”, o historiador José Murilo de Carvalho lembra a queda da República Velha, na famosa Batalha de Itararé, aquela que nunca houve.
Embora apenas parcela minoritária do Exército tenha tomado parte na revolta, e todos os generais da ativa tivessem permanecido leais ao governo, o sistema político montado por Campos Sales no início da República já se achava suficientemente desmoralizado, carcomido, na linguagem da época, para que ninguém se dispusesse a arriscar a vida em sua defesa.

A grande batalha da revolução, a de Itararé, foi celebrada pelo poeta Murilo Mendes como a maior batalha da América do Sul que não houvera. No melhor estilo brasileiro, quando a sorte do movimento pendeu para os rebeldes, todos aderiram, inclusive os generais do presidente Washington Luís.

Em todos os golpes militares, os golpistas eram minoria. Mas, consumado o golpe, imediatamente havia a adesão em massa.


O general Leitão de Carvalho, o homem da Missão Francesa (se a memória não falha, genro de Machado de Assis), defensor intransigente do legalismo e da não politização do Exército, foi convidado por Góes Monteiro para reformar a força, no bojo do golpe de 1937 do Estado Novo. Aceitou sem pestanejar.

Em 1932, segundo relato que ouvi do meu biografado, Walther Moreira Salles, o então interventor em São Paulo, José Carlos de Macedo Soares, aderiu à revolução constitucionalista e comunicou o fato a Getúlio Vargas através de um telegrama. No final do telegrama, um PS: “minha senhora manda lembranças a dona Darcy Vargas e ao senhor”.

Trata-se de um vício intrínseco ao brasileiro que quer galgar o poder. E não se corrige com cursos em Yale ou Harvard, porque, no fundo, a intenção não é assimilar princípios e fundamentos dos pais fundadores dos Estados Unidos, mas ganhar influência no país dos bacharéis.

Sugere-se a algum acadêmico interessado começar a trabalhar o tema para sua tese de doutorado. Ayres Brito, Carmen Lúcia, Barroso, Fachin, Janot, Raquel, Luiz “mato no peito” Fux, Toffoli, forneceriam excelente material didático. Assim como os poucos que resistiram ao furor da ventania, como Celso de Mello, Marco Aurélio, Lewandowski, Gilmar com todas suas polêmicas.
 
Será mais elucidativo do que todas as obras sobre a jurisprudência brasileira.
Por adesismo não se entenda apenas apoio acrítico ao Presidente, mas a submissão aos esquemas de poder do momento, às ondas da opinião pública, a submissão ás linhas editoriais ditadas por interesses particulares.

Onde estariam as raízes dessa maldição brasileira, de instrumentalizar princípios em interesse próprio? Na herança escravagista e do coronelato, que obrigava cada pessoa a se abrigar na sombra de um coronel para se defender contra o arbítrio? No mercantilismo superficial de parte da elite, que enfraqueceu qualquer ideia de projeto nacional? No poder de reis e presidentes de fazerem e desfazerem os campeões nacionais? No provincianismo de se pretender cidadão de segunda classe em país de primeira classe? Na síndrome de Miami, que cativou até Ministros do Supremo?

Mais relevante é entender as mudanças das últimas décadas. Com globalização ou sem, a síndrome do puxa-saco permaneceu viva, como valor imemorial na cultura brasileira.

É desprezado por artistas populares, por chefes maduros, pela literatura, pelos humoristas. Mas resiste firme e altaneiro: o puxa-saco é coisa nossa.

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