terça-feira, 16 de março de 2021

Tereza Cruvinel: Bolsonaro fez patifaria com Ludhmila e sabota o Centrão

 

Bolsonaro expôs a vida de uma médica a alto risco e aprontou uma molecagem contra sua base de apoio que poderá ter sérias consequências, escreve Tereza Cruvinel: "Não há bobo no Centrão mas seus líderes pareciam surpresos ontem com tamanha molecagem política, que abalou o relacionamento e pode ter consequências."

Bolsonaro, Ludhmila e Lira

Bolsonaro, Ludhmila e Lira (Foto: Divulgação)

Por Tereza Cruvinel 

O candidato do peito de Bolsonaro para o ministério da Saúde sempre foi Marcelo Queiroga, um Pazuello com diploma, que pode mudar a aparência da política sanitária mantendo sua essência negacionista.  Para não dizer não ao centrão,  que havia indicado a cardiologista Ludhmila Hajjaar, chamou-a para a conversar mas soltou os cães malditos do bolsonarismo em cima dela. Inviabilizada a escolha, confirmou Queiroga.

A patifaria cometida contra a médica merece repúdio, especialmente da classe médica, e também das mulheres, porque não deixa de haver um traço misógino no episódio.  Bolsonaro acha-se muito esperto mas no  Centrão ninguém é sonso.  A turma entendeu a manobra, ficou irada e tem dito até que, se o novo ministro também fracassar, a discussão será sobre a troca de presidente, não de ministro.

         Eles sabem que, com Bolsonaro na Presidência, nenhum ministro vai tirar o Brasil da tragédia sanitária. Não foi preocupado com a morticínio de brasileiros e buscando melhorar a atuação do governo federal na pandemia que Bolsonaro resolveu trocar o ministro da Saúde.  A motivação foi eleitoral, vale dizer, foi ditada pelo efeito Lula.

         Mas passo à molecagem que fizeram com a doutora Ludhmila, que na entrevista à Globonews admitiu que foi ingênua: embora comprometida com os mandamentos científicos no enfrentamento da pandemia, como a vacinação urgente e universal e o rígido isolamento social , especialmente quando não se tem vacina e o sistema hospitalar está em colapso, ela disse ter acreditado que Bolsonaro queria mesmo uma mudança para valer na conduta do governo.

         A convite de Bolsonaro, ela chegou a Brasília no domingo, hospedou-se num hotel e foi para o Alvorada, para uma conversa que durou mais de três horas.  Bolsonaro deixou claro que era uma  entrevista sobre como seria a gestão dela mas a conversa já ficou comprometida pela presença do ainda ministro Pazuello. Como dizer na frente dele que o governo vem fazendo tudo errado. Mas ela disse, com as devidas vênias.  E constatou que Bolsonaro não estava disposto a mudar nada no essencial.  Não arredou pé da ojeriza ao isolamento social: “se você fizer lock down no Nordeste você me fode e eu perco a eleição”, chegou a dizer.

O deputado Eduardo Bolsonaro também estava presente e chegou a perguntar o que ela pensava sobre armas e aborto. E enquanto a conversa rolava, ela começou a ser bombardeada nas redes sociais pela turba bolsonarista.

         A sofisticada fritura prévia não foi uma ação espontânea do bolsão mais radical do bolsonarismo.   Foi coisa planejada e operada por gente do ramo.  Enquanto a conversa rolava, a milícia digital criou três perfis falsos para ela em três diferentes redes sociais. Todos com informações que a indispunham com o presidente e com sua linha de pensamento e ação. Em um deles, havia uma postagem falsa em que ela o chamava de psicopata. Tudo isso leva algum tempo e exige domínio técnico.

         Alguém teve tempo e pachorra para pesquisar e trazer à tona vídeos em que ele aparece ao lado de figuras detestadas pelo bolsonarismo, como Rodrigo Maia, Dilma Rousseff e Gilmar Mendes.

         Imediatamente a militância bolsonarista começou a postar mensagens protestando contra a eventual escolha de uma “inimiga” para comandar o Ministério da Saúde.  E do governo, ou do entorno presidencial, em que se destacam os filhos, nenhuma mensagem apaziguadora, nenhum pedido de calma, como fizeram quando houve reação à escolha de Augusto Aras para a PGR.

         Depois que ela deixou o Alvorada começou a receber ameaças de morte, contra si e sua família. Seu número de telefone celular, usado também para atender seus pacientes, foi exposto numa rede social. Por fim, tentaram entrar à força no hotel em que estava hospedada.

         Se a conversa com Bolsonaro já fora desagradável e desanimadora, embora não conclusiva, depois das ameaças ela ficou apavorada e tomou a decisão: na segunda conversa, marcada para a manhã de segunda-feira, declinaria o convite. Ela não fora convidada, de fato, mas por que estariam conversando se ele não tinha a intenção de convidá-la? Por que a fizeram vir de São Paulo num domingo?

         Quando ela foi ao encontro de Bolsonaro, ele já tinha em mãos um dossiê com todas as manifestações contrárias ao nome dela, e com os tais registros desabonadores, como os tais vídeos, textos críticos ao governo, alguns reais, outros produzidos pela milícia digital.

         Então, nessa segunda conversa houve uma convergência: ela chegou dizendo que não daria certo, por falta de “convergência técnica” entre eles. E Bolsonaro disse que não daria certo mesmo, porque o nome dela enfrentava forte resistência de alguns setores.  Fim de papo.  Mais tarde o ministro Fabio Faria encarregou-se de dizer que não houve convite.  Formalmente pode não ter havido, mas ela disse que se convidada não aceitaria, e encerrou a conversa.

         De todo modo, o que houve foi uma encenação cretina. A política comporta fingimentos,  manhas,  mentiras e dissimulações, mas  não a molecagem. Bolsonaro disse aos do Centrão que não deu, que o nome da médica foi repelido com veemência por sua base social, por suas ligações e por suas posições.  E marcou para o final do dia o encontro com Queiroga, para formalizar a escolha que já estava feita. Escolha pessoal. Eles são próximos, ao ponto de o médico ter sido indicado por ele para uma vaga na Agência Nacional de Saúde Suplementar.

Não há bobo no Centrão mas seus líderes pareciam surpresos ontem com tamanha  molecagem política, que abalou o relacionamento e pode ter consequências.  O Centrão queria emplacar o novo ministro, teve três nomes de deputados descartados antes de apostar em Ludmila.  Mas Bolsonaro precisa muito mais do Centrão,  para governar e, principalmente, para  evitar um impeachment. Arthur Lira herdou 60 pedidos de Rodrigo Maia.

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