segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Em perguntas ao TSE, militares estudaram caminhos para anulação das eleições. Reportagem de Patrícia Faermann

 Para além da tentativa de levantar suspeitas sobre o sistema eleitoral, as 48 perguntas dos militares também buscavam preparar o terreno para possíveis pedidos de anulação dos resultados das eleições 2022.



Por Patrícia Faermann, no Jornal GGN:

Essa reportagem faz parte da investigação do projeto Xadrez da ultradireita mundial à ameaça eleitoral, para o documentário sobre o avanço da ultradireita mundial e a ameaça às eleições. Apoie aqui!

Em um das tentativas de criar instabilidade e descrédito da população sobre as urnas eletrônicas, as Forças Armadas enviaram, no começo do ano, questionamentos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tornados públicos no início de maio. Mas para além da tentativa de levantar suspeitas sobre o sistema eleitoral, as 48 perguntas dos militares também buscavam preparar o terreno para possíveis pedidos de anulação dos resultados das eleições 2022.

As perguntas foram encaminhadas ao Tribunal pelo general de divisão do Exército Heber Portella, que é o comandante do Comando de Defesa Cibernética do Exército (ComDCiber), órgão que foi criado em 2016 para que as Forças Armadas obtivessem um sistema de defesa cibernética dentro do Ministério da Defesa.

Responsável pelo convite para participar do grupo do TSE, a intenção do ministro Luis Roberto Barroso era obter o aval das Forças Armadas para a segurança das urnas, Portella foi convidado a integrar a Comissão de Transparência das Eleições.

As Forças Armadas decidiram, então, enviar uma sequência de perguntas ao TSE, assinadas pelo general, ainda em fevereiro deste ano, respondidas com detalhes pela equipe técnica da Corte, mas que diante de informações confidenciais sobre parte de segurança dos sistemas internos, estavam sob sigilo. Não satisfeitos, no dia 5 de maio, o ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira pediu ao atual presidente do TSE, Edson Fachin, que divulgasse as perguntas enviadas pelas Forças Armadas à Corte, que levantavam dúvidas sobre o sistema.

Fachin atendeu ao pedido, mantendo a confidencialidade de trechos que pudessem apresentar algum tipo de risco pelo grau de segurança da informação. Com a divulgação do documento, o noticiário revelou que todas as perguntas haviam sido respondidas, eliminando suspeitas de riscos de segurança do sistema.

Por outro lado, nas 69 páginas e 635 de anexos analisadas pela reportagem, é possível constatar disposições dos militares de explorar brechas e caminhos que poderiam, caso confirmadas as falhas, avalizar tentativas de anulação de resultados de votação.

Brecha 1 para anulação

Na pergunta de número 4, as Forças Armadas questionam qual seria “a consequência para o processo eleitoral como um todo em face da observância de irregularidades na contagem dos votos da amostra utilizada no teste de integridade”.

O teste de integridade é um dos principais mecanismos que comprovam a segurança das urnas eletrônicas. Realizado desde 2002, consiste em uma votação paralela à oficial com urnas eletrônicas sorteadas, que são retiradas das seções eleitorais na véspera do dia de votação, com a reposição de outras urnas naquele local.

As urnas sorteadas são levadas aos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e, no dia das eleições, representantes de partidos políticos, OAB e sociedade civil interessada e previamente cadastrada votam em cédulas impressas. Os votos são, então, computados nestas urnas e também em um computador, em ambiente monitorado e filmado. Ao final da votação, com o encerramento das urnas oficiais, os Boletins de Urna são impressos e os dados das urnas e do computador são comparados por uma auditoria, comprovando a coincidência dos resultados.

Nesse questionamento, o TSE respondeu que se detectadas irregularidades, ou seja, se os resultados não coincidirem, são adotadas uma série de providências de investigação. Mas que “persistindo divergência entre a votação em cédula e a eletrônica, estar-se-á diante da hipótese prevista no art. 222, c/c o art. 224, caput, do Código Eleitoral, que definem respectivamente hipóteses nas quais a eleição é anulável e em quais situações eventual anulação dá ensejo a nova eleição.”

Brecha 2 para anulação

As Forças Armadas também instam situações de nulidade do resultado eleitoral na pergunta número 30, na página 54: “Quando do recebimento de urna com lacre violado, quais são os procedimentos adotados no caso dela conter votos e no caso dela não conter?”. O Tribunal listou diversos procedimentos de segurança aplicados antes do início da votação para impedir que prejudique a votação daquela seção eleitoral. Mas que caso a violação ocorra após o início da votação ou ao final, os votos contabilizados naquela urna poderiam ser anulados, decisão que competiria a um juiz eleitoral daquela jurisdição.

Brecha 3 para anulação

Nas páginas 59 e 60, as Forças Armadas perguntam se o TSE teria alguma solução para “superar a possibilidade de perda de voto por falha de mídia eletrônica”. O Tribunal apresenta diversas soluções se ocorrer esse tipo de falha para não acarretar a perda destes votos. Mas os militares insistem e aventam a possibilidade de uma eleição ser decidida por uma diferença de votos menor, inferior, ao total que supostamente seria anulado por falha na mídia eletrônica. Perguntam como seria resolvida essa hipótese.

A Corte eleitoral responde que a “impossibilidade de recuperação dos votos de uma urna eletrônica” seria uma “remota hipótese”. Mas que, neste caso, “cabe ao juiz eleitoral da respectiva zona eleitoral determinar a anulação integral da seção eleitoral“.

Ainda, neste cenário figurado pelas Forças Armadas de que quantidade dos supostos votos anulados da seção eleitoral fizessem diferença para o resultado final de uma eleição, o TSE responde que “proceder-se-á conforme o disposto nos arts. 187 e 201 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965)”.

Os artigos referidos do Código Eleitoral estabelecem a realização de novas eleições.

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