Na segunda reportagem da série, o repórter Joaquim de Carvalho analisa o depoimento do delegado Luciano Flores, da Polícia Federal. Foi ele quem grampeou Marisa Letícia e fez a condução coercitiva do ex-presidente Lula, ações consideradas abusivas. Ficou em silêncio quando o juiz perguntou se a PF havia encontrado prova contra Lula.
No slide apontando para ex-procurador, constam 49 processos disciplinares, denúncias rejeitadas, condenações por difamação e mau uso de dinheiro público.
Para não ser leviano como Deltan foi com Lula, o PowerPoint de Dallagnol se resume a fatos: condenações por difamação e mau uso de dinheiro público e as tramoias do ex-procurador fiscalizadas pelo Judiciário e pelo MP.
EM JANEIRO DE 2018, ano eleitoral, o então procurador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, abriu o Telegram e iniciou uma conversa consigo mesmo sobre uma possível nova carreira política. O bate-papo com seu ego funcionou como um espaço de reflexão para o ex-procurador, que chegou a se considerar “provavelmente eleito” e sonhou com a possibilidade do “MPF lançar um candidato por estado”. Ali, no escurinho do Telegram, Dallagnol se sentiu à vontade para planejar uma carreira na política partidária para si e para seus colegas lavajatistas do Ministério Público Federal.
Outras conversas do Telegram já haviam revelado que Dallagnol e a Lava Jato perseguiam alguns políticos e poupavam outros. Lula era a presa preferida, enquanto políticos como Alvaro Dias, que costumava viajar no jatinho do ex-doleiro Alberto Youssef, eram poupados das investigações. Graças a essa blindagem fornecida por Dallagnol e sua turma, Alvaro Dias, do Podemos, pôde passar a campanha inteira se gabando por não ter sido alvo da Lava Jato.
No ano passado, os sonhos presentes nas conversas do ex-procurador no Telegram começavam a se realizar. Dallagnol e Moro entraram juntos para o Podemos, apadrinhados por …. Alvaro Dias. A carreira política de ambos era pavimentada enquanto perseguiam aqueles que viriam ser seus concorrentes políticos e poupavam possíveis aliados. Isso seria um escândalo de enormes proporções caso não tivéssemos uma imprensa majoritariamente comprometida com os objetivos políticos do lavajatismo.
Agora, longe do escurinho do Telegram, as coisas têm se complicado para o novo político do Podemos. Nesta semana, Dallagnol foi condenado pelo STJ por 4 votos a 1 a indenizar o ex-presidente Lula em R$ 75 mil por danos morais causados pela famigerada entrevista coletiva em que apelou para um PowerPoint tosco, cheio de suposições infundadas e cujo conteúdo não tinha relação com a denúncia que seria apresentada, a do triplex do Guarujá, que tempos depois seria anulada pelo STF.
Para o relator do caso no STJ, Lula foi apontado indevidamente como “comandante máximo do esquema de corrupção” e “maestro da organização criminosa”, quando essas questões nem sequer haviam sido objetos da denúncia oferecida pelo MPF. Dallagnol apresentou Lula para a imprensa como culpado quando ele ainda nem havia sido julgado.
São muitos os esqueletos no armário do ex-procurador. Faltariam balãozinhos no PowerPoint para denunciar Dallagnol com as irregularidades cometidas durante sua carreira no MPF. Não foram poucas. A atuação política no MPF fez com que Dallagnol fosse alvo de 52 processos no Conselho Nacional do Ministério Público, dos quais 49 eram reclamações disciplinares. O ex-procurador foi punido em apenas dois desses casos. Sua saída do MPF no ano passado foi providencial, fazendo com que todos os processos restantes fossem automaticamente extintos. Mas essa meia centena de processos precisa constar em um PowerPoint contra Deltan Dallagnol, não é mesmo?
O ex-procurador agora busca um mandato que lhe dê o conforto da imunidade parlamentar e a segurança do foro privilegiado.
Após ser condenado por difamação no processo movido por Lula, Dallagnol passou a promover, ainda que de maneira indireta, uma campanha para arrecadar dinheiro para o pagamento da indenização. Segundo ele, as pessoas descobriram seu PIX na internet e passaram a fazer doações espontaneamente. A arrecadação já ultrapassou R$ 300 mil, mas ele garante que doará o excedente para instituições que cuidam de pacientes com câncer. Ou seja, além de não precisar tirar dinheiro do bolso para pagar indenização, Dallagnol poderá posar de bom samaritano fazendo caridade às vésperas de uma eleição em que irá concorrer como deputado federal.
Não é que Deltan não tenha dinheiro para pagar a indenização. Ele faturou alto com palestras feitas graças à fama conquistada pela sua atuação na Lava Jato. “Palestras suspeitas” seria outro item do PowerPoint do lavajatista. Com base nas conversas do Telegram, o Intercept revelou que Dallagnol afirmou ter faturado quase R$ 400 mil com palestras e livros em 2018.
Diálogos de Dallagnol com os procuradores tratavam sobre como obter lucro realizando palestras pagas por empresas e entidades interessadas em associar suas imagens à Lava Jato. O fato motivou um dos processos contra Dallagnol no CNMP. As conversas do Telegram mostraram também que os procuradores articularam a criação de uma empresa de fachada para receber os pagamentos por essas palestras. O plano dos procuradores era colocar suas mulheres como sócias da empresa para evitar questionamentos. Em uma conversa com sua esposa, Dallagnol contou o plano de como faturar às custas da fama conquistada na Lava Jato: “Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade”.
Em 2017, Dallagnol cobrou um cachê de R$ 30 mil para dar uma palestra sobre combate à corrupção na Federação das Indústrias do Ceará. Além do cachê, o então procurador exigiu do contratante o pagamento de passagem e hospedagem no parque aquático Beach Park para ele, a mulher e os dois filhos. Um mês depois, chamou o então juiz Sergio Moro no Telegram para sugerir que ele também aceitasse o convite para palestrar lá: “Eu pedi pra pagarem passagens pra mim e família e estadia no Beach Park. As crianças adoraram. Além disso, eles pagaram um valor significativo, perto de uns 30k [R$ 30 mil]. Fica para você avaliar.”
A voracidade em faturar era grande, chegando ao ponto até mesmo de palestrar para empresas investigadas pela Lava Jato. Dallagnol recebeu R$ 33 mil da Neoway, uma companhia de tecnologia, quando ela já estava citada em uma das delações da força-tarefa. Em 2018, participou de um evento secreto da XP Investimentos que reuniu representantes de bancos e investidores influentes no Brasil e no exterior. Em conversa com o procurador Roberson Pozzobon, ele avaliou os ricos que esse encontro secreto poderia trazer à sua imagem: “Achamos que há risco sim, mas que o risco tá bem pago rs”.
Outro balãozinho que cairia bem em seu PPT é “Condenado por tuítes”. Não foi só no escurinho do Telegram que Deltan tentou interferir no jogo político partidário. O então procurador costuma usar o Twitter para fazer pressão pública no STF e influenciar até mesmo na eleição de presidente do Senado.
Se Renan for presidente do Senado, dificilmente veremos reforma contra corrupção aprovada. Tem contra si várias investigações por corrupção e lavagem de dinheiro. Muitos senadores podem votar nele escondido, mas não terão coragem de votar na luz do dia. https://t.co/VbDs3Z7weB
Essa escancarada atuação política partidária foi condenada pelos conselheiros do CNPM, que aplicaram a pena de censura contra o procurador, confirmada posteriormente pelo STF. Na decisão, o relator destruiu o mundo de sonhos de Dallagnol: “não se pode ter o melhor dos dois mundos: não é possível ser um agente titular da ação penal e ainda ser um político”.
Em novembro de 2019, o CNMP aplicou uma penalidade de advertência contra Dallagnol depois que ele afirmou que o STF passava a mensagem de leniência a favor da corrupção. Agora, como político, ele se sente mais livre para continuar fazendo o mesmo tipo de ilação contra o STF — algo que os políticos bolsonaristas costumam fazer em seus ataques a contra democracia .
Outro balãozinho importante no PowerPoint de Deltan é o “Diárias”. Ele e sua turma da Lava Jato se lambuzaram na farra das diárias. Só o procurador Diogo Castor de Mattos recebeu pelo menos R$ 376 mil em diárias para trabalhar em Curitiba mesmo morando em… Curitiba. Castor não foi o que mais recebeu diárias, nem o único. E tudo isso foi feito sob a supervisão de Dallagnol. O TCU obrigou os procuradores lavajatistas a devolverem as diárias e hospedagens milionárias por entender que houve danos aos cofres públicos com despesas irregulares. A mamata acabou.
“FBI” é outro item que precisa constar no PowerPoint. Uma reportagem da Agência Pública, em parceria com Intercept, revelou que Dallagnol participou de um conluio com o FBI sem comunicar o Ministério Público e à revelia do Ministério da Justiça. Desde 2015 os procuradores lavajatistas mantinham conversas secretas com investigadores americanos, inclusive sobre casos envolvendo a Petrobras. Dallagnol chegou a receber uma delegação dos EUA composta por 17 pessoas, entre procuradores e agentes do FBI.
A partir de então, foram muitas as viagens de agentes do FBI ao Brasil para cooperar com as investigações da Lava Jato, chegando até mesmo a se reunir secretamente com advogados de delatores. Pela lei, é proibido a qualquer polícia estrangeira realizar investigações em solo brasileiro sem autorização expressa do governo. Mas o cumprimento das regras nunca foi um empecilho para Deltan, que sempre soube dos interesses dos americanos em assuntos envolvendo a Petrobras. O governo americano já havia espionado a estatal. O STJ mandou investigar essa colaboração secreta.
Outro item fundamental é o da “Fundação Lava Jato”, um clássico da cara de pau lavajatista. Talvez seja o mais absurdo de todos. Em janeiro de 2019, a Lava Jato comemorou um acordo bilionário para a Petrobras feito com a Justiça americana. Uma bolada de R$ 2,5 bilhões foram recuperados através de repatriações, multas, delações premiadas e acordos firmados. Dallagnol não quis que esse dinheirão todo fosse para os cofres públicos, mas para os cofres de uma entidade privada a ser criada e que ficaria sob o comando do Ministério Público Federal no Paraná e do Ministério Público do Paraná.
Trata-se de uma violação da legislação brasileira sob qualquer ponto de vista. Quem deve decidir o destino do dinheiro público são os parlamentares eleitos, como atestou o STF ao decidir pela suspensão da criação do fundo lavajatista.
Para não ser leviano como Deltan foi com Lula, o PowerPoint de Dallagnol se resume a fatos: condenações por difamação e mau uso de dinheiro público e as tramoias do ex-procurador fiscalizadas pelo Judiciário e pelo MP.
Ilustração: The Intercept Brasil
O STF anulou todas as denúncias feitas por Dallagnol e sua turma contra o ex-presidente, que hoje recuperou seus direitos políticos e é considerado inocente perante a lei. E tudo indica que haverá novas derrotas jurídicas no horizonte de Dallagnol.
Diante desse cenário em que deixou de ser pedra para virar vidraça, o ex-procurador agora busca um mandato que lhe dê o conforto da imunidade parlamentar e a segurança do foro privilegiado. Para realizar esse objetivo escolheu se candidatar pelo Podemos, um dos partidos que mais apoiaram o governo Bolsonaro até agora.
Um levantamento do Congresso em Foco revelou que o partido de Dallagnol votou junto com Bolsonaro em 80% das vezes na Câmara e no Senado. Lembremos também que as arbitrariedades da Lava Jato contra políticos — mas só contra alguns políticos — pavimentaram o caminho para a vitória eleitoral de um extremista com discurso antipolítica que, como Alvaro Dias, se gabava de não aparecer nas investigações da força-tarefa. Agora Dallagnol está no mesmo partido de bolsonaristas ferrenhos, como Eduardo Girão e Marcos do Val, que formaram a tropa de choque bolsonarista na CPI da Covid.
O plano de Dallagnol seguia perfeito enquanto estava restrito à privacidade do Telegram. O vazamento das suas conversas jogaram tudo por água abaixo. Suas intenções políticas foram escancaradas, suas denúncias foram anuladas e desmoralizadas, o faturamento com palestras irregulares foi revelado e o sonho do fundo privado foi para as cucuias. Esse é o currículo que esse paladino da moral na vida pública construiu até aqui.
Resta saber o que Dallagnol será capaz de fazer quando estiver protegido por um mandato parlamentar.
Ao investigar a Covaxin superfaturada, a CPI pode ter tropeçado num "banco" criado para gerenciar esquemas de corrupção. Suspeitíssima, a instituição diz possuir um incrível imóvel de R$ 7 bilhões em Curitiba.
"O caso Banestado investigou o envio de dinheiro do Brasil para contas no exterior usando contas no hoje extinto banco estatal paranaense. Como na Lava Jato, uma força-tarefa foi criada no MPF do Paraná para apurar e processar envolvidos. Paludo fez parte do grupo, assim como Deltan Dallagnol.
"Messer foi um dos investigados, mas nunca foi punido. Na primeira versão de sua delação, ele disse que escapou dos investigadores graças a propinas. Depois, com os benefícios do acordo de delação garantidos, disse ter se enganado a respeito de (Januário) Paludo."
O doleiro Dario Messer mudou sua versão sobre o alegado pagamento de propina ao procurador Januário Paludo, ex-integrante da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, após conseguir uma delação premiada que o livrou temporariamente da cadeia e lhe garantiu ao menos R$ 10 milhões em bens, segundo conta do próprio Ministério Público Federal.
A suspeita de que Paludo recebeu propina para proteger Messer a partir de 2005, no caso Banestado, está na primeira proposta de delação premiada do doleiro. A colaboração dele foi assinada pela Lava Jato e homologada pela justiça – mas sem o trecho que levanta suspeitas contra um dos principais integrantes da força-tarefa paranaense.
O caso Banestado investigou o envio de dinheiro do Brasil para contas no exterior usando contas no hoje extinto banco estatal paranaense. Como na Lava Jato, uma força-tarefa foi criada no MPF do Paraná para apurar e processar envolvidos. Paludo fez parte do grupo, assim como Deltan Dallagnol.
Messer foi um dos investigados, mas nunca foi punido. Na primeira versão de sua delação, ele disse que escapou dos investigadores graças a propinas. Depois, com os benefícios do acordo de delação garantidos, disse ter se enganado a respeito de Paludo.
Graças à delação, Messer manteve R$ 3,5 milhões que tinha numa conta nas Bahamas, um apartamento avaliado em R$ 3 milhões no Rio, desbloqueou a herança da mãe e ainda deixou a prisão. Atualmente, ele cumpre prisão domiciliar em Copacabana, bairro nobre da capital fluminense.
Já a suspeita contra Paludo jamais foi investigada pelos colegas dele no MPF. Para a cúpula do órgão, bastou a explicação do procurador. Mas ela contradiz o que o próprio Paludo disse à justiça, anos antes, e em conversas mantidas com colegas pelo Telegram, a respeito do doleiro.
A equipe da Lava Jato na Procuradoria Geral da República, a PGR, arquivou o relato de Messer sobre os alegados pagamentos a Paludo sem investigá-lo, por considerá-lo inconsistente. Já a segunda versão contada pelo doleiro sobre o caso, tomada como verdade pelos procuradores, baseou uma denúncia encaminhada pela força-tarefa da Lava Jato do Rio à justiça em dezembro passado.
Em vez de pagador de propinas, a denúncia transformou Messer em vítima de um esquema de extorsão criado por seu ex-advogado e seu ex-sócio, que vendiam ao doleiro uma “proteção” que jamais existiu quando disseram pagar propina a Paludo. O advogado é Antonio Figueiredo Basto, negociador de várias delações com Curitiba – entre elas, a do também doleiro Alberto Youssef, crucial para o desenrolar da Lava Jato.
Dario Messer (de boné), o ‘doleiro dos doleiros’, no dia em que foi preso pela Polícia Federal nos Jardins, região nobre de São Paulo.
Foto: Marcelo Gonçalves/Sigmapress/Folhapress
Na mira desde os anos 1980, Messer só foi preso em 2019
Messer atualmente é conhecido como o “doleiro dos doleiros”, graças à Lava Jato do Rio. Ele é acusado pela força-tarefa de liderar uma rede ilegal de câmbio que movimentou mais de 1,6 bilhão de dólares entre 2011 e 2017 – R$ 8,5 bilhões, na cotação atual. Trata-se, segundo a força-tarefa, de uma quantia inédita.
Mas a atuação dele é mapeada pelas autoridades desde 1980, quando já era investigado pela suspeita de atuar em esquemas de lavagem de dinheiro. Primeiro, para bicheiros ligados a escolas de samba. Depois, no caso Banestado, que teve como personagens o então juiz Sergio Moro, Paludo e outros procuradores da Lava Jato. Mais tarde, ele apareceu no mensalão petista e foi citado até em documentos do Swissleaks, que revelou uma rede de evasão fiscal existente numa agência do HSBC na Suíça em 2006 e 2007.
Messer, no entanto, jamais havia sido preso até julho de 2019. Não que as autoridades não tenham tentado. Ao menos duas vezes, a justiça brasileira decretou sua prisão. Mas o “doleiro dos doleiros” sempre arrumou um jeito de escapar antes que a polícia tivesse tempo de encontrá-lo.
Na cadeia – e tentando sair dela o quanto antes –, Messer resolveu confessar crimes. Na proposta de delação, ele assumiu a investigadores da Lava Jato que só não foi detido por ordem da operação, em 2018, porque soube com antecedência da ação policial para pegá-lo. Também confessou ter cometido os crimes investigados no caso Banestado, pelos quais não havia sido punido. E, num relato específico, explicou como acredita ter se livrado de suspeitas que pairavam sobre ele desde 2005.
É justamente nesse relato que Messer conta que nada disso foi por acaso. “Dario sempre acreditou na efetividade da compra da ‘proteção’”, resumiram seus defensores na primeira proposta de delação. Em outras palavras, ele afirmou ter comprado proteção do Ministério Público Federal do Paraná, e que parte dos pagamentos eram feitos a Paludo, um dos procuradores do caso Banestado.
Messer relatou que, de 2005 a 2013, pagou 50 mil dólares todo mês para que fosse blindado em investigações. Disse que entregava o dinheiro ao ex-sócio Enrico Machado e a Figueiredo Basto, na época seu advogado.
Segundo o relato redigido pela defesa de Messer, Machado e Basto diziam que parte desse dinheiro era entregue a Paludo. Messer admitiu que nunca esteve com o procurador, mas afirmou acreditar que contava com a ajuda dele. E apontou dois fatos que o fizeram acreditar em tal proteção.
Em 2005, Paludo trabalhou no acordo de delação premiada do doleiro Clark Setton, conhecido como Kiko, sócio de Messer investigado no caso Banestado. Kiko também era defendido por Figueiredo Basto. Confessou crimes, mas não envolveu Messer em nenhum deles. O relato seletivo, ainda assim, lhe garantiu benefícios penais.
Já em 2011, Paludo testemunhou a pedido de Figueiredo Basto em um processo criminal contra Messer, relacionado ao caso Banestado. O procurador disse à justiça que investigou Messer, mas não encontrou nenhuma prova que o ligasse às irregularidades que, anos mais tarde, o próprio doleiro viria a confessar.
Messer já havia dito que pagava propina a Paludo. Foi em agosto de 2018, em mensagens trocadas por celular com a namorada – um ambiente mais privativo e confortável que a cadeira de candidato a delator premiado. “Sendo que esse Paludo é destinatário de pelo menos parte da propina paga pelos meninos todo mês”, ele escreveu, em conversa interceptada pela Polícia Federal.
Por citar Paludo, que tem direito a foro privilegiado por ser procurador, esse trecho do depoimento do candidato a delator foi remetido a Brasília, para ser avaliado pela equipe da Lava Jato da PGR. E a PGR descartou investigar um colega. O órgão entendeu que o relato de Messer não tinha provas para que fosse incluído em seu acordo de colaboração e baseasse uma apuração.
Enquanto isso, a delação de Messer – sem a parte que complicava Paludo – andava. Foi homologada, em agosto de 2020, por duas varas judiciais de primeira instância do Rio. Uma delas, a sétima, a do juiz Marcelo Bretas.
O acordo garantiu que Messer cumprirá pena máxima de 18 anos e nove meses de prisão, não importa quantas vezes seja condenado em processos da Lava Jato. Em troca, os procuradores afirmam que o doleiro abriu mão de cerca de 99% de seu patrimônio, que estimam – sem explicar como chegaram ao valor – em R$ 1 bilhão. O que significa que, se o cálculo da Lava Jato estiver correto, Messer manteve R$ 10 milhões no bolso. Nada mau.
Foi nesse ponto que a Lava Jato do Rio chamou Messer para depor novamente sobre a alegada taxa de proteção paga a Paludo. Aí, o doleiro – que já tivera a delação aprovada e seguia milionário – contou uma outra história.
Ao contrário do que havia afirmado antes, Messer dessa vez falou não acreditar que fosse protegido. Disse mais: que acreditava ter sido enganado por Figueiredo Basto e o ex-sócio Machado, que embolsavam, nessa nova versão, os 50 mil dólares mensais que ele enviava para comprar autoridades.
“[Messer afirmou] Que Enrico falava em proteção junto à Procuradoria da República e à Polícia Federal; que Enrico [Machado] falava no nome do Dr. (sic) Januário Paludo e pessoas na Polícia Federal; que hoje tem a percepção de que Figueiredo [Basto] e Enrico ficavam com esse dinheiro”, lê-se no novo depoimento.
Foi essa nova versão a usada pela Lava Jato do Rio de Janeiro para denunciar Figueiredo Basto, Enrico Machado e um outro advogado pelos crimes de exploração de prestígio qualificada, tráfico de influência qualificado e associação criminosa.
O novo depoimento de Messer fundamenta a tese segundo a qual os três réus venderam um falso esquema de proteção ao doleiro. Sobre Paludo, tudo que a Lava Jato do Rio diz é que ele teve o nome indevidamente usado na falsa venda de proteção.
Januário Paludo, o “pai” dos grupos de Telegram da força-tarefa da Lava Jato: um veterano da operação Banestado.
As versões conflitantes de Paludo
A decisão da PGR de arquivar o trecho da delação de Messer que citava Paludo, no segundo semestre de 2020, não foi a primeira. Antes, em novembro de 2019, a cúpula do Ministério Público Federal em Brasília já havia sido provocada a investigar a alegada proteção ao doleiro.
Meses após a prisão de Messer, a Polícia Federal encontrou no celular dele a mensagem na qual ele conversava com a namorada sobre o “esquema com Januário Paludo e Figueiredo”.
Essa mensagem foi encaminhada à PGR, que chegou a convocar Messer a dar explicações. Na época, ele ainda não era delator premiado. Assim, se calou sobre o caso.
A PGR, então, pediu informações a Paludo. O procurador da República enviou um documento ao órgão informando que era inocente e que não fazia sentido pensar que teria protegido Messer.
Primeiro, argumentou Paludo, porque ele deixou a força-tarefa do caso Banestado em 2005. Àquela época de 2019, as investigações apontavam que os pagamentos da suposta proteção teriam começado em 2006 – ainda que Messer tenha dito que que começaram em 2005.
Segundo, porque as investigações contra Messer corriam no Rio. Paludo, a partir de 2014, trabalhava na Lava Jato do Paraná. Antes, havia atuado no Rio Grande do Sul.
Por último, o procurador argumentou que relatou indícios de que Messer usou contas de titulares ocultos no exterior (conhecidas como contas offshore) quando foi chamado a testemunhar a favor do doleiro pela defesa dele, em 2011. Ou seja, Paludo nega tê-lo protegido.
Foi o bastante para a PGR, que arquivou o caso sem aprofundar a investigação.
Acontece que, quando testemunhou para a defesa de Messer, em 2011, Paludo disse outra coisa à justiça. Na ocasião, o procurador afirmou que não encontrou nenhuma ligação de Messer ou de membro da família dele com contas offshore. “Até a parte onde eu fui, nós não identificamos, em princípio, nenhuma ligação da família Messer”, disse, em documento que é público.
Paludo foi além. Afirmou que as investigações apontaram que Clark Setton, o Kiko, aparecia como o responsável por contas investigadas. E que a apuração não revelou nenhuma relação da família Messer com ele. “Na parte que eu investiguei, a conclusão que eu tive, na época, é que haveria apenas [indícios] em relação ao Clark Setton [sobre] a administração dessas contas”, falou.
Já nos diálogos que manteve com colegas procuradores pelo Telegram, Paludo dá mostras de estar bem informado sobre Messer e sua relação com Setton. A outros procuradores, Paludo chega a dizer que Setton era uma espécie de laranja, de “boi de piranha” dos Messer.
20 de maio de 2018 – Filhos do Januario 2
Januário Paludo – 10:02:16 – Dario era o filho playboy. O velho era o Mordko. O doleiro da família (vou de piranha) era o Clarck Setton – Kiko.
Paludo fez o comentário quando surgiram as primeiras notícias de que Messer poderia ter sido protegido graças ao pagamento de propina. Um dia antes, ele já falava da relação antiga entre o doleiro e Figueiredo Basto.
19 de maio de 2018 – Filhos do Januario 2
Januário Paludo – 13:35:33 – A única coisa que o Figueiredo não pode dizer é que nao advogou para o messer, tanto para o Mordko quanto para oDario.
Nos chats, também fica claro que Paludo é tido por colegas de Lava Jato no Paraná como alguém bem informado sobre o que envolve Messer. Em 2017, quando o doleiro ainda não era um alvo oficial da força-tarefa do Rio de Janeiro, um repórter procurou o então procurador Carlos Fernando dos Santos Lima para tratar de suspeitas envolvendo o doleiro. Lima encaminhou as mensagens e buscou informações com Paludo.
Ouviu, do colega, que a Lava Jato havia acessado uma investigação sobre Messer que estava a cargo do procurador da República Alexandre Nardes, do Paraná. Mas, curiosamente, a força-tarefa paranaense resolveu mandar o caso para o Rio de Janeiro. Segundo o chat, a remessa da investigação aos colegas fluminenses se deu em 2014, logo no início da operação no Paraná. No Rio, uma força-tarefa da Lava Jato só seria criada em junho de 2016.
20 de agosto de 2017 – Filhos do Januario 2
Carlos Fernando dos Santos Lima – 12:54:14 –NOME SUPRIMIDO : Procurador, bom dia. NOME SUPRIMIDO : Estamos tocando uma investigação aqui no Poder360 e um dos nomes no nosso radar é o doleiro Dario Messer. NOME SUPRIMIDO : O senhor saberia dizer se os procuradores a que esse colunista se refere, seriam da FT do Paraná? Ou esse tema está com o pessoal do Rio? http://veja.abril.com.br/blog/radar/o-outro-doleiro/
Santos Lima – 12:54:33 – Januário. Você sabe alguma coisa sobre isso?
Paludo respondeu horas depois:
20 de agosto de 2017 – Filhos do Januario 2
Januário Paludo – 15:36:21 – Sim. Mandamos a investigação para o Rio de Janeiro em 2014. Era do nardes e ele mandou para a gente.
Membros da Lava Jato, aliás, assumiram nos diálogos privados que nunca priorizaram investigações sobre doleiros envolvidos em casos de corrupção apurados na operação. Procuradores do Rio chegaram a perguntar por que eles nunca “deram bola” para isso.
3 de maio de 2018 – Filhos do Januario 2
Paulo Roberto Galvão – 09:46:12 – Pessoal do Rio vinha perguntando por que a gente não dava muita bola para os doleiros. Eu sempre disse que o foco era pegar corrupção e que focar em doleiros corria o risco de dispersar. Mas agora estão eles com 45 prisões envolvendo doleiros. Não sei bem os caminhos a que isso poderá levar. Ao menos um deles, o Messer, era tido como ligado ao presidente do Paraguai.
Carlos Fernando dos Santos Lima – 09:53:35 – Investigar doleiros, como qualquer operador, é atacar o elo frágil da corrente de crimes do colarinho branco. Ótima estratégia geral quando você não tem alvos específicos. No nosso caso preferimos trabalhar com corrupção, mas dentro de cada esquema sempre há operadores. Foi o que Diogo fez no caso do pedágio. Leal é um dos operadores do esquema. Só não podemos transformar a Lava Jato em um Banestado.
Orlando Martello – 10:03:12 – Além disso, dá muiiiittttooooo trabalho. Muitas operações, muitas transações, muitos clientes…. e 90% é caixa 2.
Deltan Dallagnol, à época o coordenador da força-tarefa, entrou na conversa pouco depois:
3 de maio de 2018 – Filhos do Januario 2
Deltan Dallagnol – 10:52:14 – Exatamente. Doleiros é second ou third best. No Banestado, atacamos mais de uma centena e só 1 ou 2 entregaram corrupção, mesmo com uns 30 colaborando. Na Curaçao, acusei mais de 50, bloqueei patrimônio, mas fatos eram antigos, não conseguimos prisão e acho que ninguém colaborou. Agora, eles estão revisitando alguns dos meus alvos da Curaçao. Pediram, aliás, pra checar como estavam os processos e adivinhem… todos caminhando pra prescrição
Dallagnol – 10:53:04 – Além de operações gerais, horizontais, fizemos Orlando e eu algumas verticais sobre doleiros de Curitiba, no rescaldo da Banestado. Muito trabalho para resultado modesto comparado com nosso trabalho hoje
Procurado, Januário Paludo respondeu que não reconhece a autenticidade das mensagens e não quis comentá-las. Em nota, o procurador afirmou apenas que a força-tarefa da Lava Jato do Paraná sempre investigou crimes relacionados à Petrobras, “estando as conexões de doleiros sendo investigadas em outros órgãos e unidades”.
“Investigações que não tem conexão com os fatos investigados na Lava Jato são declinadas para outras unidades do MP por decisão própria ou judicial, como ocorreram em inúmeros casos”, complementou, quando questionado por que enviou a investigação sobre Messer ao Rio, em 2014.
Paludo disse que não teve acesso às duas versões do doleiro Dario Messer a respeito do pagamento da taxa de proteção e, por isso, não tem como falar a respeito delas. Ressaltou que “se a PGR arquivou uma notícia de fato que não tinha qualquer fundamento para abrir uma investigação, o fez por livre convicção”.
“Investigações para serem instauradas têm que ter elementos indiciários mínimos, não bastando a mera opinião, achismos, suspeitas ou conjecturas. A instauração de uma ação penal para ser viável exige, além da competência do juízo, prova da materialidade do delito e elementos suficientes de autoria (acima de qualquer dúvida razoável), sob pena de ser temerária e sujeitar indevidamente alguém a processo penal”, declarou.
Sobre o depoimento prestado em 2011 em processo contra Messer, Paludo disse que “testemunhar em processos é uma obrigação de todos, o que não quer dizer que seja contra ou a favor da defesa, pois são relatados fatos”.
Ele não respondeu a questionamentos sobre a ligação de Messer com Clark Setton.
Dario Messer também foi perguntado sobre as duas versões a respeito da taxa de proteção apresentadas às autoridades. O advogado Átila Machado, que hoje representa o doleiro, disse que o procedimento de colaboração premiada é sigiloso. Por isso, “Dario Messer está impedido de falar sobre o conteúdo da matéria”.
O advogado Antonio Figueiredo Basto não quis se pronunciar. Em entrevistas concedidas a outros veículos de imprensa, ele sempre negou ter recebido qualquer pagamento para garantir a Messer ou a outros clientes proteção em investigações.
A força-tarefa da Lava Jato do Rio de Janeiro, que usou a segunda versão de Messer sobre a taxa de proteção em denúncia contra Figueiredo Basto, disse que o doleiro não alterou seu relato sobre os fatos. Segundo ela, Messer soube do arquivamento das investigações contra Paludo na PGR e de transações financeiras que Basto teria realizado para embolsar ele próprio a tal taxa. Isso mudou sua percepção.
A PGR disse que a apuração preliminar sobre as suspeitas contra Paludo e a negociação do acordo de delação premiada de Dario Messer são sigilosos.
Uma enorme coleção de materiais nunca revelados fornece um olhar sem precedentes sobre as operações da força-tarefa anticorrupção que transformou a política brasileira e conquistou a atenção do mundo.
Agora que desmorona a edificação corrupta da Lava Jato, é importante desnudar a cadeia de cumplicidade dos crimes de Curitiba no sistema criminal de justiça.
Sim, porque a Lava Jato não teria poder de fogo para tramar e executar o golpe do impeachment sem crime, estuprar a democracia ao prender e impedir o candidato preferido do povo de concorrer e destruir um setor pujante da economia do país, se não contasse com comparsas em todos os tribunais, além é claro de forte apoio na mídia.
Moro, Dallagnol e companhia formam a ponta do iceberg, a parte mais visível de um arranjo mafioso feito para interferir no regime democrático, a partir dos interesses políticos e de classe dos togados.
De sentenças aumentadas e combinadas pelo TRF-4, feitas sob medida para evitar a prescrição de alguns crimes, à negação sistemática pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) de todos os recursos protocolados pela defesa de Lula, passando pela má vontade de parte do Supremo em relação à fartura de evidências da inocência do ex-presidente, só não vê quem não quer: o Judiciário brasileiro escreveu o capítulo mais vergonhoso de sua história.
Vale destacar que as provas a granel dos abusos de Curitiba, que vieram à tona com a chamada Vaza Jato e depois com a publicação dos dados da Operação Spoofing, só corroboraram a tese da parcialidade, lawfare e fraude processual apresentada nos autos há anos pelo Doutor Zanin e demais integrantes da defesa de Lula, mas sempre ignorada solenemente pelos tribunais.
A violação do princípio processual básico segundo o qual o ônus da prova cabe ao acusador levou inclusive os advogados do ex-presidente a irem além de suas atribuições apresentando sobejas provas de que o triplex não pertencia a Lula e que tampouco o sítio era de sua propriedade. Tudo em vão, afinal quem age de má fé despreza os fatos e a razão.
É preciso colocar em xeque todo o conluio judicial montado para incriminar Lula e o PT e sabotar a economia nacional. Não vivo no mundo da lua e sei que na vida real vai ser difícil, senão impossível, punir tanta gente. Mas que sirva, então, pelo menos, para constranger esta casta de privilegiados, fazendo com que pensem duas vezes antes de praticarem novos delitos.
Vejo, portanto, como um desperdício de oportunidade na luta pelo resgate da democracia, e pela afirmação das premissas iluministas que devem reger o direito, responsabilizar somente a República de Curitiba pela profusão de crimes cometidos em nome da prestação de um serviço público essencial, que é o oferecimento de justiça à sociedade.
O combate à parte apodrecida do conjunto do sistema de justiça deve ser o foco de todos os cidadãos que se indignam diante de juízes e procuradores que usam suas funções públicas altamente remuneradas para fazer política, perseguindo os que eles consideram seus adversários (pessoas do campo popular e de esquerda) e protegendo aliados da direita e da extrema-direita.