quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Juntando as peças do dia 14/03/2018 (dia do assassinato de Marielle, executada por milicianos) na vida de Bolsonaro, por Luis Nassif






A elucidação do crime demandaria perícias e investigações isentas. Quem as fará? A cada dia que passa aparecem mais promotores bolsonaristas militantes em funções chave na investigação interminável. 

Jornal GGN. - Em jornalismo, usamos uma técnica para coberturas complexas. Consiste em juntar todos os elementos concretos e, assim que possível, montar uma narrativa plausível que os encaixe. 
A partir daí, a cobertura vai filtrando as informações, para focar naquelas essenciais para comprovação ou correção da narrativa em curso.
Anos atrás o Ministério Público Federal descobriu essa técnica e a batizou de “teoria dos fatos” (não confundir com a teoria do domínio do fato), mas com algumas jabuticabas bem brasileiras, características típicas desses tempos de Lava Jato: desprezo a todos os fatos que desmentirem a narrativa original. 
Os burocratas esconderão os fatos que comprometam a narrativa porque cada operação demanda recursos e um tiro errado significaria desperdício. Os marqueteiros desprezarão porque a narrativa foi vazada para jornalistas amigos, e ficaria chato admitir o erro. A Lava Jato desprezará porque sua intenção é política.

A teoria do fato de Bolsonaro

Entendido isso, vamos a uma teoria do fato sobre como foi o dia 14 de março de 2018, dia do assassinato de Marielle, na vida de Jair Bolsonaro.
Primeiro, vamos aos fatos objetivos:
  1. Um twitter de uma jornalista respeitável, Thais Bilenky, no dia 14 de março, informando que Bolsonaro seguiria para o Rio por estar com problemas de intoxicação.
  2. O depoimento do porteiro do Condomínio Vivendas da Barra, dizendo que ligou para Bolsonaro para obter autorização para a entrada de Elcio Queiroz no condomínio. E a anotação no papel indicando a casa de Bolsonaro como destino.
  3. A sessão da Câmara mostrando que, naquele dia, Bolsonaro estava lá, participando das sessões.
  4. O sistema de telefonia do condomínio, que permite transferir ligações para celulares.
  5. Posteriormente, vazamentos aos Bolsonaro de trechos da investigação de interesse deles, mais  a identificação de dois promotores como bolsonaristas ativos, mostrando acesso da família às investigações.

Teoria do fato

Em cima desses dados, vamos formular uma hipótese – repito, hipótese – sobre o que teria ocorrido naquele dia.
  1. Bolsonaro articulou uma reunião com Ronnie Lessa (do Escritório de Crime) e Elcio Queiroz para o dia 14, no Condomínio Vivendas da Barra.
  2. Preparou um álibi para faltar à sessão daquele dia na Câmara Federal. A jornalista Thais Belinski foi informada de que ele iria voltar para o Rio de Janeiro por um problema de intoxicação alimentar. Era um álibi curioso: viajar intoxicado, podendo descansar e ser tratado em Brasilia.
  3. Naquele dia, trocando ideias com assessores, Bolsonaro se deu conta de que a ida para o Rio de Janeiro poderia expô-lo. Assim, decidiu ficar na sessão da Câmara, onde apareceu sem nenhum sinal de quem estava intoxicado. A reunião no Condomínio foi mantida com os demais participantes.
  4. Ao chegar ao condomínio, Élcio deu o número da casa de Bolsonaro. O porteiro ligou para o celular anexado ao número, Bolsonaro atendeu em Brasília e autorizou a entrada. E Élcio rumou para a casa de Ronnie Lessa, que fica na mesma rua da casa de Bolsonaro, cerca de duas ou três casas depois.
  5. Quando a reunião foi identificada, após perícia no celular de Ronnie Lessa, os Bolsonaro foram informados por aliados infiltrados nas investigações, que atrasaram a perícia a fim de permitir que as provas fossem alteradas.
Repito: é uma hipótese de trabalho

Motivação

Conforme já divulgado, Bolsonaro era radicalmente contrário à intervenção militar no Rio de Janeiro, que considerava uma maneira de fortalecer o governo Temer e preparar a chapa Temer-Rodrigo Maia para as eleições de 2018, reduzindo a possibilidade de uma intervenção militar ampla.
Um dos modos de operação dos porões, quando Silvio Frota foi alijado da disputa pelo poder, era planejar atentados e imputar à oposição.
Apurou-se que, dias antes do assassinato de Marielle, Ronnie Lessa pesquisou no Google figuras críticas à intervenção militar. E fixou-se no nome de Marielle, que havia sido indicada para uma comissão na Câmara de Vereadores, para fiscalizar a intervenção.

As investigações 

Desde o início, se afirmava que as investigações esbarravam em “gente poderosa” no Rio, por isso não avançavam. Até agora, oficialmente a “gente poderosa” que apareceu foi um conselheiro do Tribunal de Contas do Município, o tal Brazão. Isso em um estado em que ex-governadores, conselheiros do Tribunal de Contas do Estado, deputados federais e estaduais foram presos. É factível supor que toda a manipulação da Polícia Civil e, especialmente do Ministério Público Estadual, foi por influência de Brazão. A cada dia fica mais nítida a influência do bolsonarismo sobre promotores estaduais.
A elucidação do crime demandaria perícias e investigações isentas. Quem as fará? A cada dia que passa aparecem mais promotores bolsonaristas militantes em funções chave na investigação interminável. 
Há duas maneiras dos promotores atuarem politicamente.
  1. Encontrando um suspeito concreto, que assuma o crime e libere Bolsonaro das suspeitas.
  2. Não encontrando, adiando a investigação indefinidamente.
Qual seria a alternativa? A Polícia Federal de Sérgio Moro.
O porteiro está sendo acusado de obstrução de justiça. Sérgio Moro encaminhou à denúncia à Procuradoria Geral da República. O caso caiu nas mãos do procurador Douglas Araújo, tido como “bolsonarista ferrenho”, segundo o Valor Econômico.
Insisto, é uma teoria do fato, uma narrativa que permite encaixar os principais elementos até agora divulgados. Quem tiver uma hipótese melhor, que as apresente, antes que calem-se para sempre as testemunhas.

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