quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Crise na Bolívia: missão da OEA não comprova fraude eleitoral (antecipada sem base por Trump) e atua politicamente, diz CEPR (Center for Economic and Policy Research) em relatório



EUA fornecem 60% do orçamento da OEA; ‘Trump fez declarações sugerindo fraude nas eleições bolivianas antes de relatório da missão oficial’, destaca ainda Center for Economic and Policy Resarch
Reprodução/Imagem de TV na Bolívia
Jornal GGN As declarações feitas por membros da missão da Organização dos Estados Americanos (OEA), que auditou as eleições na Bolívia, foram decisivas para a crise que culminou na renúncia de Evo Morales à presidência do país vizinho, após dias de protestos nas ruas, desde o resultado das eleições gerais de 20 de outubro.
Horas após o fim das votações para a presidência da República e para o Congresso do país, a missão da OEA, então liderada pelo mexicano Arturo Espinosa, soltou uma nota afirmando “sua profunda preocupação e surpresa com a mudança drástica, e difícil de justificar, da tendência de resultados preliminares”, das urnas, se referindo ao sistema de contagem rápido de votos na Bolívia.
No relatório “O que aconteceu no contagem de votos nas eleições bolivianas de 2019?”, o Center for Economic and Policy Research (CEPR – Centro de Pesquisa Econômica e Política), entidade civil, fundada pelos economistas Dean Baker e Mark Weisbrot, em 1999, revela que a missão da OEA na Bolívia fez declarações inconsistentes, em termos técnicos, que não comprovam que ocorreram fraudes nas eleições bolivianas e que, aparentemente, foram trabalhadas com o objetivo de induzir a população boliviana e a comunidade internacional à crença de que o pleito que reelegeu Evo Morales foi manipulado.
O resultado oficial das eleições de 20 de outubro de 2019, na Bolívia, foi divulgado no dia 25 daquele mês, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), confirmando a vitória do presidente em exercício Evo Morales, do partido Movimiento al Socialismo (MAS-IPSP), por 47,08% dos votos, contra seu principal oponente Carlos Mesa, do Comunidad Ciudadana (CC), que obteve 36,51% dos votos válidos.
Na Bolívia o candidato à presidência com mais de 50% dos votos, ou que tenha ao menos 40% dos votos com uma vantagem de 10 pontos percentuais em relação ao segundo colocado, é declarado vencedor em primeiro turno. Esse foi o caso de Evo Morales, que assumiria seu quarto mandato.
Na mesma eleição, o partido de Morales, MAS-IPSP, também obteve a maioria dos votos para o Legislativo, porém perdendo algumas cadeiras em relação ao pleito anterior: 68 de 130 vagas à Câmara dos Deputados, e 21 das 36 vagas no Senado.
Além do sistema de contagem de votos oficial, a Bolívia possui um sistema de contagem rápido, chamado Transmisión de Resultados Electorales Preliminares (TREP), implementado segundo as recomendações da própria OEA.
O TREP é realizado por uma empresa privada, em conjunto com uma autarquia pública, e foi projetado para fornecer um resultado incompleto logo após os pleitos, justamente para indicar a tendência dos votos.
Horas após o fechamento das urnas, no dia 20 de outubro, o TSE divulgou os resultados da contagem rápida, com base na verificação de 83,85% de votos. A contagem mostrava que o MAS-IPSP, partido de Morales, havia, até então, recebido 45,71% dos votos à Presidência, e o CC, partido de Carlos Mesa, 37,84%, significando uma diferença de 7,87%.
O TSE não prosseguiu com a contagem rápida no sentido de apurar 100% das urnas por meio do sistema rápido de contagem. A partir daí, o resultado de pleito seria divulgado alguns dias depois, a partir do método de contagem oficial, mais amplo, manual e, portanto, mais demorado.
A missão OEA, entretanto, criticou o fato de o TSE não ter dado prosseguimento no sistema rápido e instou o Tribunal a continuar a contabilização no dia 21 de outubro, 23 horas depois de ter entregue o primeiro resultado.
Na segunda contagem dos resultados, pelo sistema rápido, o TSE apresentou um relatório mostrando que Morales estava chegando a 10 pontos percentuais, o que lhe daria uma vitória absoluta. Foi quando a missão emitiu sua primeira declaração de imprensa na qual expressou “sua profunda preocupação e surpresa com a mudança drástica, e difícil de justificar, da tendência de resultados preliminares conhecidos após o fechamento das pesquisas”.

‘Resultados oficiais coincidiram com registros da contagem rápida’

Entretanto, o CEPR faz outra avaliação, bem distinta da realizada pela missão da OEA. “Nessas eleições [bolivianas], os resultados da contagem oficial coincidiram com os da contagem rápida, que terminou quando a contagem estava em 95,63%, com Morales tendo uma vantagem de 46,86% versus 36,72% de Mesa. A contagem oficial final, com 100% dos votos contados, deu como vencedor de Morales no primeiro turno com 47,08% contra 36,51% do Mesa”, destaca a entidade.
O relatório aponta que Evo Morales tem mais aceitação em regiões mais afastadas dos centros urbanizados e, portanto, que demoram mais tempo para transmitir o resultado dos votos, o que explicaria a ampliação da distância entre Morales e Mesa entre a primeira e a segunda divulgação da contagem de votos pelo sistema rápido, divulgada horas depois pelo TSE à pedido da OEA.
“Os resultados da contagem rápida dos primeiros 83,85% de votos são consistentes com uma projeção do resultado final que indica como vencedor imediato Morales com um vitória de mais de 10 pontos percentuais”, ressalta o CEPR .
O relatório da entidade diz também que “nem a missão da OEA, nem qualquer outra entidade demonstraram que houve irregularidades generalizadas ou sistematizadas nas eleições de 20 de outubro de 2019”.
Segundo o grupo de pesquisadores, nem a contagem rápida, nem a oficial, exibem mudanças significativas nas tendência de votação, “antes, a mesma tendência já conhecida, é explicável devido a diferenças nas preferências dos eleitores em diferentes áreas geográficas”, pontua.
O Centro ressalta ainda que a contagem oficial, vinculada ao TSE, não parou por nenhum tempo significativo e “não está claro como as objeções da missão da OEA, em relação à contagem rápida, afetariam a contagem oficial”.
O CEPR lembra que os Estados Unidos fornecem cerca de 60% do orçamento da OEA, destacando que o governo Donald Trump e seus aliados no Congresso americano, entre eles o senador da Flórida Marco Rubio, “exercem forte influência na agenda política latino-americana”.
“Eles também fizeram declarações públicas – antes e depois das acusações contidas no primeiro comunicado da Missão da OEA à imprensa – sugerindo que a eleição [na Bolívia] foi roubada”, prossegue.
No dia 2 de novembro, o chefe da missão da OEA na Bolívia, o mexicano Arturo Espinosa, pediu demissão admitindo ter publicado artigos críticos sobre Morales antes de assumir a equipe formulada para acompanhar as eleições no país.
No dia 10 de novembro, a missão da OEA divulgou o resultado do seu relatório sobre as eleições na Bolívia, concluindo que houve fraude na votação, porém, como avalia o CEPR, sem demonstrações técnicas razoáveis para provar a suposta fraude. O único argumento da OEA foi que o sistema rápido de contagem ficou parado por mais de 20 horas e, depois de retomada a contagem, houve uma mudança de tendência favorecendo Evo Morales.
No mesmo dia em que a missão divulgou o relatório questionando o resultado eleitoral, Evo Morales anunciou que concordava com a realização de uma nova eleição geral, mas já era tarde. A oposição, apoiada pelos militares e imprensa, conseguiu ampliar os protestos de rua, obrigado o presidente em exercício a renunciar.
Nesta terça-feira (12), Morales desembarcou no México, após obter asilo político naquele país.
“Dúvidas infundadas lançadas sobre a contagem de votos pela missão da OEA, em seu primeiro comunicado à imprensa e em seu relatório preliminar, foram amplamente citadas e repetidas na mídia internacional e boliviana, desde as eleições do dia 20 de outubro. É claro que essas declarações incomuns – embora a OEA, até hoje, não tenha apresentado nenhuma evidência para apoiá-las – tiveram influência significativa no cobertura da mídia e, portanto, na opinião pública”, conclui o CEPR no relatório.
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