terça-feira, 12 de novembro de 2019

O Cone Sul e a Operação Condor 2.0 Pró-Golpes de extrema-direita, por Cesar Calejon, jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas



Atualmente, os métodos da Operação Condor 2.0 incluem a manipulação de vastas camadas populares por meio da mídia e de censuras explícitas, vide o exemplo do longa-metragem produzido pelo ator e diretor Wagner Moura sobre o próprio Marighella

O Cone Sul e a Operação Condor 2.0

por Cesar Calejon

Desde a ascensão de Lula à Presidência do Brasil, em 2002, a extrema-direita dos Estados Unidos, que considerou a eleição do petista como o maior fracasso da história da CIA (Central Intelligence Agency) no Cone Sul, tenta unir esforços para evitar que a esquerda brasileira (e de toda a região) permaneça no poder.   
Utilizando documentos inéditos e entrevistas exclusivas com os principais atores envolvidos na transição do governo de FHC para Lula, Matias Spektor, autor do livro intitulado 18 dias, reconstituiu a transição presidencial mais saudável (entre antagonistas) da história recente, quando petistas e tucanos uniram-se, forçados pelas circunstâncias, para evitar que a direita estadunidense ameaçasse, já naquela ocasião, a chegada da esquerda brasileira ao poder. A história começa em 28 de outubro, um dia depois da vitória de Lula nas urnas, quando José Dirceu e Condoleezza Rice costuraram uma delicada aproximação entre seus respectivos chefes, e termina com o encontro histórico de 10 de dezembro, quando Lula e Bush, com apoio ativo de FHC, se encontraram na Casa Branca pela primeira vez. 
“Tenho clareza que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos está por trás disso (Lava Jato)”, disse o ex-presidente Lula em entrevista concedida ao jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept, em maio de 2019. “A Lava-Jato, aos poucos, foi se transformando em uma operação política a benefício de quem dela participa. Eu vou te fazer uma sugestão, uma denúncia que você pode ajudar a investigar […] Houve um acordo feito no Departamento de Justiça dos Estados Unidos em que o (Deltan) Dallagnol estava pegando para o Ministério Público, para a Operação Lava Jato, dois bilhões e meio de reais dos Estados Unidos”, complementou o ex-presidente. 
O próprio procurador-chefe da Lava Jato, Deltan Dallagnol, revelou em conversa com o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, que era submetido à autorização dos “americanos” para iniciar novas fases da Lava-Jato no Brasil.
Em diálogo de 31 de agosto de 2016 pelo Telegram, Dallagnol é cobrado por Moro para começar uma nova operação e responde que uma delas “depende de articulação com os americanos”.    
Contudo, a ingerência estadunidense nos rumos da política sul-americana não começou no século XXI. Ainda em 1992, foi comprovada, por meio de documentos da polícia secreta do Paraguai, a existência de uma ação de Estado efetivada em toda a América do Sul. De fato, a Operação Condor foi um acordo compactuado por todos os países da região, com o objetivo de viabilizar a cooperação regional na repressão aos opositores dos regimes militares que então governavam o Brasil, a Argentina, o Chile e a Bolívia.
Documentos secretos divulgados pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos em 2001 demonstraram que o governo estadunidense tinha conhecimento da ação que estava sendo conduzida entre 1968 e 1989 de forma coesa no Cone Sul. Comunistas, socialistas e opositores às juntas militares e governos de direita na América do Sul foram os alvos da Operação Condor, que matou algo em torno de 60 a 80 mil simpatizantes de esquerda e fez mais de 400 mil prisioneiros políticos. O objetivo fundamental era eliminar os opositores dos regimes militares vigentes nestas nações, como Carlos Marighella, da Aliança Libertadora Nacional (ALN), no Brasil, os Tupamaros, no Uruguai, os Montoneros, na Argentina, e o MIR, no Chile, por exemplo.  
Neste contexto, o ocidente vivia a polarização da Guerra Fria: comunistas versus capitalistas. Soa familiar? Contudo, naquela ocasião, o mundo ainda era totalmente analógico e assassinatos eram mais fáceis e menos onerosos para quem os promovia. Atualmente, os métodos da Operação Condor 2.0 incluem a manipulação de vastas camadas populares por meio da mídia e de censuras explícitas, vide o exemplo do longa-metragem produzido pelo ator e diretor Wagner Moura sobre o próprio Marighella, que tinha a estréia marcada para o dia 20 de novembro no Brasil e foi simplesmente cancelado sem qualquer tipo de explicação plausível.
Na Bolívia, esta semana, Evo Morales, que foi reeleito à Presidência com mais de 47,07% dos votos válidos, foi obrigado a renunciar seguindo uma “recomendação” do exército boliviano para “pacificar o país”. A grande mídia nacional brasileira veiculou o fato alegando que Morales desistiu do mandato por conta dos protestos populares. Em comunicado, a Organização dos Estados Americanos (OEA) disse que “a equipe de auditores (da OEA) não pôde validar o resultado da presente eleição (boliviana), e recomenda outro processo eleitoral. Qualquer futuro processo deverá contar com novas autoridades eleitorais para poder levar a cabo eleições confiáveis.”
No Chile, a repressão do presidente Sebastián Piñera às manifestações populares deixou 160 pessoas cegas por tiros de balas de borracha, segundo dados do Instituto Nacional de Direitos Humanos. Deste total, em 26 casos houve dano aos dois olhos, com perda total da visão. O amigo jornalista Victor Saavedra deu “sorte” e foi atingido na panturrilha pelo disparo dos policiais chilenos. Há três semanas, Bolsonaro disse que as Forças Armadas no Brasil estão preparadas para possíveis confrontos como os do Chile e o seu filho mais novo fez uma referência direta a um possível novo Ato Institucional Número 5, que foi decretado em 1968, ano que coincidentemente, ou nem tanto, também marca o começo da primeira Operação Condor no Cone Sul. Como diria Cazuza: “Eu vejo o futuro repetir o passado. Eu vejo um museu de grandes novidades”. 
Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas e escritor, autor do livro A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI




Nenhum comentário:

Postar um comentário