quinta-feira, 25 de outubro de 2018

De Mourão em Mourão, o autoritarista cerco histórico ao povo brasileiro, por Carlos Ernest Dias



    "Estudar a história do Brasil deveria nos trazer conhecimentos sobre quem somos, o que sentimos e o que fazemos. No entanto, os desvios e falseamentos da história contada em relação à história real e vivida podem nos deixar incapazes de entender a nossa situação e de alcançar uma ideia comum sobre essas coisas todas."


Do Jornal GGN:





De Mourão em Mourão, o cerco histórico ao povo brasileiro
por Carlos Ernest Dias
Peço licença ao Nassif e aos colunistas do GGN para me manifestar mais uma vez neste blog, no sentido de externar algumas ideias e de contribuir para o debate neste difícil momento que vivemos. Não vou me preocupar em citar fontes, pois elas são muitas, e não vêm ao caso neste post. Limito-me a dizer que esta é uma análise baseada em estudos de História Cultural.
Estudar a história do Brasil deveria nos trazer conhecimentos sobre quem somos, o que sentimos e o que fazemos. No entanto, os desvios e falseamentos da história contada em relação à história real e vivida podem nos deixar incapazes de entender a nossa situação e de alcançar uma ideia comum sobre essas coisas todas. Podem alterar nossa sensibilidade e nossa racionalidade, comprometendo nossa saúde psíquica e emocional. E o pior, podem criar e ocultar ressentimentos.
Falar a verdade nunca foi uma qualidade das classes dirigentes do processo político-econômico brasileiro. Tampouco das elites internacionais, colonizadoras, capitalistas e parasitárias. Trata-se de um problema de longa duração, como seria qualificado pela História Cultural. Dois exemplos:
Por qual razão uma grande rede de TV das Arábias, a Al-Jazeera, veio ao Brasil fazer uma reportagem sobre o poder da Rede Globo no país, a ponto de dizer para o mundo todo que por aqui vigora a fatídica frase “Se não deu no Jornal Nacional, é porque não aconteceu”?
E por qual razão uma recente reportagem inglesa apontou que nós, brasileiros vivemos longe da realidade?
Arrisco algumas ideias.
Muito já se pensou e se escreveu por aqui sobre algo que se chamou “identidade nacional”. Prefiro chamar de brasilidade, outros preferem a singularidade. O fato é que desde o indianismo romântico no século XIX, com os políticos-escritores Gonçalves de Magalhães e José de Alencar, passando por folcloristas, positivistas, escolanovistas, modernistas, estadonovistas, bossa novistas, mpbistas e tropicalistas, foram desenvolvidos grandes esforços para caracterizar as brasilidades e alcançar a dita identidade nacional, sem chegarmos, no entanto, a grandes progressos. Quais seriam as razões para isso?
Podemos falar mais uma vez do tipo de colonização que tivemos, sem escolas, escravista, extrativista e latifundiária. Podemos também argumentar sobre as inúmeras e descontinuadas reformas educacionais, desde a primeira que expulsou os jesuítas em meados do século XVIII até a atual “escola sem partido”. Mas podemos também falar sobre os fortes ressentimentos que existem entre os diferentes segmentos da sociedade brasileira, e que nos impedem de nos constituirmos como um povo-nação, como desejava um grande antropólogo brasileiro.
Um dos maiores ressentimentos existentes na sociedade brasileira parece vir dos militares para com os governantes civis, fato que se supõe ter tido início no desastre que foi a campanha que resultou no massacre do país vizinho Paraguai no século XIX entre 1865-1870. Abandonados pelo Império em decadência, sem recursos e com a moral em baixa, e vendo a movimentação dos “bacharéis” e intelectuais republicanos, o que planejaram esses militares? O golpe da República, o primeiro deles. O golpe que “proclamou” a República, mas que se esqueceu de trabalhar por ela, de aprimorá-la. Que esqueceu que era preciso ter um projeto, uma bandeira, um hino, e que “esqueceu” de incluir o povo e dar a ele liberdade e cidadania.
Mas que povo? O mesmo povo, muitas vezes massacrado, em sucessivas revoltas e rebeliões ao longo da Colônia, do Império e da República, pelas próprias Forças Armadas Brasileiras, acrescidas de mercenários e milicianos, há tempos aqui presentes, lideradas por algum capitão brasileiro, português, inglês ou o que estivesse disponível para fazer o serviço. Então o que temos são forças armadas que carregam dentro de si um sentimento ruim em relação à sociedade civil. Sentimentos ruins que se transformam em ressentimentos, que provocam divisões, e que abrem brechas para outros países se aproveitarem disso.
Como que confirmando o ditado de que “menos sabe o tolo de si que o espertalhão do alheio”, os Estados Unidos se empenharam em estudar a história, os costumes, as qualidades, os defeitos e os sentimentos dos brasileiros, e hoje usam o conhecimento adquirido como instrumento de dominação. Nelson Rockfeller e seu Bureau Interamericano no Brasil permaneceram no Rio entre 1940 e 1946, trazendo legiões de norte-americanos ao país e levando de volta many thoughts about us. Em 1947-8 apoiaram a criação da Escola Superior de Guerra, nos moldes do National War College norte-americano. Outro caso clássico é o do historiador Thomas Skidmore, o qual, recém-saído da Universidade de Harvard, foi enviado ao Brasil durante os anos da ditadura militar de 1964-1985. Confortavelmente instalado e com livre acesso aos porões da ditadura, Skidmore produziu vários livros, inclusive um chamado “Uma história do Brasil”, enquanto Florestan Fernandes, Josué de Castro, Darcy Ribeiro e muitos outros intelectuais e cidadãos brasileiros amargavam as dores do exilio.
Arriscaria dizer que Skidmore, tendo estudado a fundo a História do Brasil, concluiu que a tal “identidade nacional” era uma lacuna importante em nossas mentes e corações, um espaço vazio, que foi preenchido espertamente pelo “Jornal Nacional” a partir de 1965.
Há muito os olhares do norte se dedicam a nos entender enquanto gente e enquanto país. Dedicam-se também a promover e a ocultar as grandes mentiras, talvez as maiores de nossos tempos, chamadas “mudança climática” e “aquecimento global”. Hoje esses olhares são lançados do espaço e nos vigiam 24 horas por dia, sem que tenhamos nenhum satélite governamental para negociar uma vaga em órbita, pois o satélite brasileiro que faria isso explodiu ou foi explodido na base de Alcântara em 2003, fato nunca apurado, com a morte de vários cientistas brasileiros.
Ao longo de nossa história, portanto, o que vemos é que, entre armações militares, midiáticas, climáticas e intelectuais, é de Mourão em Mourão que se constroem cercos ao povo brasileiro, lembremo-nos do falso plano Cohen divulgado pelo capitão Mourão em 1937, que serviu de pretexto para Getúlio instituir de vez a ditadura do Estado Novo. Em 1964, o mesmo Mourão, agora general, desceu a serra antes da hora para descer a lenha no povo, caso esse se revoltasse contra o golpe de Johnson, Gordon, Walters e Castelo Branco.
E agora temos outro Mourão, general, candidato a vice, falando um monte de absurdos, ao lado de um ex-capitão, candidato a presidente, falando outro tanto de absurdos.
Respeito os militares. Mas parece haver uma grande participação deles nesse cerco de mentiras e perversidades que se repete periodicamente na história contra o povo brasileiro. Seja qual for o motivo, a sociedade civil brasileira vive constantemente sob a ameaça de que esses ressentimentos de longa data venham à tona e se transformem em violência, em golpe e em novo assalto ao poder. Precisamos ter consciência dessa realidade de forma definitiva. Precisamos abaixar as armas. Precisamos nos tratar.
Carlos Ernest Dias
Músico e Professor universitário
Doutor em Música e Cultura.

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