segunda-feira, 22 de outubro de 2018

O dilema da credibilidade presidencial, por Daniel Mitidieri Fernandes de Oliveira, mestre em Teoria do Direito com ênfase em Estado Administrativo, Democracia e Desenhos Institucionais pelo PPGD/ UFRJ.


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  "Em “Como as Democracias Morrem”, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt propõem um teste para medir as tendências autoritárias de um candidato ao cargo de presidente da República, ou até mesmo de um presidente já eleito. Segundo os cientistas políticos da Universidade Harvard, tem perfil autoritário o candidato/ presidente que rejeita as regras do jogo democrático, nega a legitimidade de opositores políticos, encoraja a violência e busca validar medidas de restrição de liberdades, sobretudo de imprensa. São quatro critérios que medem o grau possível de autoritarismo de um indivíduo à frente do cargo máximo da nação." 


Do Justificando:

O dilema da credibilidade presidencial


No sistema de governo presidencialista, o chefe do executivo é a autoridade mais importante da nação. O presidente da República possui não apenas poderes jurídicos elevados, como os de propor leis, nomear ministros e decidir questões que impactam a vida de pessoas e do mercado. Um presidente também possui poderes de fato, consistentes na forma com que molda o ambiente institucional do país, distribui ordens aos subordinados e se comunica com o público.
Os poderes inerentes à figura do presidente causam desconfiança. Logo, esta é uma autoridade que será sempre controlada de perto, quer seja pela lei, quer seja por mecanismos não normativos. Por sua vez, um presidente não confiável passa a sofrer maiores controles do que o normalmente previsto em códigos e regimentos. E um presidente extremamente controlado tende a desempenhar suas funções com mais dificuldade, até porque, nesse contexto, o controle da opinião pública e do jogo partidário se somam a um controle judicial menos deferente.
Em regimes presidenciais, um executivo muito controlado pode virar um executivo fraco ou até mesmo virar um executivo muito forte. Um executivo fraco é um fenômeno indesejável, porque a maior parte do aparato funcional do Estado é submetida às ordens do presidente da República. Sem conseguir aprovar leis modernizadoras ou convencer o Judiciário de que as políticas públicas desenvolvidas são medidas racionalmente pensadas, o presidente tem pouco a fazer. Na hipótese de um executivo muito forte, o presidente pode subverter os mecanismos estabelecidos de controle, promovendo novas formas de despotismo. A questão-chave então passa por debater o que asseguraria um ponto ótimo de controle sobre o presidente.
O objetivo de todo presidente é sofrer uma quantidade de controle que o permita governar sem atritos e dentro do direito. Presumidamente, nenhum governante eleito quer entrar para a história como incompetente ou ilegítimo. Para tanto, a figura presidencial depende de credibilidade. A ambiguidade do direito faz com que presidentes tenham controles jurídicos calibráveis, ao passo que o controle do público varia à medida que a gestão governamental alcança os resultados ventilados em campanha. A chave para o controle não descalibrar está, portanto, na credibilidade presidencial.
A credibilidade presidencial começa na campanha e permeia todo o mandato. Certamente um candidato que inicia a corrida presidencial com posturas e discursos extravagantes pode afetar o grau de credibilidade necessário não apenas para ser eleito, mas sobretudo para governar em harmonia com os demais poderes. Desde já, pode-se dizer que a credibilidade pressupõe medidas de contenção que o presidente deve impor a si mesmo, independentemente de a Constituição e dos demais agentes controladores assim determinarem.
Em “Como as Democracias Morrem”, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt propõem um teste para medir as tendências autoritárias de um candidato ao cargo de presidente da República, ou até mesmo de um presidente já eleito. Segundo os cientistas políticos da Universidade Harvard, tem perfil autoritário o candidato/ presidente que rejeita as regras do jogo democrático, nega a legitimidade de opositores políticos, encoraja a violência e busca validar medidas de restrição de liberdades, sobretudo de imprensa. São quatro critérios que medem o grau possível de autoritarismo de um indivíduo à frente do cargo máximo da nação.
O aclamado livro de Levitsky e Ziblatt é um bom teste para identificar potenciais autocratas que ignoram limites. Porém, a obra não diz muito sobre como um presidente da República deve se comportar para não ser enxergado com um autocrata. Afinal, nem todo presidente é um déspota em potencial.Quem enfrenta essa questão de forma analítica são os professores Eric Posnere Adrian Vermeule. Esses dois autores vão propor mecanismos a serem autoimpostos pelo presidente da República, como declarado objetivo deincrementar a credibilidade presidencial, inibindo a formação de zonas de controle subótimo do executivo.
Posner e Vermeule sustentam em artigo denominado “The Credible Executive”, publicado na Harvard Public Law Working Paper No. 132, que um presidente eleito em busca de credibilidade deve promover sinalizações que normalmente não são realizadas por presidentes genuinamente mal-intencionados. Um comportamento bem-intencionado gera custos para quem o realiza. A intenção do presidente eleito em arcar com esses custos caminha na direção contrária de pretensões ilegítimas de governo, o que redunda em aumento de apoio popular.
Sinteticamente, os mecanismos a serem adotados para transmitir credibilidade por parte do executivo, segundo os citados professores, passam pela criação de autoridades decisórias com alguma dose de isolamento político. Temas que são levados a julgamento dentro do executivo devem ser respeitados, ainda que o governante de ocasião tenha opinião pessoal distinta da adotada no caso por servidores técnicos e recrutados via método impessoal. O respeito aos órgãos internos do poder executivo transmite a ideia de profissionalização do aparelho burocrático, evitando mudanças regulatórias por mero jogo partidário.
Além disso, um presidente que não queira ser confundido com um déspota de plantão deve respeitar a existência de uma oposição. Autoridades nomeadas no passado por opositores e opositores em si podem e devem ser chamados para pensarem questões nacionais relevantes.Enxergar apenas os correligionários como interlocutores passa a imagem de que o presidente é sectário. O governante deve falar para fora de sua câmara de ressonância, promovendo, até mesmo, políticas públicas que não sejam originariamente identificadas com sua legenda partidária. Uma frente ampla restringe o ativismo judicial e pressões de grupos negligenciados.
Por fim, os últimos mecanismos que o presidente da república deve se auto impor são: transparência na gestão pública e nas razões de decidir do governo; compromissos multilaterais no plano internacional; aceitação de imputação de responsabilidade pessoal pelos atos de seu governo, indicação de autoridades fiscalizadoras neutras e, por fim, a realização de conferências para aproximação da opinião pública. Reunidas essas posturas de inclusão e governo com transparência, a chance de o executivo não governar sob profunda desconfiança é significativa. Com isso, a tendência de um controle exagerado sobre o presidente diminui.
A poucos dias das eleições presidenciais no Brasil, é fundamental que o eleitor reuna os quatro testes dos professores Levitsky e Ziblatt, bem como os mecanismos comportamentais proativos de Eric Posner e Adrian Vermeule, a fim de que possa identificar qual candidatura tem mais chances de evitar uma gestão autoritária e sem credibilidade. Já para a teoria constitucional contemporânea, o ponto centraldesta discussão passa por reconhecer que a autocontenção do poder executivo é tão importante quanto os limites exógenos impostos à sua conduta.
Daniel Mitidieri Fernandes de Oliveira é mestre em Teoria do Direito com ênfase em Estado Administrativo, Democracia e Desenhos Institucionais pelo PPGD/ UFRJ. Pesquisador do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições LETACI/ FND/ UFRJ. Advogado no Rio de Janeiro

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