segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Eu detestaria estar no lugar de quem venceu... Por Rômulo de Andrade Meira, citando Darcy Ribeiro, Procurador de Justiça da Bahia e Professor de Direito Processual Penal




"Sinto muitíssimo pelo nosso País – tão grandioso! -, pelas nossas riquezas, pelo nosso patrimônio, pela nossa cultura, pela nossa arte e, sobretudo, pelo nosso povo. Este, sim, foi, ao final e ao cabo, o grande derrotado pelo resultado das eleições. Quando a economia naufragar, a inflação subir, o salário mínimo despencar, os programas sociais desaparecerem, evidentemente, que os ônus recairão sobre os mais pobres que, inevitavelmente, juntar-se-ão aos miseráveis."



Do Justificando:


Segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Eu detestaria estar no lugar de quem venceu


A frase que intitula este pequeno desabafo é de um grande brasileiro: Darcy Ribeiro e é, rigorosamente, o meu sentimento agora, definido que está o resultado das eleições.[1]
Fez-se, dentre todas!, a pior das escolhas.
Optou-se por um sujeito fascista, preconceituoso, desqualificado, homofóbico, racista, misógino, retrógrado, arauto da tortura, adorador de torturadores, amante das ditaduras, subserviente aos militares – especialmente “os de pijama”, posto alijados já da caserna -, enfim, um “bunda-suja” (como os militares de alta patente designam aqueles que não subiram na carreira, o caso do capitão, que não era respeitado nem pelos seus superiores[2]).
Vejam que desastres deu: foi eleito um legítimo “bunda-suja” para governar uma das maiores nações do mundo. Um sujeito que vem sendo desmoralizado, avacalhado e esculachado pela imprensa internacional, por líderes políticos estrangeiros e por artistas nacionais e estrangeiros, razão pela qual, ao que tudo indica, não será nada fácil as relações diplomáticas do Brasil com o resto do mundo.
Sinto muitíssimo pelo nosso País – tão grandioso! -, pelas nossas riquezas, pelo nosso patrimônio, pela nossa cultura, pela nossa arte e, sobretudo, pelo nosso povo. Este, sim, foi, ao final e ao cabo, o grande derrotado pelo resultado das eleições. Quando a economia naufragar, a inflação subir, o salário mínimo despencar, os programas sociais desaparecerem, evidentemente, que os ônus recairão sobre os mais pobres que, inevitavelmente, juntar-se-ão aos miseráveis.
E parte desse povo – grande parte inclusive! -que fez esta escolha equivocada (muito em razão do desprestígio da classe política, da ausência de educação política e da falta de segurança pública) vai se decepcionar intensamente quando se der conta que ajudou a eleger um embusteiro e um farsante para governar o País.
Já o mesmo não sucederá com a elite. Óbvio que não! Esta – que em grande parte votou burramente com o fígado – continuará gozando (inclusive no sentido lacaniano) dos seus privilégios,contribuindo perversamente para a manutenção da pobreza e da miséria de grande parte do povo brasileiro.
Também a maioria do funcionalismo público não será afetada, especialmente aqueles que compõem, dentro deste setor, uma minoria prestigiada e dominante, como se dá, por exemplo, com os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, sempre confortavelmente instalados nas antessalas do Poder, auxiliando-o sempre que necessários os seus serviços. Continuarão a receber os seus polpudos contracheques/holerites, recheados de vergonhosos penduricalhos – legitimados com o luxuoso auxílio do Supremo Tribunal Federal -, numa afronta vergonhosa à inteligência brasileira e à sua pobreza.
Seguirão com a sua vidinha de larva, gozando a cada viagem para o exterior, a cada carro novo comprado no final do ano, assistindo os programecos da Rede Globo de Televisão, lendo aquelas revistinhas dominicais de sempre, frequentando os shoppings centers das capitais, enfim, morrendo de inveja dos verdadeiros endinheirados do Brasil que, aliás, não lhes dão a menor “bola”, ao contrário, esnoba-os.
Esta será, a partir de 1º. de janeiro de 2019, a nossa realidade e, como diria Caetano e Gilberto Gil, é preciso “ter olhos firmes, para este sol, para esta escuridão. Atenção: tudo é perigoso, tudo é divino maravilhoso. É preciso estar atento e forte. Não temos tempo de temer a morte”, nem as sombras, digo eu.[3]
Resta-nos conviver com ela e resistir ao avanço absurdo que se dará das ideias fascistas do novo Presidente da República, cada um ao seu modo e dentro de suas possibilidades.
Temos que resistir, pois, afinal de contas, como falou Zaratustra, “é preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela dançarina.[4]
Fazer como fez Evandro Lins e Silva que “soube emprestar a todas as atividades profissionais ou funcionais que exerceu uma autêntica dimensão pública, isto é, o sentido de serviço permanente à causa do povo.[5]
Contudo, não será fácil, pois o empoderamento dos fascistas será animado pelas atitudes do novo governo. A luta não será branda, mas, por outro lado, não será em vão. Somos milhões de brasileiros que não votaram no fascista. São muitos, ainda bem!
Ao menos assim o farei, menos por mim, mais pela minha Pátria e pelo meu povo.
Também o farei pelos meus filhos, pois não posso deixar que a minha biografia seja maculada com a mancha vergonhosa da omissão e da covardia.
Afinal de contas, “só a alma transgressiva, só a traição evolucionária ao establishment do corpo e do corpo moral, resgata a verdadeira possibilidade de imortalidade.”[6]

Concluo também com Darcy: “Nesta América Latina, nós só podemos ser resignados ou indignados.”[7]

Fico do lado de cá, dos indignados, pois, de mais a mais, cada um tem a história da vida que se lhe merece.


Rômulo de Andrade Moreira é procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia e Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador – UNIFACS.
[1] Eis o que disse Darcy: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu
.”
[2] No livro “Ernesto Geisel”, organizado por Maria Celina D´Araújo e Celso Castro e publicado pela Editora Fundação Getúlio Vargas, o General Ernesto Geisel – de triste memória! – afirma que “o Bolsonaro é um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar.” (p. 113, da 3ª. edição).
[3] Refrão da canção “Divino Maravilhoso”, composta por Caetano Veloso e Gilberto Gil.
[4] NIETZSCHE, Friedrich, “Assim Falou Zaratustra”, São Paulo: Editora Martin Claret, 1999, p. 29.
[5] COMPARATO, Fábio Konder, no prefácio que fez ao livro “Evandro Lins e Silva – O Salão dos Passos Perdidos”, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas Editora, 1997, p. 13.
[6] BONDER, Nilton, “A Alma Imoral”, Rio de Janeiro, Editora Rocco Ltda., 1998, p. 18.

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