quinta-feira, 8 de julho de 2021

El País: CPI aponta para núcleo militar em escândalos e recebe advertência (ameaça) inusual das Forças Armadas

 

Presidente da comissão dá ordem de prisão a Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de logística da pasta, sob acusação de ter mentido em depoimento. Aziz fala em “lado podre” da caserna e comandantes militares reagem. Senador diz que não vai ser intimidado e cobra posição do Senado

Do El País:

Roberto Ferreira Dias durante depoimento na CPI da Pandemia, em Brasília.ADRIANO MACHADO / REUTERS


São Paulo | Paraná 07 jul 2021

A quarta-feira se transformou num divisor de águas para a CPI da Pandemia. Pela primeira vez nessa comissão, um depoente saiu preso da sessão do Senado. O detido foi Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de logística do Ministério da Saúde e um personagem central nas investigações sobre supostas irregularidades na negociação para a compra de vacinas contra a covid-19 pela pasta. Dias passou boa parte de seu depoimento se esquivando da acusação de que teria pedido propina para autorizar a compra de imunizantes de uma empresa que se apresentava como intermediária, a Davati Medical Supply. A divulgação dos áudios do celular do policial militar Luiz Paulo Dominguetti, da Davati, em poder da CPI, acabou por colocar em xeque a declaração do ex-diretor de que havia se encontrado com o suposto vendedor de vacinas de maneira “acidental”. Foi então que o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), deu voz de prisão a Dias, uma decisão sem consenso mesmo entre opositores na comissão. “Não aceito que a CPI vire chacota. Nós temos 527.000 mil mortos. E os caras brincando de negociar vacina. Por que que ele não teve esse empenho para comprar a Pfizer, que era de responsabilidade dele naquela época? Por quê? Ele está preso por mentir, por perjúrio”, discursou. Dias foi liberado no fim da noite após pagar uma fiança de 1.100 reais.

Não foi o único marco do dia. Em seu depoimento, Roberto Ferreira Dias passou boa parte do tempo dizendo que, se havia alguma responsabilidade, não era dele, mas, sim, de servidores de origem militar lotados no Ministério da Saúde, um fenômeno que ganhou escala quando o general da ativa Eduardo Pazuello comandou a pasta. Desde a eclosão dos escândalos envolvendo a compra de vacinas, nomes e patentes ligadas às Forças Armadas são citados, o que levou a Aziz a comentar: “Os bons das Forças Armadas devem estar muito envergonhados com algumas pessoas que hoje estão na mídia, porque fazia muito tempo, fazia muitos anos que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do Governo”.

O senador pelo Amazonas tocou num ponto latente e constrangedor para as Forças Armadas: serem arrastadas para o redemoinho de problemas do Governo Bolsonaro. Nunca antes na redemocratização tantos militares participaram de uma administração, numa simbiose tida como perigosa para a caserna. Se antes os militares tinham se tornado sócios, com Pazuello, da gestão caótica da pandemia, agora eles também povoam o noticiário policial. A reação não tardou e foi inusual. O presidente da CPI da Pandemia foi repreendido pela cúpula das Forças Armadas em nota assinada pelo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e pelos comandantes das três forças. Nela, os militares dizem que “não aceitarão qualquer ataque leviano” ―numa mensagem que também foi replicada por Jair Bolsonaro.

Aziz reagiu na tribuna do Senado: “Podem fazer 50 notas, só não me intimidem. Quando estão me intimidando, estão intimidando o Senado”, disse ele, dando contorno de crise institucional aos desdobramentos. “A relação promíscua entre Governo Bolsonaro e militares explica a previsível crise de hoje. Nota do Ministério da Defesa parece admissão de culpa”, comentou o historiador Carlos Fico em seu Twitter.

Pontas soltas e o negócio nebuloso da Davati

Enquanto ainda se espera os próximos passos após os choques com a cúpula das Forças Armadas, a CPI ainda tentar fechar o quebra-cabeça envolvendo a oferta de vacinas da nebulosa empresa intermediária Davati. A história da sessão desta quarta mudou quando a CNN Brasil divulgou mensagens de áudio, em poder da CPI, nas quais o PM Luiz Dominguetti fala com outro representante comercial, identificado como Rafael Alves e cita Roberto Ferreira Dias, então diretor no Ministério da Saúde. “A compra vai acontecer, tá? Estamos na fase burocrática. Em off, pra você saber, quem vai assinar é o Dias mesmo, tá? Caiu no colo do Dias... e a gente já se falou, né? E quinta-feira a gente tem uma reunião para finalizar com o ministério”, afirmou o policial militar, de acordo com a gravação. A conversa é do dia 23 de fevereiro, dois antes antes de o ex-diretor de logística se encontrar com Dominguetti e com o tenente-coronel Marcelo Blanco, que foi assessor da Saúde até janeiro, no restaurante Vasto, num shopping de Brasília. Para os senadores, que não haviam comprado a tese de encontro fortuito num chope entre amigos, defendida pelo servidor, foi a gota d’água.

Dias contou que conheceu Dominguetti nesse jantar e que ali foi mencionado a oferta de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca para pronta entrega. “Eu disse que a oferta já havia circulado no ministério, mas nunca foi apresentada a documentação necessária, e citei o nome de Cristiano [Alberto Carvalho, representante da Davati]”, explicou Dias. O servidor afirmou que em fevereiro conversou com Carvalho para saber se existia realmente essa oferta de vacinas, mas ele falhou em enviar uma carta de representação do fabricante. Mesmo assim, Dias recebeu Dominguetti para uma agenda formal no ministério já na segunda-feira após o encontro. “Os documentos se mostraram mais do mesmo, não havia carta de representação do fabricante. Entretanto, Dominguetti alegou que a receberia em instantes. Eu disse então que possuía outra agenda, mas que, se ele quisesse aguardar, ficasse à vontade na sala ao lado. Tempos depois, o mesmo se despediu, disse que teria que ir embora, e nunca mais tive notícias, como de diversos outros ofertantes de vacina”, afirmou o ex-diretor de Logística.

Roberto Dias estava muito à vontade na sessão. Foi direto nas respostas, porém, entrou em contradição algumas vezes. Em seu depoimento, o servidor público afirmou que a negociação de compra e preços das vacinas contra a covid-19 caberia exclusivamente à Secretaria Executiva da pasta, na época, sob comando do coronel da reserva do Exército Antônio Elcio Franco. “A proposta da Bharat [Biotech, empresa indiana produtora da Covaxin] foi anuída pelo secretário executivo durante todo o processo”, disse o ex-diretor, ressaltando que, contrariamente a outros produtos, no caso da compra de vacinas contra a covid-19, “todas as tratativas foram feitas pela Secretaria Executiva”.

Dias não conseguiu convencer do motivo de, apesar de não ser o responsável por negociar a compra das vacinas, aceitou o encontro com Dominguetti e “diversos outros”, como o reverendo Amilton Gomes de Paula, fundador da associação privada Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), que também se apresentou como representante da Davati: “Eu lembro de tê-lo recebido em agenda oficial, na minha sala”, disse. “Foi um pedido de agenda, está registrado. E a retórica era a mesma: possuía x doses disponíveis e não tinha a carta de representação do fabricante. E aquilo acabou ali.”

Suspeitas de perseguição e “núcleo militar”

presidente da CPI, Omar Aziz perguntou também se Dias conheceu o coronel Guerra, em referência a Glaucio Octaviano Guerra, coronel da Aeronáutica reformado em 2016, com quem Dominguetti trocou mensagens sobre fornecimento de vacinas. Foi quando comentou sobre o “lado podre” das Forças Armadas, que geraria o embrião da nova crise.

Ainda no depoimento, Roberto Dias contou que assumiu a área de logística do ministério na gestão de Luiz Henrique Mandetta, quando indicou os três coordenadores do Departamento de Logística. Na gestão de Pazuello, no entanto, as coordenações de Finanças e de Logística foram trocadas pela Secretaria Executiva, passando a ser ocupadas, respectivamente, pelo tenente-coronel Marcelo Costa e pelo tenente-coronel Alex Lial Marinho. Marcelo Blanco, por sua vez, foi nomeado como assessor de Roberto Dias. Questionado pelo senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP), Dias afirma não ter sido consultado sobre as nomeações para o seu departamento. “Eu acho que o senhor Élcio Franco cada vez mais se enrola mais, se envolve mais”, disse o senador Randolfe Rodrigues, destacando que Roberto Dias não tinha autonomia para gerir o setor na gestão Pazuello. A CPI estuda convocar Franco, agora lotado no Palácio do Planalto.

A senadora Simone Tebet (MDB-MS) reafirmou a suspeita contra o bloco militar. “A sensação que eu tenho, infelizmente, é que estavam querendo tirar um núcleo de poder dentro do Ministério da Saúde e lamentavelmente, estavam querendo colocar um núcleo militar para tomar conta desse galinheiro. Está muito claro isso. Tirou poder do Roberto Dias, colocou militar. Quem era o Ministro da Saúde? Era um militar. Quem era o número um do Ministro ou o número dois do ministério? Era um militar. Ele não falou apenas de dois nomes, falou de três nomes militares”, destacou a senadora.

“Nunca pedi nenhum tipo de vantagem ao senhor Dominguetti nem a ninguém”, disse Dias. “Estou sendo acusado sem provas por dois cidadãos, o senhor Dominguetti, que foi constatado nessa CPI como um picareta que tentava aplicar golpes em prefeituras e no Ministério da Saúde, e o nobre deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que possui um currículo controverso”, afirmou o ex-servidor.

Dias afirma que a prova apresentada por Miranda, uma mensagem de celular em que pergunta “como está a LI [licença] da vacina” não tem relação com a compra da Covaxin. “O teor da minha mensagem se referia à LI da vacina AstraZeneca, que chegaria no domingo, dia 21 de março, um dia depois do envio daquela mensagem, e contaria com a presença do Ministro da Saúde e outras autoridades em seu desembarque no aeroporto de Guarulhos. Minha preocupação era de que a vacina estivesse sem nenhum problema em seu desembaraço sanitário e aduaneiro que viesse a gerar algum constrangimento à presença do Ministro”, afirmou.

Lembrou que Miranda negou na CPI ter negócios na área da saúde, mas áudio divulgado na comissão, com ata notarial, mostra que o deputado teria negócios de comercialização de luvas e EPIs. Dias referiu-se ao parlamentar como “uma pessoa desqualificada”, e que as denúncias contra ele “jamais serão provadas” devido à ausência de base. “Será que atrapalhei algum negócio do deputado? Porque essas denúncias três, quatro meses depois dos fatos? Neguei um pedido de cargo para seu irmão, servidor do ministério, e cheguei a pensar que fosse uma retaliação contra mim. Mas será que atrapalhei alguma outra coisa? Já acionei o deputado por difamação contra minha pessoa”, afirmou.

O ex-diretor de logística do Ministério da Saúde negou que tenha sido indicado pelo atual líder do Governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros. Também afirmou que nunca recebeu nenhuma mensagem da Casa Civil orientando sua atuação no Ministério da Saúde. O servidor negou também ter intermediado uma reunião entre o policial militar Dominguetti e o coronel Elcio Franco, então secretário-executivo da pasta. “Ele [Dominguetti] entendeu que tinha chance de fazer e procurou [Elcio Franco] direto. Essa iniciativa não foi minha. Não faço triagem de propostas que interessam ao Governo”, afirmou Dias. Ele confirmou, porém, que pediu ao então ministro Eduardo Pazuello que o indicasse a uma vaga na Anvisa, pois “já estava cansado da rotina de pandemia do Ministério da Saúde”. Ele afirmou ter sido vítima de um factoide para atrapalhar a indicação.

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