domingo, 10 de maio de 2020

O fracasso da política econômica neoliberal de Paulo Guedes de combate à crise causada pelo novo coronavírus, por Lauro Mattei



Quando todas as sociedades enfrentavam uma crise sanitária de proporções catastróficas, era possível prever que efeitos econômicos não seriam de curta duração
Foto: Reprodução

O fracasso da política econômica neoliberal de combate à crise causada pelo novo coronavírus

por Lauro Mattei*

Ao longo dos dois últimos meses (março e abril) procurei acompanhar e analisar os anúncios das propostas de ações do Ministério da Economia que tiveram como objetivo enfrentar os impactos negativos sobre a economia do país decorrentes da pandemia causada pelo novo coronavírus. Para tanto, produzi diversos artigos publicados eletronicamente que agora estão sendo disponibilizados na forma de Texto para Discussão no site do NECAT-UFSC, do qual sou o coordenador geral (www.necat.ufsc.br/Texto para Discussão).
Em diferentes datas abordei os temas que estavam em debate na sociedade naquele momento diante das ações do governo federal na esfera econômica. Por exemplo, no mês de março chamou atenção a visão extremamente equivocada, por parte do Ministro da Economia, sobre a gravidade da crise, uma vez que o mesmo discutiu a temporalidade dessa crise num horizonte de 3 a 4 meses, reafirmando a todo momento que em 2020 o Brasil voltaria a crescer, caso as reformas estruturais fossem realizadas.
Fazendo um contraponto a esse equívoco analítico, mostramos que no momento em que todas as sociedades estavam enfrentando uma crise sanitária de proporções catastróficas, já se previa que os efeitos econômicos da COVID-19 não seriam de curta duração e que seus impactos poderiam destruir a estrutura econômica de um país, caso os governos não adotassem medidas efetivas para enfrentar essa nova realidade. Neste caso, previsões de todos os organismos internacionais apontavam que a parada da economia mundial no início de 2020 iria colocar o mundo mais uma vez diante de um processo recessivo, talvez até maior comparativamente à crise financeira de 2008-2009, e que seu tempo de recuperação seria gradual e dependeria, fundamentalmente, das políticas que cada país estaria adotando neste momento.
No mês de abril, após exaustivo balanço de todas as medidas anunciadas,  percebemos os seguintes aspectos: que a área econômica do governo federal não tinha um Plano de Ação organizado e articulado para amenizar os efeitos negativos da pandemia sobre as atividades econômicas; que o Ministro da Economia acreditava ser apenas uma turbulência passageira, pois segundo ele a economia do país era resiliente e estava com os fundamentos fiscais e com as reformas estruturantes em andamento, fatos que lhe daria condições de “furar essa onda”; que foram divulgadas muitas informações de impactos sobre o volume global de recursos disponibilizado, utilizando-se inclusive do patamar dos bilhões para se afirmar que o governo já tinha disponibilizado mais de R$ 800 bilhões para combater a pandemia; que era evidente o descompasso entre os anúncios das medidas e a implementação efetiva das mesmas, fato que estava contribuindo para agravar ainda mais as já precárias condições de vida de importantes parcelas da população; e que todas as ações da equipe econômica rejeitavam uma atuação mais robusta do Estado, em termos da expansão dos gastos públicos, fato que ia exatamente na contramão de tudo o que vinha sendo feito na maioria dos países do mundo que também foram afetados pelo novo coronavírus.
Nesta primeira semana de maio procurei analisar com maior profundidade a forma e a maneira como as ideias econômicas neoliberais estão contaminando as ações de política econômica e colocando o Brasil na contramão do mundo, especialmente em termos do enfrentamento da recessão decorrente dos efeitos causados pelo novo coronavírus. Em tal percurso, ficou evidente que o atual comandante da economia brasileira está mais preocupado em acalmar os instintos do mercado financeiro do que propriamente resolver os problemas da economia real do país, tamanha foi sua disposição nos últimos meses de fazer conferências eletrônicas junto aos especuladores desse mercado. Além disso, ficaram evidentes também outras concepções.
Por um lado, após a aprovação de medidas que penalizam os trabalhadores do setor privado, via MP 936, o Ministro voltou suas baterias contra os servidores do setor público, praticamente exigindo a aprovação de sua proposta de congelamento dos salários até o final de 2021. Neste caso, chegou a afirmar euforicamente no dia 07.05.20, após participar da patética marcha ao lado do Presidente da República rumo ao STF, que pediu ao presidente para vetar qualquer aumento de salários dos servidores públicos como condição basilar para o governo federal apoiar e auxiliar financeiramente os estados e municípios. Por outro, chamou detacou-se também o apreço ao dogmatismo neoliberal que rejeita uma ação mais robusta do Estado, via expansão dos gastos públicos, conduta esta condizente com a crença do “estado mínimo”.
Na verdade, esse comportamento vai exatamente na contramão de tudo o que vem sendo feito na maioria dos países também afetados pelo novo coronavírus. Nesses casos, verifica-se que é exatamente a máquina do Estado que tem se transformado no ente que define e lidera as ações e estratégias, tanto de combate à doença como de proteção aos sistemas econômicos.
Esse percurso nos mostrou mais claramente o grau de contaminação da política econômica pelo ideário neoliberal. Decorre daí um grau elevado de incertezas, uma vez que o Brasil está percorrendo um caminho totalmente adverso em relação ao que foi recomendado pelos organismos internacionais. Lamentavelmente pode-se afirmar que o preço a ser pago por tal escolha será expressivo, especialmente por parte dos segmentos sociais mais vulneráveis da população que deverão ser aqueles que mais irão sentir os efeitos da pandemia do novo coronavírus em suas vidas.
O neoliberalismo brasileiro na contramão do mundo
Desde o início da pandemia provocada pelo novo coronavírus ficou claro que os efeitos econômicos dessa crise sanitária sobre a economia global seriam bastante expressivos, podendo levar todo o sistema econômico a uma nova recessão, cuja dimensão poderá ser maior que todas as versões anteriores da história contemporânea. Além disso, ficou claro também que o tempo de recuperação das atividades econômicas deverá ser longo e dependerá, fundamentalmente, das políticas que cada governo nacional adotará nesse contexto de pandemia sanitária.
Diante desse cenário, diversos organismos internacionais (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização das Nações Unidas, Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, etc.) já vêm há meses indicando um conjunto de orientações para os governos nacionais enfrentar a crise econômica causada por esse problema de saúde mundial, especialmente em termos das políticas macroeconômicas e setoriais que deveriam ser adotadas para tal finalidade. Em linhas gerais, afirmou-se ao longo dos últimos meses que os programas de ajustes estruturais em curso em alguns países deveriam ser abandonados e, em seu lugar, deveriam ser implementadas políticas públicas de Estado que fossem capazes de conter a expansão da COVID-19 com o objetivo de, em primeiro lugar, salvar a vida das populações afetadas e, ao mesmo tempo, expandir o gasto público como forma de manter e ativar os distintos setores de atividade visando garantir a continuidade do funcionamento da economia.
De um modo geral, observa-se que esse aceno das organizações internacionais foi aceito pela grande maioria dos países, o que pode ser comprovado pelos vultuosos gastos públicos, particularmente dos países mais pujantes no cenário econômico internacional. Mas também não se deve desconsiderar os importantes esforços e gastos realizados por diversos países que, mesmo não fazendo parte do seleto grupo econômico representado pelo G20, entenderam as orientações das organizações internacionais e adotaram políticas públicas que visaram manter o funcionamento da economia.
Apesar de todos os esforços nesta direção, os resultados econômicos relativos ao primeiro trimestre de 2020 que foram divulgados recentemente revelaram o grande impacto que a economia mundial sofreu e deverá continuar sofrendo nos próximos anos. Uma das primeiras informações divulgadas diz respeito ao desempenho da economia chinesa, dada sua importância na dinâmica econômica global ao ocupar o posto de segunda maior economia do planeta.
Neste caso, verificou-se que, após mais de três décadas de crescimento expansivo, a China apresentou um PIB negativo da ordem de 6,8% no primeiro trimestre de 2020, destacando-se que desde 1992 a china não apresentava um trimestre com resultado negativo.
Comportamento semelhante também ocorreu na primeira economia mundial. Dados dos EUA, que no último trimestre de 2019 tinha apresentado resultado positivo de 2,1%, revelaram que no primeiro trimestre de 2020 ocorreu uma queda de 4,8%. Em dólares correntes essa queda do PIB ficou em 3,5%, significando a maior queda verificada na economia norte-americana desde 2008.
Os impactos negativos também foram sentidos por vários países do Continente Europeu, cuja taxa média de queda foi de 3,8% no mesmo período. Já em alguns países do bloco essa queda foi ainda muito maior. A França, por exemplo, teve uma queda de 5,8% no primeiro trimestre, sendo a maior queda trimestral desde quando esse registro teve início em 1949. Já a Espanha, que em 2019 teve um PIB positivo de 2%, apresentou uma queda da ordem de 5,2%, enquanto que a Itália sofreu uma queda da ordem de 4,7% no primeiro trimestre de 2020.

Notícias não muito favoráveis vêm da terceira maior economia mundial. O Japão ainda não divulgou os resultados do primeiro trimestre de 2020, mas analistas estão esperando uma queda entre 3,5 a 4% do PIB. Isto porque a economia japonesa desacelerou muito no segundo semestre de 2019, ao apresentar resultados negativos superiores a 1,5%, significando que, antes mesmo da pandemia provocada pelo novo coronavírus, a economia japonesa praticamente já se encontrava em recessão técnica no início de 2020.

A partir desses resultados de desempenho das principais economias mundiais, o Fundo Monetário Internacional (FMI), cujas previsões ao final de 2019 indicavam um crescimento da economia mundial para 2020 da ordem de 3,4%, lançou na data de 14.04.20 o documento “Panorama da Economia Mundial”. Diante da crise da COVID-19 projetou um cenário econômico sombrio para esse ano, uma vez que a retração esperada se situa no patamar de 3%, ou seja, haverá uma queda de 6% em relação à projeção elaborada em 2019. Já no caso do Brasil, ao final de 2019 o FMI projetou um crescimento de 2% para o ano de 2020. Todavia, as informações de agora revelam um cenário de queda da ordem de 5,3%, o que significará um tombo de aproximadamente 7,3% em relação ao projetado no final de 2019. A conclusão geral do documento do FMI é que a recessão atual será a pior desde 1929.
Já o Banco Mundial (BM) lançou no dia 12.04.20 o documento “The economy in the time of COVID-19”, em que analisa a situação econômica da América Latina e Caribe, procurando mensurar o impacto da pandemia do novo coronavírus na economia de 25 países. A conclusão geral do documento é que o PIB da região no ano de 2020 irá sofrer uma redução de 4,6%, enquanto o PIB do Brasil deverá sofrer uma retração de 5%.
O conjunto das informações disponíveis até o momento revela a gravidade da crise econômica em curso no âmbito mundial, a qual certamente terá como consequência uma das mais severas recessões que o sistema econômico capitalista já presenciou. É exatamente neste contexto que a economia brasileira está mergulhada, dada a sua enorme dependência do funcionamento da economia global.
Como discutimos em TDs anteriores do NECAT-UFSC (35 e 37), a economia brasileira já vinha com problemas desde 2015 quando entrou em recessão por dois anos. Com isso, o comportamento médio do PIB apresentou taxa de crescimento negativa da ordem de 0,90% ao ano entre 2015 e 2019. Nesse período foram realizadas diversas reformas estruturais (limitação do teto de gastos públicos, reforma trabalhista, reforma da previdência, etc.), mas que pouco contribuíram para alterar o cenário de crise, uma vez que ainda hoje o país convive com uma taxa de desemprego bastante elevada e uma das piores taxas de investimento das duas últimas décadas.
Entendemos que uma economia nessas condições e sendo afetada diretamente pela crise decorrente do novo coronavírus terá enormes desafios pela frente. Diante desse novo cenário global, entendíamos que o governo federal precisava atuar rapidamente em três frentes essenciais: garantir a solvência das empresas (sobretudo do capital de giro) para que elas continuassem funcionando; garantir a manutenção dos níveis de emprego e de salários dos trabalhadores; e atender aos segmentos mais vulneráveis da população que, além de excluídos economicamente, estão mais expostos à própria epidemia.
Infelizmente não parece ter sido esta a escolha da atual equipe econômica do governo federal, uma vez que os dogmáticos economistas neoliberais continuam defendendo a desgastada cartilha neoliberal de que o Estado está quebrado e que não há recursos para qualquer ação mais robusta neste momento. Na verdade, essa retórica neoliberal já vem sendo adotada desde o processo de impeachment de 2016 quando se passou a apostar que a austeridade fiscal e as reformas estruturais iriam estabilizar e expandir as atividades econômicas no país.
Para tanto, lançou-se mão de um conjunto de reformas, sendo que a cada uma delas que era aprovada, a economia era cada vez mais penalizada. Mesmo assim, e em plena crise provocada pelo novo coronavírus, manteve-se como prioridade a continuidade dessas reformas estruturais, com destaque para duas delas: a administrativa e a tributária. Registre-se que nesses últimos quatro anos as reformas realizadas (Estabelecimento de um Teto do Gasto Social; Reforma Trabalhista e Reforma da Previdência) não conseguiram reativar o crescimento econômico em níveis sustentáveis, todavia a narrativa das reformas continua sendo o assunto predileto enquanto estratégia do Ministro da Economia para fazer frente aos impactos da COVID-19.
A seguir destacaremos alguns aspectos relativos às ações anunciadas para demonstrar o quanto essa agenda econômica neoliberal fracassou e irá aprofundar o quadro recessivo no país e, consequentemente, agravar ainda mais as já péssimas condições sociais, conforme informações que acabaram de ser divulgadas pela PNAD de 2019.
 Os gastos efetivos do Tesouro Nacional com a COVID-19
Ao longo dos meses de março e abril tornaram-se comum anúncios espalhafatosos de gastos do governo federal com ações que visavam combater os problemas causados pelo novo coronavírus, tanto nas esferas da saúde e assistência social, como na área econômica. A cada semana os valores acumulados eram multiplicados, chegando-se ao ponto do Ministro, em suas últimas falas públicas sobre o assunto, ter anunciado o montante de R$ 800 bilhões nos quatro meses (timing que ele definiu no início como parâmetro para combater a crise e depois voltar ao tema das reformas).
Todavia, o documento “Monitoramento dos Gastos da União com Combate à COVID-19”, divulgado no dia 01.05.2020 pela Secretaria do Tesouro Nacional, revelou que os gastos do Tesouro foram apenas de R$ 59,9 bilhões em dois meses (março e abril) com ações de enfrentamento da crise causada pelo novo coronavírus. Além disso, projetou-se um gasto de R$ 350 bilhões ao longo do ano de 2020 com ações desta natureza. Essas informações, além de ir na contramão de ações que estão sendo desenvolvidas por governos de praticamente todos os países, revelam que o veredito econômico neoliberal de restrição máxima do gasto público continua em vigor no Brasil, mesmo diante de uma crise cujos efeitos serão sentidos por muitos anos.
Ações de apoio ao setor empresarial
Ao longo dos últimos dois meses houve vários anúncios de medidas de apoio ao setor empresarial, sobretudo para as pequenas e médias empresa, tanto por parte da equipe do Ministério da Economia como por parte do BNDES. Todavia, hoje está claro que esses anúncios tiveram pouca efetividade, uma vez que recentemente surgiram informações e estudos, bem como declarações de representantes de vários setores empresariais, que evidenciaram o fracasso de praticamente todas essas medidas anunciadas.
Dentre alguns dos principais problemas relatados pelos órgãos que representam os interesses empresariais destacam-se as dificuldades para pagamentos rotineiros, especialmente dos salários dos funcionários, e o acesso ao crédito que, segundo pesquisa da Confederação Nacional da indústria (CNI), tornou-se mais difícil após a emergência da COVID-19. Quando questionada pelos meios de comunicação sobre o problema, a Federação Brasileira dos Bancos (FEBRABAN) reconheceu que as medidas anunciadas de fato ainda não chegaram aos setores empresariais priorizados e que isso decorria de problemas de atrasos na regulamentação das medidas anunciadas pelo próprio Banco Central do Brasil (BACEN).
Além disso, deve-se reportar que em meados de março foram anunciadas, por parte do BNDES, medidas específicas para as pequenas e médias empresas, cujo montante deveria atingir R$ 55 bilhões, especialmente para auxiliar no pagamento de custos empresariais, particularmente de custos salariais. Dados recentes divulgados pelo próprio banco revelam que, decorridos quase dois meses desse anúncio, apenas 1% desses recursos foram disponibilizados, fato que pode estar ajudando a agravar ainda mais a situação dessas empresas, que no Brasil são responsáveis por uma parcela significativa dos postos de trabalho.
Ações específicas relativas ao emprego e salário
Desde 2015 o Brasil vem convivendo com elevados índices de desemprego, além de um processo de degradação das relações de trabalho revelado pelo alto grau de informalidade no mercado de trabalho do país. Os dados relativos ao primeiro trimestre de 2020 divulgados pela PNAD Contínua do IBGE em 30.04.20 revelaram que esse cenário de deterioração do mercado de trabalho encontra-se em escala ascendente e certamente irá se agravar ainda mais nos próximos meses.
Destacamos apenas alguns desses indicadores. A População Economicamente Ativa (PEA) Ocupada caiu 2,5% no trimestre em relação ao trimestre anterior, o que em termos absolutos significou uma redução de 2,3 milhões de pessoas, enquanto que a PEA Desocupada aumentou 10,5%, significando que mais 1,2 milhões de pessoas passaram a fazer parte do grupo de desocupados. Com isso, a taxa de informalidade chegou a aproximadamente 40%, o que em termos absolutos representa 36,8 milhões de pessoas. Já a taxa de subocupação de toda a mão de obra do país subiu para 24,5%, percentual que representa 27,6 milhões de pessoas.
Todos esses indicadores muito ruins fizeram com que a massa de rendimentos real tivesse uma queda de 1,3%, o que representa menos de R$ 2,9 bilhões circulando na economia. Essa abrupta queda na renda está gerando um efeito altista no nível de endividamento das famílias, conforme vem sendo divulgado pela Confederação Nacional do Comércio.
Neste cenário de dificuldades que se avizinham, é imperioso afirmar que as medidas anunciadas pelo Governo Federal – como no caso da MP 936, que autorizou acordos individuais; a suspensão de contratos de trabalho; e a redução parcial de salários, acabaram estimulando e/ou facilitando o desemprego, ao mesmo tempo em que não oferecem nenhum mecanismo efetivo que seja capaz de garantir a estabilidade no emprego por alguns meses, especialmente quando a crise econômica for mais aguda.
A grande questão ainda em aberto é sobre o que irá acontecer no mercado de trabalho do país nos próximos meses, tendo em vista que as regras definidas pela MP 936 irão perder validade em um curto período de tempo. Portanto, ao invés do Governo Federal tentar enfrentar esses problemas com medidas efetivas de manutenção do emprego e da renda, nota-se que a linha dominante da política econômica parece estar mais preocupada em aproveitar a crise para promover uma nova contrarreforma trabalhista. Esse argumento fica claro quando se observa que – via MP 936 – tornaram-se normas muitas das propostas que fazem parte do pacote de proposições trabalhistas da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Ações destinadas aos segmentos sociais vulneráveis
Ao longo das últimas quatro décadas a política econômica na América Latina e no Brasil, em particular, esteve sob a vigência do credo econômico neoliberal. Tal fato promoveu uma desestruturação dos mercados de trabalho com elevação brutal da informalidade, bem como uma expansão expressiva dos índices de pobreza e miséria. É a partir daí que surgiram, no final dos anos de 1990, os primeiros programas de transferência de renda enquanto estratégia social compensatória. O Brasil, juntamente com o México, foi um dos pioneiros nesse processo, destacando-se como referência o programa Bolsa Família.
Foi nesta lógica que se aprovou recentemente no Congresso Nacional o Programa de Auxílio Emergencial destinado aos trabalhadores informais e microempreendedores individuais para fazer frente ao problema econômico causado pelo novo coronavírus. A partir daí se sobressaíram diversos aspectos na implementação dessa política. O primeiro deles foi o atraso inexplicável por parte da equipe econômica do governo federal que a cada momento inventava uma nova trava para claramente retardar o processo de expansão do gasto governamental que tal ação exigia. O segundo aspecto diz respeito à letargia das equipes governamentais envolvidas na implementação dessa nova política social. O terceiro aspecto está sendo a burocratização excessiva para os recursos efetivamente chegarem aos mais necessitados.
Finalmente, um último aspecto que ficou explícito na demora do governo de mais de um mês para atender aos segmentos sociais mais vulneráveis é de caráter puramente ideológico. Depois do projeto ser aprovado no Congresso Nacional, o presidente levou três dias para assiná-lo e, na sequência, o ministro da economia inventou a história de que seria preciso mudar a constituição para proceder ao pagamento.
O corpo mole da área econômica neste caso encontra explicação na fala do presidente do Banco do Brasil. Em 02.04.20 esse senhor declarou ao jornal Estadão de São Paulo que esmolas só atenuam o problema, mas não o resolvem e que a crise requeria ações públicas, porém era preciso ter cuidado para não se montar um grande Estado Assistencialista, porque depois ficaria mais difícil de desmontá-lo. É essa ideologia anti Estado que domina o núcleo econômico do governo e que também se explicita em diversas outras esferas, como no caso dos salários dos servidores públicos.
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Ao finalizar essa análise gostaríamos de incorporar ao contexto anteriormente mencionado a nova manifestação do Ministro da Economia. No dia 07.05.20, ao participar da patética marcha rumo ao STF junto com o Presidente da República e outros colegas de ministérios, o mesmo afirmou que com novos gastos a economia brasileira estava começando a colapsar e que, portanto, seria necessário o Presidente vetar todos esses novos gastos previstos no projeto de ajuda aos estados e municípios aprovado no dia anterior pelo Congresso Nacional.
Na verdade, o que temos afirmado é justamente o fato de que é a própria política econômica neoliberal do governo atual que já está se transformando em um rotundo fracasso, uma vez que ela caminha na contramão da maioria dos países do mundo que se encontram em situação semelhante ao Brasil. Neste sentido, é importante deixar claro que o colapso econômico mencionado pelo ministro deriva muito mais da inoperância das medidas econômicas assentadas no credo neoliberal do que dos mecanismos de distanciamento social adotados pelos estados e municípios para conter a pandemia da COVID-19, como quer fazer crer o Rolando Lero.

*Lauro Mattei é professor, Coordenador do NECAT-UFSC, e pesquisador do OPPA-CPDA-UFRRJ

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