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terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Trump, plutocracia e capitalismo: quem são os "novos" titãs? Resenha do livro Titans of Capital, de Peter Phillips, feito por Ladislau Dowbor

 


No dia da posse de Trump, vale examinar os megafundos que agora controlam a riqueza do Ocidente. Quem são. Como manejam o equivalente a 8,5 vezes o PIB dos EUA. Por que estão ávidos por enfraquecer os Estados e reinar absolutos


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VEJA MAIS:

Resenha de Titans of Capital (2024), de Peter Phillips, publicado pela Seven Stories Press

Peter Phillips escreveu um livro que mais parece um relatório de pesquisa, e que é de uma prodigiosa utilidade: em vez de ilustrar as suas opiniões, ele nos dá ferramentas para entender como todo o processo de acumulação do capital se deformou, gerando a convergência das catástrofes da desigualdade e da destruição ambiental. Ao detalhar como as coisas efetivamente funcionam no topo da pirâmide do poder econômico – e, portanto, do poder político, Phillips põe em nossas mãos uma excepcional ferramenta de trabalho.

Quem lê os meus trabalhos sabe que eu não sou muito pródigo em flores, mas neste caso, os dois dias que gastei em ler este pequeno livro me deixaram entusiasmado. E como as traduções demoram a aparecer, recomendo a todo o nosso pequeno mundo que se interessa por entender a zona econômica que vivemos, que comprem o livro em inglês mesmo. Nada de complexo nesta escrita.

Para já, pensando nas pessoas que têm dúvidas sobre a nossa dependência do poder econômico global, tema central deste livro, vou só apresentar este gráfico, que não está no livro, mas que ilustra este tema no Brasil:[1]

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O nome BlackRock é pouco familiar para as pessoas no Brasil. Lembremos que em 2024 essa empresa gestora de ativos (fortunas) administra um pouco mais de 10 trilhões de dólares. O presidente americano Joe Biden administras 6 trilhões, orçamento federal dos Estados Unidos. Vejam no gráfico acima para onde essa corporação estende os seus drenos no Brasil, isso que ela se encontra em inúmeros países. Empresas chave da economia brasileira têm os seus interesses ligados à BlackRock, cujo objetivo não é produzir nada, é apenas drenar dividendos, e o máximo possível, como vimos no caso da Petrobrás, elevando os preços para aumentar os dividendos, um dreno amplo sobre toda a população, a chamada profit inflation, inflação gerada por elevação de lucros. O preço que você pagou a mais no botijão de gás ou no posto de gasolina foi para pagar dividendos.

Bastam participações acionárias limitadas para colocar as empresas ao seu serviço, ou seja, maximizar dividendos para acionistas, os que hoje chamamos de “proprietários ausentes”, absentee owners. Isso é a realidade da indústria dita nacional. Não tenham dúvida de que quando os diretores da Samarco ou da Vale tiveram de optar entre consertar as barragens ou aumentar os dividendos, optaram pelos dividendos, e os bônus correspondentes para eles mesmos. Privatizar, ou seja, abrir as portas para acionistas internacionais, é também desnacionalizar. Isso para situar o mecanismo que permite aos gigantes financeiro no topo drenar recursos da base da sociedade em escala mundial.

Phillips selecionou as 10 maiores empresas de gestão de ativos. No conjunto, administram quase 50 trilhões de dólares, equivalentes em 2022 a mais ou menos a metade do PIB mundial de 100 trilhões. Essa é a dimensão. Em seguida, ele elenca, para cada empresa, os diretores, um total de 117 para o conjunto das 10 empresas. Essa gente não constitui a lista de bilionários, e sim gente que ganha muitos milhões, mas essencialmente tomando as decisões. O detalhe da diretoria de cada uma destas gigantescas corporações mostra que a maior parte dirige não uma empresa, mas várias outras, tanto entre os 10 como para fora. Vejam também que em 5 anos, entre 2017 e 2022, aumentaram esse controle em 89,5%, quase dobrando. O controle no topo está se reforçando rapidamente.

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Gera-se assim um universo de interesses entrecruzados das corporações, um gigantesco oligopólio planetário, que não tem nada a ver com o que chamamos de economia de mercado, a tradicional visão que nos ensinam, de empresas que concorrem lealmente para prestar melhores serviços à população. Estão solidamente articuladas para se servir. Uma ficha para cada diretor permite ver que se trata de boas famílias, que estudaram essencialmente nas mesmas escolas de elite e universidades correspondentes, formando uma classe de colegas. Dois terços são americanos. Participam todos das três principais organizações intracorporativas, o Council for Foreign Affairs, Business Round Table e Business Council. Todos são convidados regulares do Fórum Social Mundial, do qual Larry Fink, da BlackRock, é inclusive um dos administradores (trustee).

O fato de cada um dos diretores ter interesses cruzados com outros no grupo dos 10 vai ser reforçado pelo fato de participarem dos conselhos de administração de numerosas outras instituições, como a CIA, ou o Departamento de Estado, com forte presença nas decisões militares, mas também como conselheiros políticos em várias áreas, de numerosos departamentos públicos, permitindo manter ofensiva permanente contra por exemplo a regulação do mercado de medicamentos, a política tributária, e em particular a regulação das fontes de gases de efeito estufa na área da energia.

Phillips traz de maneira detalhada, empresa por empresa, quanto cada uma investe no petróleo e no gás (apesar de proclamarem a sua adesão aos ESG e às energias limpas), no carvão, no tabaco, no álcool, na indústria do plástico, na produção de armas de fogo, na indústria das apostas, na privatização dos sistemas carcerários, inclusive de armamento pesado militar. E em cada setor buscam a maximização de vendas e de retorno a curto prazo.

Igualmente importante é o fato da apresentação dos dados, empresa por empresa, diretor por diretor, setor por setor de atividade, ser extremamente bem organizada, permitindo uma visão de conjunto sobre como o sistema funciona, o grau de poder que alcançou, o ritmo de avanço que continua, e tipo de impacto que gera, por exemplo ao apoiar combustíveis fósseis ou o tabaco. Dois capítulos complementares, sobre a China e sobre a Rússia, fecham este pequeno volume, que nos traz uma claridade impressionante sobre como funciona o topo da pirâmide, o poder realmente existente.

Simplesmente organizando a informação mais significativa sobre as maiores corporações do mundo, o autor deixa clara quem está no topo da pirâmide mundial de poder corporativo, e como usa este poder. Essas corporações por sua vez controlam indiretamente, por participação acionária, os gigantes da comunicação (GAFAM – Google, Apple, Facebook, Amazon, Microsoft) e evidentemente os banco menores, seguradoras, grandes empresas de seguro de saúde, o Big Pharma e assim por diante. Os algoritmos movem o dinheiro segundo os interesses da maximização no curto prazo.

A fratura entre a maximização dos interesses corporativos, este universo que curiosamente chamamos de “os mercados”, e os interesses da sociedade, em termos de progresso econômico, social e ambiental fica claramente exposta. É o poder de cima para baixo que fica claro, poder que permite que o dinheiro flua de baixo para cima. Simplesmente pela desproporção entre o dinheiro que colocam nas inúmeras empresas, o dinheiro que extraem, explica-se que neste universo de tanto progresso tecnológico tenhamos tantos desastres sociais e ambientais.

Deixem-me lembrar que a pesquisa de Eduardo Magalhães Rodrigues, no pós-doutorado que fez comigo na PUC-SP, na Pós-Graduação em Economia Política, apresenta um primeiro desenho semelhante em como as corporações, através de tomadas cruzadas de participação acionária e de diretorias cruzadas, constituem igualmente um universo extremamente centralizado, com papel particularmente central da Eletrobrás. Não à toa batalharam a sua privatização. Mas fica também claro o funcionamento do universo oligopolizado das finanças e, surpreendentemente, dos planos de saúde, hoje em dia uma grande indústria da doença.


Notas

[1] Peres, João – No Brasil, maior gestora de fundos do planeta tem investimento três vezes mais poluidor que na Europa e nos EUA. – O Joio e o Trigo, 18 de maio de 2024

domingo, 26 de julho de 2020

Elon Musk, da multinacional Tesla, expõe a relação dos financistas e das corporações com a geopolítica intervencionista dos EUA


Elon Musk negocia com grupo israelense de inteligência artificial Cortica

247. - Neste sábado (25/07/2020) tomamos conhecimento que o empresário americano, Elon Musk, 7°pessoa mais rica do mundo pela lista da Bloomberg, dono da Tesla, a companhia dos carros elétricos assumiu sua participação direta no golpe político na Bolívia. (saiba mais aqui).
Musk que é controlador de uma holding com outras empresas além da Tesla, como uma companhia de painéis solares, sempre recebeu polpudos subsídios e incentivos fiscais do governo americano, afirmou ainda que não adianta reclamarem que ele continuará a agir desta forma e sob seus interesses.
Pois bem. Assim temos aí a plutocracia assumida.
É oportuno lembrar que a Bolívia tem grandes reservas de lítio, metal fundamental para as baterias que são usadas nos carros elétricos, exatamente, o negócio de Musk, que ainda faz o discurso ambientalista modernoso.
E ainda há quem chame as interpretações sobre os movimentos e interesses de agentes dos setores corporativos e financeiros, como teoria da conspiração.
Mais claro impossível.
Temos aí a América Latina com suas veias abertas (Eduardo Galeano) e como quintal dos interesses das corporações e geopolítica do Norte.
Ainda sobre o Elon Musk da Tesla, a professora, pesquisadora e escritora, Mariana Mazzucato, autora do excelente livro "O Estado empreendedor" postou mais cedo em seu twitter outra crítica ao dono da Tesla sobre suas posições contra apoio governamental às vítimas da crise criada com a Pandemia nos EUA: 
"Musk julga que o governo dos EUA não deve socorrer as pessoas na pior crise econômica desde a Grande Recessão, mas não vê problemas em recolher subsídios governamentais e incentivos fiscais para o seu bolso". 
Mazzucatto traz ainda um link (aqui) de uma matéria do Los Angeles Times, em 30 de maio de 2015: "O crescente império de Elon Musk é alimentado por US$ 4,9 bilhões em subsídios do governo". 
Aliás, o tema estimula a leitura do livro da Mazzucato, O Estado empreendedor. A publicação apresenta uma farta pesquisa empírica e bela análise sobre papel do Estado no fomento às grandes corporações que coloca por terra o discurso neoliberal do sujeito-empreendedor liberal que advoga o "Estado mínimo" para os outros e máximo para si.

Voltando ao tema da exploração dos minerais raros, sugiro a quem se interessar em aprofundar o conhecimento sobre a exploração e o potencial dos minerais e terras raras na América Latina e na África, conhecer a pesquisa da professora Mônica Bruckmann, da UFRJ, cujo trabalho conheci e debati junto com o professor Theotônio dos Santos, de quem a peruana professora Mônica é viúva.

A pesquisadora Mônica Bruckmann tem farto material, mapas, gráficos e tabelas sobre a geoeconomia dos recursos naturais e sobre o potencial destes minerais e sobre a guerra do império pelo controle da destes recursos naturais e sobre o que ela já chamava da "geopolítica do lítio no século XXI".

Nos sites de buscas é possível localizar vários textos e vídeos com aulas e palestra sobre o tema que se relaciona diretamente com a notícia da participação do Musk nos movimentos do golpe político na Bolívia em 2019. Um destes vídeos no YouTube e pode ser visto aqui. Se trata de uma conferência em março de 2018, na UFSC, Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA), sobre o tema "Imperialismo e Recursos Naturais na América Latina".
Enfim, um caso real sobre relação dos financistas e das corporações com a geopolítica dos EUA, a plutocracia (governo dos ricos e para os ricos) e imperialismo.
Participe da campanha de assinaturas solidárias do Brasil 247. Saiba mais.

No caso Elon Musk, da Cia. Tesla, a plutocracia do Império americano e suas elites o exibem golpismo próprio da extrema-direita sem pudor, por Paulo Moreira Leite


  "Ao assumir seu papel na queda de Evo Morales, executivo da Tesla confirma a responsabilidade de empresas multinacionais nas derrotas da democracia", escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia

Elon Musk, da Tesla




Elon Musk, da Tesla

Num sinal de enfraquecimento da democracia, nesta segunda década do século XXI patrocinadores de golpes de Estado já não pedem desculpas. Exibem seu feito sem remorso – forma de deixar clara a disposição de fazer tudo outra vez. 
Foi assim que, ao ler no twitter uma crítica a atuação de sua empresa na queda do governo Evo Morales, na Bolívia, o bilionário Elon Musk, executivo da Tesla, um dos gigantes de tecnologia do planeta, reagiu em tom de ameaça. Afirmou que é capaz de "dar golpe em quem quiser".
Para deixar claro que não vê motivo para mudar de atitude, ainda acrescentou:  "Lidem com isso", numa com arrogância típica de quem está pouco ligando para possíveis consequências – políticas e diplomáticas – de uma confissão com tamanha gravidade.
Ninguém irá negar a presença de interesses imperiais  em golpes de Estado ocorridos na América do Sul, inclusive em países de maior peso geopolítico – como  no Brasil de João Goulart e Dilma Rousseff, na Argentina peronista, no Chile de Salvador Allende, para ficar em casos clássicos.
Na Bolívia, onde um golpe militar derrubou o Juan José Torres e fechou a Assembléia Popular, em 1971, o governo foi assumido por Hugo Banzer, oficial de ideias fascistas e declarado respaldo norte-americano, atraído por outra riqueza mineral do país – as reservas de estanho.
Mesmo alimentado por uma grande hipocrisia, o respeito à autonomia dos povos, que está na base da diplomacia e do convívio civilizado entre os povos, impedia manifestações de tamanho descaramento. Não mais – mostra Elon Musk.
Matéria prima das baterias de automóveis e também de aparelhos celulares, as reservas de lítio boliviano, entre as maiores do mundo, estavam na base do projeto econômico do governo Evo Morales, derrubado quando sua reeleição representava a continuidade de um programa de desenvolvimento autônomo, capaz de beneficiar uma população historicamente excluída.
Nomeada presidente após o golpe, candidata numa eleição presidencial já adiada duas vezes, a senadora Jeanine Añez formou uma chapa onde o candidato a vice Samuel Doria Medina, faz campanha como testa-de-ferro da Tesla e propõe abrir o país para a empresa de Elon Musk explorar diretamente as reservas de lítio.
A Bolívia de hoje até parece uma fábula colonial da qual todos conhecem o desfecho mas a história pode produzir novas surpresas.
Em eleição marcada para 18 de outubro, o economista Luiz Arce, candidato do MAS, partido de Evo Morales, aparece como favorito absoluto. Apesar da tradição golpista e da eterna arrogância imperial, nesta conjuntura precisa a vontade da Casa Branca não é garantia absoluta.
Personagem indispensável para intervenções desse vulto,  na segunda quinzena de outubro Donald Trump estará ocupado demais com a própria sobrevivência diante de Joe Biden, quem sabe impedido de prestar o auxílio que Elon Musk e sua turma gostariam.
Alguma dúvida?

sábado, 2 de maio de 2020

Sanidade? Bolsonaro ataca novamente! STF e TV Globo! Guedes manda: militares obedecem! Pobre Brasil! Por José Fernandes


A última entrevista boçal de Bolsonaro frente ao cercadinho do gado em Brasília é um show de horrores. Como nos manter sem nos brutalizarmos diante de udo o que assistimos? Bolsonaro diz aberrações, mente, distorce, mas encanta sua matilha e sua caterva! Esbraveja contra a Globo mas mantém com total poder àquele que ditas as normas mais importantes: as da economia. Manter a sanidade é tarefa de sobrevivência. Obrigado aos que compartilham seus momentos e atenção conosco!



quinta-feira, 30 de abril de 2020

A disputa pelo futuro, entre o bem-estar de todos e da natureza e o mundo positivo apenas para a plutocracia dos mais ricos é hoje. Entrevista especial com Alexandre Araújo Costa


Preservar o meio ambiente para manter o bem-estar | RioMar Recife

Trazer à tona a inter-relação entre as crises sanitária e climática é fundamental para que possamos não voltar à antiga “normalidade”

Do Instituto Humanitas Unisinos:



Por: Ricardo Machado | Edição: Patricia Fachin e João Vitor Santos | 30 Abril 2020
Uma das principais diferenças entre as crises climática e sanitária é a escala de tempo, mais curta nesta última e, apesar de mais longa, de impactos absolutamente nocivos e mais profundos na primeira. Ambas, contudo, estão interligadas. “A pandemia atual, assim como outros surtos virais recentes, está intrinsecamente ligada à crise ecológica, à degradação ambiental, à destruição de florestas e ao consumo de carne (e tudo isso, óbvio, se relaciona ao aquecimento global)”, avalia o professor doutor e pesquisador Alexandre Araújo Costa, em entrevista por telefone à IHU On-Line.
O pior cenário, no entanto, seria aquele em que houvesse, ao mesmo tempo, o cruzamento das crises. “Nesse caso, precisamos estar preparados para catástrofes bem piores, porque imagine que seremos obrigados a enviar sinais completamente contraditórios. No caso de um furacão ou evento extremo parecido, a recomendação vai ser ‘evacuem suas casas’ e no caso de uma crise similar à da pandemia de SARS-CoV-2, a orientação vai ser ‘fiquem em casa’. Como lidar com uma situação como essa quando, para salvar a vida das pessoas de um extremo climático, aglomerações são inevitáveis e, ao mesmo tempo, vão ser justamente as medidas que favoreceriam o contágio por um vírus, eventualmente tão ou mais letal do que o SARS-CoV-2”, questiona o entrevistado.
Estar atentos a estes sinais é fundamental para que possamos, a tempo de salvar vidas, desarmar as armadilhas criadas por nós mesmos. Além disso, para que haja possibilidade de um futuro em uma terra habitável, é necessário não voltar à antiga “normalidade”. A questão que se impõe é “se, de fato, aprendemos minimamente as lições, achatamos esse conjunto de curvas exponenciais e voltamos a ser seres que cabem na biosfera à qual pertencemos ou se vamos seguir nessa rota suicida e genocida”, provoca Costa. “É isso, justamente, que está em jogo. As analogias que fizemos entre pandemia e crise climática precisam ser levadas a sério. A disputa pelo futuro é hoje”, conclui.
Alexandre Araújo Costa (Foto: Reprodução Youtube)
Alexandre Araújo Costa é professor da Universidade Estadual do Ceará. Formado em Física, Ph.D. em Ciências Atmosféricas pela Universidade do Estado do Colorado, com pós-doutorado na Universidade de Yale. Foi um dos autores principais do primeiro relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Militante ecossocialista e ativista climático, edita o blog “O Que Você Faria se Soubesse o Que Eu Sei”, assim como o canal no YouTube de mesmo nome. É um dos coordenadores do fórum de articulação Ceará no Clima.

Confira a entrevista.


IHU On-Line – Que relações podemos estabelecer entre o aquecimento global e o surgimento de pandemias como da covid-19? É possível estabelecer conexões?
Alexandre Araújo Costa – Embora sejam duas crises distintas, elas guardam diversos pontos de contato. A pandemia atual, assim como outros surtos virais recentes, está intrinsecamente ligada à crise ecológica, à degradação ambiental, à destruição de florestas e ao consumo de carne (e tudo isso, óbvio, se relaciona ao aquecimento global). Ao mesmo tempo, não teria sido possível a rápida disseminação do vírus sem a hipermobilidade, que permite que quaisquer duas cidades grandes do mundo hoje estejam conectadas em no máximo 48 horas (e é justamente o uso intensivo de energias fósseis que sustenta essa hipermobilidade). A crise climática segue se agravando justamente em função de um modo de vida intensivo em carbono, desde a demanda de energia para produção de bens de consumo, passando pelo transporte, até chegar num sistema de produção alimentar altamente predatório, com desmatamento para expansão da fronteira agrícola e consumo de carne em uma quantidade cada vez mais insustentável. Então as causas, embora não sejam exatamente as mesmas, guardam ligação entre si.
As duas crises são também semelhantes em vários aspectos. Em ambos os casos, trata-se de uma emergência, e o entendimento da gravidade do problema e o tempo de ação fazem toda a diferença. Em vários países, a recusa e/ou a demora em agir na pandemia levaram ao colapso do sistema de saúde e à multiplicação das mortes. No que diz respeito ao clima, a recusa e a demora em agir estão cada vez mais nos levando a uma condição de desestabilização irreversível do sistema climático. Em ambos os casos é preciso "achatar a curva", seja o gráfico de contágio do coronavírus, seja a concentração de CO2 atmosférico. As principais diferenças estão na escala de tempo (que é obviamente mais longa no caso da crise climática) e na escala dos impactos (que, no caso do clima, têm tudo para fazer a pandemia parecer um problema menor e de fácil resolução).
IHU On-Line – Como os cuidados com a covid-19, com quarentena forçada em várias partes do mundo, podem impactar o clima global?
Alexandre Araújo Costa – É verdade que a quarentena interrompeu ou reduziu diversas atividades que, além de produzirem poluentes de vida curta, como óxidos de nitrogênio ou material particulado, também implicam emissões de CO2 ou outros gases de efeito estufa. Mas é preciso reconhecer que, no que diz respeito a poluentes de vida longa, cujo efeito é cumulativo, como é o caso do CO2, a quarentena apenas arranha a superfície do problema. A analogia que gosto de fazer é com um muro: imagine que cada tijolo represente um bilhão de toneladas de CO2. Se imaginarmos que acumulamos de emissão, desde o início do período industrial, 2,4 trilhões de CO2 ou que construímos um muro com 2.400 tijolos, o que acontece na pandemia é que ao invés de colocarmos os 43 tijolos que temos colocado todo ano, colocaremos somente 40 e, portanto, não só o muro continua lá, como não diminui. Ele apenas cresce mais devagar do que vinha crescendo; não podemos ter ilusão quanto a isso.
O que é fundamental entender é que a queda projetada este ano de 6 a 7% nas emissões de CO2 é justamente aquilo que precisamos fazer ano após ano para resolver a questão do aquecimento global, ou seja, manter uma trajetória compatível com limitar o aquecimento global a 1,5 grau. Nesse caso, portanto, assim como o problema é cumulativo de longas datas, a solução também vai ser cumulativa e não vai emergir de algo episódico como a pandemia. Precisamos ter políticas para garantir que ano após ano cortemos de 6 a 7% as emissões globais para chegarmos com essas emissões reduzidas à metade em 2030 e mantermos o ritmo a fim de descarbonizarmos completamente a economia global em meados do século. Fora isso não tem salvação, e não dá para terceirizar o que cabe à nossa sociedade, de maneira organizada e consciente, para um vírus.
IHU On-Line – Qual a possibilidade de termos uma desaceleração no aquecimento global em 2020, devido à diminuição de circulação de pessoas nas ruas, especialmente em países como a China e, até mesmo, o Brasil?
Alexandre Araújo Costa – Exatamente porque as emissões são cumulativas e o CO2 permanece lá, a redução delas em 2020 não vai trazer efeito apreciável sobre o aquecimento global. Nós vamos chegar ao final do ano com uma média, provavelmente, de 414 partes por milhão de CO2 na atmosfera em contraste com a previsão inicial do UK Met Office, que era de 414,2, e projeções como a feita pelo doutor Gavin Schmidt, do NASA Goddard Institute for Space Studies, segundo as quais, 2020 pode até mesmo quebrar recorde de temperatura. Então, a desaceleração é necessária, mas é apenas um início que precisa ser feito de maneira consistente e articulada com a transformação radical do sistema energético em escala global e do sistema de produção de alimentos também em escala global. Fora isso não teremos, de fato, impacto climático significativo, mesmo que a pandemia se estenda até o final de 2020 ou além.
IHU On-Line – O discurso da necessidade de retomada do crescimento é muito forte por parte de governos e de empresários dos grandes setores comerciais. Quais as consequências para o planeta de uma retomada muito intensa de atividades econômicas que são agressivas ao planeta?
Alexandre Araújo Costa – É evidente que o sonho dos executivos das corporações capitalistas e dos políticos e economistas que lhes dão suporte é a retomada da “normalidade”. Mas essa “normalidade” é tudo aquilo a que não podemos voltar. Primeiro, porque o pouco benefício ambiental que podemos de fato falar que se obteve a partir da redução das atividades econômicas na pandemia, que é a redução na concentração de poluentes de vida curta, como óxido de nitrogênio e material particulado, especialmente nos grandes centros urbanos, vai para o brejo.
Basicamente o que acontece é que uma vez retomadas as atividades de produção industrial a todo vapor, a circulação de automóveis e outros veículos nos centros urbanos, os níveis de poluição vão retornar e teremos de volta a mesma situação que perdurava antes em locais como Nova DeliBeijing e outras cidades da China, e nos centros urbanos do nosso país, como São Paulo. Além disso, essa retomada nos tira da rota de redução das emissões de CO2 em que, por este evento fortuito, nós entramos. Nesse sentido, a lógica de retorno à “normalidade” é tudo aquilo que não podemos querer. Deveríamos estar, justamente, nesse contexto de pandemia, impulsionando as bandeiras de uma retomada de outra economia, em que a garantia da vida, do emprego e respeito ao ambiente fossem os parâmetros fundamentais e em que houvesse um giro radical no que produzimos e como produzimos.
IHU On-Line – Dentre as muitas consequências do aquecimento global, o derretimento das calotas polares é uma delas. Há o risco de os seres humanos entrarem em contato com vírus da era glacial aos quais nossa espécie não está imune? Do ponto de vista geológico, o que pode acontecer?
Alexandre Araújo Costa – O eventual despertar de bactérias e vírus adormecidos há milhares de anos por conta do derretimento de geleiras e do permafrost é apenas uma das facetas através da qual nós conectamos a possibilidade de aquecimento global com o risco de novas pandemias. Há outros fatores aí em jogo: um deles é o fato de que o aquecimento global impulsiona a migração de espécies. Por que isso é grave? Porque hoje espécies que não tinham contato no passado, passam a ter, por conta dessa migração. Aí os vírus podem saltar de uma espécie para outra, algo que não era possível na condição anterior. O que isso significa? Que podemos passar a ter um fluxo viral entre espécies cada vez maior e, eventualmente, isso abre e aumenta a possibilidade de transmissão para a própria espécie humana. Esse é um aspecto. O outro, como sabemos, é a mudança ou expansão da área de atuação de vetores de doenças infecciosas, como o caso do Aedes aegypti e da dengue, que cada vez mais penetram em latitudes médias.
Outro aspecto ainda é o risco de cruzamento das duas crises. Nesse caso, precisamos estar preparados para catástrofes bem piores, porque imagine que seremos obrigados a enviar sinais completamente contraditórios diante de uma crise ao mesmo tempo sanitária e climática. No caso de um furacão ou evento extremo parecido, a recomendação vai ser ‘evacuem suas casas’ e no caso de uma crise similar à da pandemia de SARS-CoV-2, a orientação vai ser ‘fiquem em casa’. Como lidar com uma situação como essa quando, para salvar a vida das pessoas de um extremo climático, aglomerações são inevitáveis e, ao mesmo tempo, vão ser justamente as medidas que favoreceriam o contágio por um vírus, eventualmente tão ou mais letal do que o SARS-CoV-2?
É esse tipo de pergunta que fica em aberto quando a sociedade se recusa a enfrentar, de fato, com a devida profundidade, os dois tipos de crises que vão ameaçar a nossa própria existência enquanto civilização ao longo do século XXI.
IHU On-Line – O senhor costuma dizer, em suas entrevistas e conferências, que não há “Plano B” em relação ao clima do planeta? Por quê?
Alexandre Araújo Costa – Não há Plano B porque é impossível negociar com as leis físicas que regem o clima planetário. Não podemos chegar na natureza e pedir um desconto na “constante de Stephan-Boltzmann” ou implorar para que as moléculas de CO2 absorvam menos radiação infravermelha do que o fazem. Exatamente por isso, nós precisamos seguir a única rota compatível com aquilo que as leis da Física nos impõem, que é a de que justamente não há como resolver a crise climática sem primeiro reduzir as emissões de gases de efeito estufa e, depois, iniciar uma longa batalha – por conta das futuras gerações – de remoção do excedente de dióxido de carbono da atmosfera.
Isso implica, portanto, que a nossa tarefa imediata seja a do plano “A”, que é o único: reduzir drasticamente essas emissões. A fim de que, pegando o embalo, as gerações futuras possam herdar o planeta com outro sistema energético, muito menos intensivo em carbono e muito mais reduzido, enxuto e destinado apenas para demandas de fato essenciais, para que se possa seguir num rumo de avanço da agroecologia, da recuperação de biomas, de reflorestamento com ou sem ajuda de soluções tecnológicas para a remoção de carbono. Fora disso, não dá para esperar uma solução mágica.
De novo, existe uma analogia com a pandemia. Como não há vacina disponível, medicamento disponível no momento, o que podemos fazer? A única maneira, de fato, é garantir o isolamento social até achatar a curva. Como não há solução mágica, não existe “cloroclima”, nós não podemos simplesmente seguir como seguíamos antes com relação às emissões de gases de efeito estufa. É preciso achatar a curva, ou as curvas, sejam elas as da concentração de CO2 ou de aumento de temperatura global. Isso para assegurar que as gerações futuras não arquem com todo o ônus da sobrecarga sobre o sistema climático.
IHU On-Line – Que lição a covid-19 pode nos ensinar? Em suma, qual a importância de não voltarmos às formas de exploração ambiental e humana antes da covid-19?
Alexandre Araújo Costa – A pandemia deixa diversas lições que deveriam ser de fato apreendidas pela nossa sociedade. Uma delas é o fato de que boa parte da produção e circulação de mercadorias e boa parte da demanda de energia associada a elas é absolutamente predatória, perdulária e supérflua, podendo ser naturalmente dispensada. Mostra, também, que a hipermobilidade humana é um risco imenso e que é um desastre a conjunção de degradação ambiental, desmatamento (que nos expõe ao contato com os vírus abrigados em outras espécies) e – não no caso da covid-19, mas de outras pandemias como as de H1N1H5N1H7N9 etc. – o boom de pandemias ligadas à indústria da carne. Essa é a primeira lição, precisamos pensar que atividades econômicas de fato precisam subsistir e que atividades econômicas precisam desaparecer para garantir a segurança à humanidade.
Outra lição evidente é que boa parte dos combustíveis fósseis efetivamente pode ficar no subsolo. A crise do petróleo com preços negativos, com navios petroleiros estacionados ao redor do mundo e estruturas de armazenamento de petróleo em terra saturadas demonstra o quanto esse combustível poderia ter permanecido justamente no chão. Nós temos que seguir o que a ciência revela: 88% do carbono fóssil precisa permanecer exatamente onde está se quisermos preservar o estoque de carbono para que não ultrapassemos o aquecimento de um grau e meio.
Outro ponto é que a pandemia nos trouxe evidências de que é possível haver políticas públicas que incidam diretamente nas condições de subsistência e sustento das famílias de trabalhadores e trabalhadoras que ficaram sem emprego. Surgiu quase um consenso, com exceção dos “pensadores” ultraliberais, de que a renda universal mínima – no caso, emergencial – é uma necessidade e uma possibilidade real. E por que não usar desse expediente para garantir a dignidade, o sustento de famílias de trabalhadores e trabalhadoras num processo de transição, para não desaparecer a possibilidade de futuro? Falamos, claro, de mineiros, de petroleiros, de trabalhadores de frigoríficos. Por que não garantir que essas famílias tenham a sua dignidade assegurada enquanto nós convertemos a indústria suja dos combustíveis fósseis em indústrias de energia limpa, enquanto os petroleiros são retreinados para deixar de lidar com venenos fósseis e passem a produzir e instalar painéis solares, para que os trabalhadores que lidam com a carnificina de 70 bilhões de animais todos os anos para dar vazão à nossa fome enlouquecida de carne possam aprender outras atividades como, por exemplo, agroecologia, agricultura urbana e periurbana, garantindo a produção e circulação de alimentos saudáveis e sustentáveis? Há várias lições nesse sentido.
Outra questão que nós precisamos imediatamente abordar é a reconversão e adaptação das estruturas industriais para produzir bens que não sejam bens supérfluosIndústria de armas, por exemplo. Não vamos querer essa produção de armas. Então, vamos ter que falar que essas indústrias terão que reconverter suas estruturas para produzir outras coisas. Ao invés de produzirem revólveres, que produzam camas, leitos de UTI. Ao invés de produzirem morte, salvem vidas. Ao invés de indústrias que produzam uma multiplicidade de aparelhos eletrônicos supérfluos, sempre sujeitos à obsolescência programada e ao descarte rápido, que estejam voltadas para a produção de equipamentos como respiradores, monitores de sinais vitais e outros tantos bens essenciais, além de equipamentos duráveis. Que nós possamos falar de indústrias como a automobilística, que ao invés de continuar colocando carcaças de uma tonelada de aço nas ruas para transportar uma ou duas pessoas, possam estar voltadas à produção de bens que de fato sejam necessários, incluindo transporte público eletrificado.
Que possamos falar muito diretamente que a maioria do trabalho realizado hoje na sociedade é perdulário e dispensável! Além de emitir muito menos, podemos ainda trabalhar muito menos. Por que não falar de jornadas de trabalho bem mais curtas, até por conta da produtividade do trabalho que nós temos hoje? Por que não falar de jornadas de trabalho semanais de 20 horas, fim de semana de três dias, dois períodos de férias de 45 dias no ano? Isso é perfeitamente viável, mantendo, ao mesmo tempo, todo mundo empregado e produzindo de fato os bens necessários à nossa sociedade. É fundamental que, portanto, para desarmar as bombas-relógio de novas pandemias e da crise climática e ambiental, nós não voltemos à normalidade de antes. Isso é tudo que não pode acontecer e essa disputa precisa ser travada desde já.
IHU On-Line – Há mundo por vir? Que mundo?
Alexandre Araújo Costa – Todo crescimento exponencial produz crise, instabilidade e ruptura. É por isso que o contágio em progressão geométrica dentro da pandemia nos trouxe esse quadro tão alarmante. Isso vale para todas as outras crises de crescimento exponencial que estão sendo impulsionadas pela sede expansionista do modo de produção do sistema econômico vigente, seja o aumento acelerado da concentração dos gases de efeito estufa, seja a curva de extinção de espécies, sejam os demais processos de degradação ambiental.
Dito isto, há, sim, um mundo por vir, cujas características estão em aberto. Certamente será um mundo com uma biosfera mais empobrecida em relação àquela que tivemos acesso durante todo o Holoceno, será um mundo com temperaturas mais altas – o quanto ainda é uma questão em aberto –, será um mundo em que nós teremos menos bens naturais à nossa disposição.
O que está muito mais em aberto, no entanto, além desses aspectos objetivos, será a nossa maneira de existir neste mundo. Se, de fato, aprendemos minimamente as lições e achatamos esse conjunto de curvas exponenciais e voltamos a ser seres que cabem na biosfera à qual pertencemos ou se vamos seguir nessa rota suicida e genocida, dado que a desigualdade de nossa sociedade impõe que os impactos de qualquer pandemia sejam sempre desiguais. É isso, justamente, que está em jogo. As analogias que fizemos entre pandemia e crise climática precisam ser levadas a sério. A disputa pelo futuro é hoje.

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