Repito o que venho dizendo: na análise da política brasileira, o ponto central são os negócios da privatização. É o fio condutor, a explicação universal para as idas e vidas do mainstream, para a fogueira da inquisição e para supostas soluções civilizatórios.
Explico: quando se insurge contra um ou outro arroubo de Bolsonaro e clama por direitos e democracia, o mainstream está de olho nos negócios da privatização. Não são os mais de 200 mil mortos, o desmonte das políticas públicas, a inviabilização do futuro do país. São formas utilitárias de pressão para que Bolsonaro não disperse e foque suas energia nos negócios da privatização.
A maior sabedoria de Bolsonaro não é o modo como fala para a classe média desinformada que se deixa enrolar. É o aprendizado prático – e, convenhamos, não muito complexo – de saber que o mainstream se vende e aprender como se compra. Simples assim.
Nos seus tempos de capitão raso e deputado do baixo clero, Bolsonaro acumulou ódio a tudo o que representasse o mainstream por não ser aceito no baile. E não era aceito apenas por sua notória ignorância, pelas ideias selvagens, mas por não ter dinheiro para o ingresso.
Agora tem. E, louve-se sua coerência: mantém a mesma atitude dos tempos em que não conseguia entrar no baile: ele compra e continua desprezando o mainstream. Assim que assina a nova promissória, se sente à vontade para repetir todas as barbáries, faz questão de, publicamente, mijar simbolicamente nos pés do mainstream, porque sabe que o mainstream brasileiro é hipócrita. Tipo: comprei, paguei e posso fazer o que quiser. E o mainstream baixa a cabeça, invoca os sagrados princípios democráticos, a importância do voto e diz em tom grave: não é hora de falar em impeachment.
Aliás, pode-se discutir o lugar brasileiro no ranking da percepção de corrupção, do combate à pandemia. Mas há um primeiro lugar imbatível: o de país mais hipócrita do planeta.
O jogo fica assim, então.
Bolsonaro emperra nas tais reformas. Invoca-se, então, o genocídio para pressioná-lo. Aí ele elege o novo Eduardo Cunha presidente da Câmara e promete incluir os negócios da privatização nas prioridades do governo. FHC vai a público dizer que não é hora de falar em impeachment, que o uso continuado do impeachment pode comprometer a democracia. A mídia refreia os ataques. E os 200 mil (até agora) ficam na conta, para serem invocados novamente se Bolsonaro atrasar a entrega.
Paralelamente, as conversas dos procuradores e do juiz da Lava Jato revelam uma promiscuidade ostensiva como um vômito no meio de um restaurante dos Jardins. Não tem como Luis Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin, Carmen Lúcia, Luiz Fux ignorar a manipulação da Lava Jato. Os diálogos revelam, da maneira mais didática possível, como as denúncias foram preparadas, como criaram-se narrativas e pressionaram delatores a apresentar delações, não provas, documentos.
A propósito, a Operação Castelo de Areias – que pegava empreiteiras, mas sem desdobramentos políticos – foi anulada porque levantou-se a tese de que seu início veio de uma denúncia anônima.
Tenta-se criar, então, uma versão iluminista para continuar mantendo a democracia meia-boca. Pode-se anular o julgamento do Triplex, mas Lula continuará inelegível por conta do sitio de Atibaia, porque a sentença foi dada por outro magistrado, a juíza Gabriela Hardt. Ah, mas ela sentenciou com base em um processo inteiramente conduzido por Moro, inclusive copiando integralmente parágrafos inteiros de sentenças dele para o caso do triplex. Tem algum diálogo sobre isso na Vaza Jato? Não, porque a Vaza Jato é anterior. Então toca o enterro.
Repito: consolidada a nova jogada, a herança moral legada por esses magistrados acompanhará todos seus descendentes por gerações, com o peso de uma maldição. Ficarão ruborizados lendo, nos jornais da época, que o iluminado Ministro Luís Roberto Barroso dizia que o mal do Brasil era a malandragem do andar de baixo. E seus colegas concordavam.
PS – Enquanto Manaus arde, a nova cepa se espalha pelo país e as instituições fecham acordos indecorosos, e Bolsonaro prossegue com seu genocídio, Lula vai para Cuba. E, na volta, lança candidato à presidência. Até Lula perdeu a sensibilidade para a grande tragédia nacional
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O golpe das privatizações e o fim do neoliberalismo
por Andre Motta Araujo
Um dos maiores “fake news” do pensamento econômico do Século XX, nascido nos anos 70, foi uma falsa repaginação dos conceitos de Adam Smith vendido ao mundo como “neoliberalismo”. Nascido na Inglaterra, poucos países compraram esse conceito, grandes economias emergentes do pós guerra, como Índia e China, não tomaram conhecimento, EUA não precisaram aculturar esse conceito porque lá o capitalismo era genético, era assim desde sempre, o capital construíra o País mas partes importantes da economia ficaram a cargo do Estado e assim continuaram até hoje, o País não foi afetado pelo “neoliberalismo” inglês, mantido nos cursos como receita para terceiros países, como os da América Latina especialmente.
Nos EUA, o Estado construiu um vasto sistema de apoio aos pequenos e médios negócios, a Small Business Administration, na realidade um banco de financiamento que até hoje já emprestou mais de um trilhão de dólares, um vasto sistema de hipotecas para moradias, a Fannie Mae e a Freddie Mae, assim como a Farm Loan, Veterans Loan e outras redes de financiamento de moradias, no crédito rural a União criou um imenso sistema de financiamento baseado na Commodity Credit Corporation, também o maior sistema de subsídios agrícolas do mundo, que permite até exportar etanol de milho, completamente antieconômico, para países que inventaram o mais racional etanol de cana de açúcar, como o Brasil.
Mas o que demonstra mais ainda o caráter prático e não ideológico da economia americana é o uso do Estado quando necessário, como no combate a Grande depressão de 1929, enfrentada pela Reconstruction Finance Corporation, que salvou 8.000 bancos e 200.000 empresas, recuperando uma economia que apresentou índices de desemprego de 20% em 1933. Também na crise de 2008 foi o Tesouro dos EUA quem salvou mega empresas como a seguradora AIG e a General Motors, além de super bancos como o Citigroup, com um plano de apoio criado em uma semana, de US$708 bilhões emprestados pelo programa TARP.
Os EUA nunca foram neoliberais porque sempre foram pragmáticos, uma economia do Estado e outra do mercado privado, uma apoiando a outra.
O chamado “neoliberalismo”, sub-seita do antigo pensamento liberal britânico foi propagado pela América Latina, seu maior laboratório de aplicação, especialmente México, Chile, Argentina e Brasil. Não prosperou na Ásia com sua cultura própria e muito menos na Europa continental com suas sólidas crenças no papel do Estado social.
Curiosamente o “neoliberalismo” como credo foi ensinado nas universidades americanas para ser aplicado fora dos EUA, quer dizer, na América Latina.
O FALSO CAMINHO DAS PRIVATIZAÇÕES
O capitalismo americano construiu a maior parte do sistema elétrico dos EUA, a base de usinas termoelétricas para cada região, tudo formado pelo capital privado DESDE O INÍCIO. Nada foi construído pelo Estado e depois vendido, como no Brasil já se fez e se pretende fazer mais. Mas há uma exceção importante. A energia hidroelétrica no vale do Rio Tennessee foi inteiramente desenvolvida pelo governo federal americano, a energia hidro supre 15% da matriz americana e nenhum Presidente pretendeu privatizar a TVA, autarquia dona das usinas porque entendem que ÁGUA E SEUS RESERVATÓRIOS E REPRESAS SÃO UM BEM PÚBLICO, não podem ser privatizados, bem como as usinas dela derivadas. Depois da TVA outros projetos hidros foram desenvolvidos no Rio Colorado, servindo para produção de energia e grande irrigação agrícola na Califórnia.
O neoliberalismo, portanto, NÃO SE APLICOU AOS EUA no sentido de diminuir o papel do Estado que sempre foi central na economia americana, ao contrário do que pregam aqui.
O CASO DO BRASIL
No Brasil, sempre o capital privado pode investir em energia elétrica, nunca foi proibido. Chegou-se nos anos 40 e 50 com uma situação crítica. A maioria das cidades do interior não tinha energia elétrica de qualidade, muitas funcionavam até às 10 da noite e depois se desligava, havia usinas hidro particulares por todo o Brasil. No interior do Estado de S.Paulo, a Companhia Paulista de Força e Luz, de capital americano (Grupo Bond & Share) atendia mal seu mercado, não investia. Havia outras empresas menores de capital nacional, como a Bragantina, que existiam por todo o Brasil, MAS O BRASIL NÃO SE DESENVOLVIA POR FALTA DE ENERGIA, tendo enormes rios que podiam ser represados, MAS NÃO HAVIA CAPITAL PRIVADO interessado em investir ou com recursos para investir. Veio então o ESTADO e construiu o maior parque hidroelétrico do planeta com recursos públicos.
Veja-se que é completamente diferente dos EUA onde o capital construiu a base de geração e distribuição em cada região, com exceção das usinas hidro federais, como a TVA.
Mais ainda, o ESTADO brasileiro montou um sistema único de transferência e transmissão pelo qual se pode passar energia de Norte a Sul e vice-versa, com imensos investimentos em linhas de transmissão, tudo com dinheiro público. Esse sistema não existe nos EUA, onde a energia é regionalizada. O ESTADO brasileiro construiu mais de cem reservatórios, alguns deles dos maiores do mundo. Os alucinados NEOLIBERAIS brasileiros querem então vender por uma fração do preço de custo esse imenso investimento público que hoje não se faria por menos de 500 bilhões de dólares. Portanto é uma história e um modelo COMPLETAMENTE DIFERENTE dos EUA. Mais ainda, no conceito americano NÃO SE VENDE NADA RELACIONADO À ÁGUA, nunca se cogitou de vender reservatórios de água que, além da energia, tem um valor estratégico para outros fins.
Dois dos três sistemas de bacias da antiga CESP já foram vendidos ao capital privado. Executivos americanos e chineses, hoje donos desses sistemas, em conversas privadas, estão satisfeitos com a compra, mas confessam que acham incrível que o Estado brasileiro venda represas imensas para o capital privado estrangeiro. Ouvi essa conversa reservada em um dos grupos que compraram pedaços da CESP, grupo para o qual trabalhei na cúpula por muitos anos, portanto sou insuspeito para dizer que até eles acharam estranho um País vender imensos reservatórios estratégicos que servem para muito mais coisa do que energia, água é um tesouro a ser resguardado por um País organizado.
Portanto, maior mega absurdo é pensar em vender a ELETROBRAS, uma das três maiores empresas de geração de energia do mundo, com 147 usinas e mais de 60.000 km de linhas de transmissão, espinha dorsal da economia de um País. Só gente doida e pensando em negócios exclusivamente poderia ter semelhante ousadia. Rússia e China, que também têm imensos parques hidroelétricos preservam o controle do Estado sobre esses sistemas estratégicos, nos EUA o que o Estado fez com o Estado fica, não se vende BEM PÚBLICO.
Mas o X da questão é que o capitalismo NÃO INVESTIU PARA CONSTRUIR ESSE SISTEMA ELÉTRICO e agora depois de pronto quer se beneficiar do patrimônio público construído com recursos do povo brasileiro. Os valores de venda cogitados são ridículos, não chegam a 1% do custo do sistema ELETROBRAS, não se coloca no ativo o valor da concessão.
O NEOLIBERALISMO À BRASILEIRA é de golpes para o “mercado” que quer comprar de graça o que custou muito caro, e os que defendem as privatizações são figuras com LAÇOS fortíssimos com esse “mercado” de golpes e jogadas, comprar barato, quase de graça o que outros fizeram com dinheiro público, essa é a tradução do NEOLIBERAL latino.
Está ai o Chile em frangalhos, com mega concentração de renda e um povo na miséria, uma sociedade desintegrada pelo NEOLIBERALISMO DE EXPORTAÇÃO das universidades americanas que lá não praticam o que ensinam. Por que não privatizam os sistemas de águas nos EUA, as rodovias pedagiadas, os transportes coletivos em cidades? Não há político americano algum, nem Trump, que tenha proposto um programa neoliberal nos EUA, lá o que é do Estado, e é muita coisa, continua sendo do Estado.
O ENTERRO DO NEOLIBERALISMO
O conceito de “neoliberalismo” na expressão de sua impulsionadora, a Primeira-Ministra Margaret Thatcher, era uma reação ao Estado de bem estar social na Inglaterra dos anos 70. Só serviu aos problemas fiscais específicos do Governo inglês, especialmente no campo de mineração de carvão e suas aposentadorias. Thatcher tentou desmontar o sistema de seguro saúde público e não conseguiu. Hoje a memória de Mrs.Thatcher foi demonizada na Inglaterra, virou pó, tais os danos que sua política causou ao Reino Unido. O seu “neoliberalismo” foi uma proposta demoníaca não seguida por nenhum outro Pais do continente europeu, na França, por exemplo, a EdF, grande companhia elétrica segue controlada pelo Governo francês, inclusive com investimentos no Brasil, há forte papel do Estado na maioria dos países da União Europeia e seus sólidos sistemas de saúde gratuitos.
O fim do ideal “neoliberal” deveria acender uma luz amarela no Brasil, NÃO É MAIS ÉPOCA DE PRIVATIZAÇÕES e sim do capital privado CONSTRUIR ATIVOS NOVOS, há espaço no Brasil para investimentos em muitos setores, mas é o Estado, através de suas estatais e BNDES quem garantiu o crescimento a taxas altíssimas entre 1950 e 1980, as estatais com suas compras de bens e serviços e o BNDES financiando a expansão das empresas, esse foi o modelo vitorioso e não a simples transferência de ativos nacionais a grupos especulativos, plano fracassado na Argentina que vendeu tudo, até o Jardim Zoológico de Buenos Aires e afundou em uma recessão interminável, o Chile cavou com a receita neoliberal uma mega crise social ainda não resolvida, o México perdeu o rumo de um Pais próspero e hoje vive rastejando frente ao seu vizinho do Norte.
O NEOLIBERALISMO foi uma doutrina diabólica que trouxe miséria e desemprego nos países onde seu receituário especulativo foi aplicado. O Brasil pré-neoliberal era mais justo, mais igualitário, mais próspero e mais forte do que o Brasil que surgiu da Era das Privatizações dos anos 90. Agora por causa do conceito neoliberal a PETROBRAS, uma das 20 maiores petroleiras do mundo, está sendo retalhada e vendida em pedaços até acabar, enquanto as demais estatais do petróleo, 12 das 20 maiores empresas de petróleo globais, estão crescendo e investindo em forte expansão, enquanto a PETROBRAS, a 2ª mais antiga, caminha velozmente para a extinção.
É toda uma cultura de jogadas financeiras, como vender pacotes de ações na Bolsa até perder o controle, fizeram com a BR Distribuidora, a PETROBRAS se desfez do controle sem cobrar o universal “prêmio de controle”, é negócio que deve ser feito com a ELETROBRAS, no espírito do “neoliberalismo do Leblon”, uma vida mantida com jogadas.
A TRAJETÓRIA ECONÔMICA DAS PRIVATIZAÇÕES
Nos leilões de ativos do povo brasileiro colocados à venda aparecem, NO CLIMA ECONÔMICO DE HOJE, especuladores, fundos abutres e empresas de 2ª linha. Os compradores imediatamente após a compra começam o processo de CORTE DE FOLHA, despedindo os funcionários mais antigos para colocar no lugar jovens mais baratos, VENDEM PEDAÇOS E PRÉDIOS, cortam serviços, COMEÇAM A IMPORTAR DE SUAS MATRIZES, todo um caminho que vai CONTRA O INTERESSE NACIONAL. Não compram mais um parafuso no Brasil. A Vale, logo que privatizada, fez mega encomenda de navios na China, os estaleiros nacionais hoje estão quebrados, mas já construíram muitos navios para a Vale estatal.
As “privatizações” são estimuladas pelos “mercados” porque são campos de jogadas de bolsa, IPOs, golpes, apostas cambiais, tudo o que o mercado gosta, MAS SÃO UM PERDA PARA O PAÍS A LONGO PRAZO. No meio século da VALE estatal nenhuma represa se rompeu, na VALE privatizada duas grandes estouraram provocando cerca de 400 mortes, resultado de CORTE DE CUSTOS para gerar mega bônus para a diretoria, esse o grande balanço da Era das Privatizações do primeiro ciclo neoliberal.
E não se cite o caso da TELEFONIA como exemplo. Nesse campo houve uma revolução tecnológica que mudou completamente o modelo de negócios, que aconteceria com ou sem privatização porque a telefonia celular é um campo competitivo por sua própria natureza, então é um caso específico que não serve de exemplo, como citam os “neoliberais”.
O Brasil hoje afunda em um projeto econômico falido, de negação de políticas públicas, repudiado na Europa, EUA e Ásia, um novo ciclo pós pandemia recomeça a construção de uma economia mundial mais equalitária para reparar os estragos da pandemia, com forte ação do Estado, a ideologia privatista não encontra mais espaço no globo.
A NOVA ONDA PÓS PANDEMIA
A economia do mundo PÓS PANDEMIA se volta para POLÍTICAS PÚBLICAS visando relançar a economia, o oposto do neoliberalismo dos anos 70. Esse é o caminho que resgatará a economia brasileira, hoje em profunda crise de emprego e renda. Será pela ação do Estado, como fará nos EUA no governo Biden e seu pacote de estímulos. É uma economia para o interesse nacional e não para os “mercados” concentradores de renda. O Brasil deve se adaptar a um novo ciclo mundial onde não há lugar para o carcomido neoliberalismo.
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Mais do que em nenhum outro momento, a conjuntura e a relevância da Caixa Econômica para o país comprovam que o caminho não é vender este patrimônio. Ao contrário!
Privatizações descabidas: precisamos continuar vigilantes ao que é do Brasil
por Sergio Takemoto
Passado o primeiro turno das eleições municipais, deputados e senadores começam a retornar para Brasília e devem pressionar o Congresso e o governo para o andamento de pautas que ficaram paradas nas últimas semanas. No radar do Legislativo e do Executivo estão não só a definição do orçamento da União para 2021 e as reformas fiscal e administrativa como também a privatização de empresas públicas centenárias e essenciais à população brasileira, como é o caso da Caixa Econômica Federal e dos Correios. O argumento de “fazer caixa” com a venda destes patrimônios públicos para “salvar a economia”, como sabemos, não se sustenta.
A marca de 105 milhões de poupanças digitais abertas pela Caixa é mais uma mostra do papel social da instituição e do esforço dos empregados do banco, responsável pelo pagamento do auxílio emergencial e de outros benefícios para mais de 100 milhões de pessoas — o que equivale à metade da população brasileira. O banco também está na linha de frente da concessão de crédito para diferentes perfis de empreendedores, duramente afetados pela crise econômica provocada pela pandemia da covid-19.
Mais do que em nenhum outro momento, a conjuntura e a relevância da Caixa Econômica para o país comprovam que o caminho não é vender este patrimônio. Ao contrário! É preciso fortalecer a estatal e melhorar ainda mais o suporte à população.
Lembremos do exemplo de 2008 e do papel decisivo dos bancos públicos brasileiros na superação daquela crise. Naquela ocasião, Caixa, Banco do Brasil e BNDES foram determinados a dar fluidez à concessão de crédito com juros diferenciados e sem entraves burocráticos.
Contudo, na contramão da lógica, o atual governo tem se mostrado irredutível em sua agenda privatista. Não toma como lição nem mesmo o apagão que deixou a população do Amapá no escuro. O estado ainda vive o dilema de rodízio de energia elétrica. Como a empresa privada não tem capacidade de resolver o problema, quem vem tentando corrigir os erros é a Eletrobras, que o governo também insiste em privatizar.
No caso da Caixa, a intenção é fatiá-la e privatizá-la por segmentos, até que a empresa deixe de ser um banco público rentável, competitivo e a serviço dos brasileiros. A Medida Provisória 995, assinada por Bolsonaro em agosto e prorrogada para ter validade até o próximo mês de dezembro, foi editada exatamente para isso: vender a Caixa Econômica Federal aos pedaços, de forma disfarçada.
Depois de insistir na venda da Caixa Seguradora e ter que recuar com a alegação de “atual conjuntura do mercado” e “muita volatividade”, a área econômica do governo, liderada pelo ministro Paulo Guedes, voltou a defender a privatização de partes da estatal. Desta vez, com a abertura de capital (o chamado IPO — Oferta Pública Inicial de ações, na sigla em inglês), “nos próximos seis meses”, do Banco Digital — estrutura criada para o pagamento do auxílio e do FGTS Emergencial.
A (futura) subsidiária sequer existe. Porém, a estratégia do governo é cristalina: criar e posteriormente vender este braço da Caixa para o enfraquecimento da estatal e a consequente privatização do banco público.
Prova disso são as mais recentes declarações do presidente do banco, Pedro Guimarães, publicadas pela imprensa. Ele confirmou que deve ser enviado ao Banco Central, “ainda este mês”, o pedido de autorizações necessárias para formalizar a criação desta subsidiária e abrir o capital (IPO) do Banco Digital da Caixa. A entrega deste braço da estatal ao mercado — inclusive às bolsas internacionais — começaria já no primeiro semestre de 2021.
Ora, se o próprio presidente do banco tenta “justificar” a venda da nova subsidiária “dado o tamanho e a relevância do Banco Digital”, as perguntas que não se calam são: Então, pra que vender o que ele mesmo reconhece que é um sucesso, uma “inovação total”? Pra que vender o que é lucrativo ao país, aos cofres públicos, aos brasileiros?
Contradições como esta deixam absolutamente evidente que o governo Bolsonaro atua por conveniência, de acordo com a direção do vento e conforme os interesses do capital financeiro nacional e internacional.
É importante lembrar que a Caixa Econômica ampliou o programa de inclusão bancária em 2012, com as contas “Caixa Aqui”, ratificando o papel público e relevante do banco para o Brasil. Não se pode permitir, portanto, que todo esse investimento seja entregue à iniciativa privada, como quer o governo e rejeitam os brasileiros.
Pesquisa realizada pela revista Exame, em parceria com o Ideia — instituto especializado em opinião pública — apontou que 49% dos entrevistados disseram ser contra a privatização da Caixa, enquanto 22% se declararam a favor, 19% ficaram neutros e 9% não souberam opinar. O levantamento, divulgado no último dia 10 de setembro, foi feito com 1.235 pessoas, por telefone, em todas as regiões do país, entre os dias 24 e 31 de agosto.
Em outra pesquisa, desta vez realizada pela revista Fórum entre os dias 14 e 17 de julho, 60,6% dos participantes se posicionaram contrários à privatização do banco público. A revista ouviu a opinião de mil brasileiros sobre a venda de estatais. A empresa que teve a maior rejeição social à privatização foi a Caixa Econômica Federal.
No Supremo Tribunal Federal (STF), tramitam três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) contra a venda da Caixa, da Petrobras e de outras estatais imprescindíveis à nação. Uma das ADIs foi ajuizada pela Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf). Outras duas também questionam a venda do banco público e a MP 995.
Um total de 412 emendas de deputados e senadores foram apresentadas à medida provisória; mais de uma dezena delas, sugeridas pela Fenae. Além disso, 286 parlamentares e entidades da sociedade civil assinam Manifesto da Federação contra a MP 995 e a privatização da Caixa.
Principal operadora e financiadora de políticas públicas sociais, a Caixa Econômica Federal também é geradora de emprego, renda e desenvolvimento. A estatal oferece as menores taxas para a compra da casa própria e facilita o acesso a benefícios diversos para os trabalhadores, taxas acessíveis às parcelas mais carentes da população e recursos para o Financiamento Estudantil (Fies), entre outros.
Além das agências, lotéricas e correspondentes bancários espalhados por todo o país, o banco é o único que chega aos locais mais remotos por meio de unidades-caminhão e agências-barco.
Cerca de 70% do crédito habitacional é feito pela Caixa Econômica e 90% dos financiamentos para pessoas de baixa renda estão na Caixa. Além de moradias populares — como as do programa Minha Casa Minha Vida — o banco público também investe na agricultura familiar e nas micro e pequenas empresas.
A crise tem mostrado — inclusive aos que defendem o Estado mínimo e as privatizações — a importância do setor público especialmente nesta pandemia, a exemplo da Caixa, dos outros bancos públicos e do Sistema Único de Saúde. Acreditamos que a sociedade continuará pressionando o governo e o Congresso a não entregarem, para a iniciativa privada, nem a Caixa nem o SUS nem qualquer outro patrimônio que é do Brasil, que é dos brasileiros.
Sergio Takemoto é presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae)
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Começa a ser desenhado o novo pacto, com Bolsonaro sendo convencido a se enquadrar, substituindo o estilo de ditador sem noção, pelas ferramentas básicas do populismo de direita
A ofensiva em andamento é nítida em dois locais – no governo Jair Bolsonaro e em São Paulo, com João Dória Jr.
Trata-se de um pacto clássico, no qual o Executivo garante o apoio da Câmara, com oferta de cargos; dos poderes, com aumento de orçamento; e do mercado com desmonte selvagem do Estado. Tudo à custa de cortes em áreas essenciais, mas dotadas de baixo nível de influência corporativa.
O fio condutor é o desmonte do Estado, com preservação dos ganhos das corporações aliadas – Forças Armadas e Supremo, no Executivo Federal; Justiça, no caso de São Paulo. A conta será paga pela área social – com cortes nas verbas de educação, saúde, tecnologia. Enfim, nada diferente dos pactos clássicos do liberalismo selvagem, ultimamente aliado de presidentes trogloditas, como nos EUA.
Esses movimentos tem o efeito da fábula do sapo na panela com água quente. Todos se acomodam, permitindo a Bolsonaro avançar em seus objetivos de implementar um estado de exceção, não mais através de golpes truculentos, como desenhou semanas atrás, mas do avanço discreto e sistemático sobre as instituições.
O Xadrez terminava com uma constatação óbvia: “Julgar que Bolsonaro pode ser eternamente domesticado é a mesma coisa que dar uma dieta vegetariana para uma hiena, e apostar que nunca mais ela voltará a gostar de carniça”.
Os principais pontos do acordo estão se materializando rapidamente.
Introdução – a transformação do bolsonarismo
Bolsonaro assumiu a presidência da República dividindo o palco com dois personagens que atuavam como uma espécie de âncoras políticas: Sérgio Moro e Paulo Guedes. Moro garantia a adesão de parte da mídia e dos setores empresariais e da classe média; Guedes, a adesão do mercado.
Mas Bolsonaro não admitia dividir comando.
Primeiro, tratou de se desvencilhar de Moro humilhando-o seguidamente. Não contava com a capacidade de subserviência de Moro, que resistiu durante bom tempo a todas humilhações públicas. Saiu quando Bolsonaro resolveu acabar com o aparelhamento de Moro na Polícia Federal, substituindo por seu próprio aparelhamento.
Fora os estampidos dos primeiros dias, a saída de Moro significou o fortalecimento de Bolsonaro e a possibilidade de avançar sobre os sistemas de repressão – da Polícia Federal, através do Ministro da Justiça; a Controladoria Geral da República (CGU); e dos sistemas de inteligência.
Mas continuava com resistências na Câmara e no STF.
Bolsonaro tentou, então, partir para o confronto final.Acentuou seu estilo de se fiar exclusivamente na militância radical. Seus arroubos foram interrompidos quando o STF (Supremo Tribunal Federal) o enfrentou através de dois episódios de corte: a ofensiva do Ministro Alexandre de Moraes contra as fake news e as medidas do Ministro Celso de Mello em relação à reunião ministerial de abril.
Ao mesmo tempo, o Supremo dava início a uma estratégia política habilidosa visando conter as pirações bolsonarianas. Dias Toffoli administrava os arroubos de Bolsonaro; Gilmar Mendes atuava como mediador junto ao Congresso e às Forças Armadas; enquanto Luis Roberto Barroso mediava lives de youtubers, já que o STF não é de ferro. E, na Câmara, Rodrigo Maia comandava uma frente contra os terraplanismos legais.
Bolsonaro tentou o golpe contra o Supremo, mas não obteve respaldo das Forças Armadas.
Ali, caiu a ficha de Bolsonaro sobre as ameaças representadas pelas investigações do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro sobre as rachadinhas e a possibilidade concreta dos filhos serem julgados, condenados e presos.
A partir dali, começa a ser desenhado o novo pacto, com Bolsonaro sendo convencido a se enquadrar, substituindo o estilo de ditador sem noção, pelas ferramentas básicas do populismo de direita, e a seguir nova estratégia para tomada definitiva do poder.
Ali começou a tomar forma a verdadeira ameaça de Bolsonaro.
Peça 1 – o pacto da popularidade
Os filhos mudaram a forma de mobilização da ultradireita, trocando as redes sociais por grupos de WhatsApp. Sem a barulheira infernal que provocavam, as Forças Armadas passaram a fechar os olhos para a nova legislação de armas e para o controle sobre a Polícia Federal, que esvaziou os centros de fiscalização do contrabando de armas em Itaguai.
O segundo fator de ajuste de conduta foram os resultados da renda básica na sua popularidade, inclusive em redutos anti-bolsonaristas como o Nordeste. Ali começou a desmoronar a crença supersticiosa de Bolsonaro em Paulo Guedes e a se desenhar um caminho óbvio: o da retomada dos investimentos públicos como maneira de recuperar a economia e garantir a reeleição.
Houve um primeiro desenho, com o Pró-Brasil, fuzilado por Guedes na infausta reunião ministerial de abril. Mas a lógica dos investimentos públicos passou a crescer cada vez mais. E a megalomania de Guedes condenou-o. Não cedeu em nenhuma frente e, publicamente, quanto mais enfraquecido mais se colocava como âncora de Bolsonaro. Sua última declaração deve ter calado fundo no coração pequeno de Bolsonaro: “Bolsonaro tem plena confiança em mim; assim como tenho plena confiança em Bolsonaro”, assim, ambos no mesmo plano.
A recuperação da popularidade é peça essencial para consolidar os demais pactos.
Peça 2– o pacto com a Câmara
O segundo pacto foi a recomposição da base política com a aliança com o centrão, substituindo as lideranças radicais novatas por velhas raposas e leiloando o setor público para sobreviver – como fizeram, anteriormente, Fernando Henrique Cardoso e Lula; e como não fizeram Fernando Collor e Dilma Rousseff.
Peça 3 – o pacto com as Forças Armadas
Não foram necessários dois dias para confirmar o pacto com as FFAAs, descrito no Xadrez. Na segunda-feira foi revelado que o orçamento da Defesa superará o da Educação. E, sem o desgaste das declaração estapafúrdias, será mais simples para as FFAAs fechar os olhos para abusos óbvios de Bolsonaro.
Gradativamente as FFAAs deixaram de ser ponto de apoio – como em qualquer democracia moderna – para assumirem a linha de frente da Saúde, do Meio Ambiente, dos setores de inteligência e, agora, dos planos de investimentos públicos.
Em troca, fecham os olhos para o aumento das vendas de armas para a população e para a expansão (agora discreta) do radicalismo bolsonarista. A infiltração cada vez maior de militares na máquina pública facilitará enormemente os planos de continuísmo do bolsonarismo.
Peça 4 – o pacto com o mercado
O novo pacto desenhado, como descrito no Xadrez, tornará Paulo Guedes descartável. Até agora Guedes se mostrou um operador ineficiente, criando problemas com a Câmara e sem capacidade de gerenciamento de sua equipe. O mercado quer queima de estatais e desmonte do Estado – apenas isso.
Ao mercado, será oferecida a privatização selvagem, tanto no Executivo federal quanto em São Paulo.
O novo desenho de orçamento privilegiará as corporações aliadas – Forças Armadas com Bolsonaro; Tribunal de Justiça, em São Paulo. A conta será paga com restrições aos gastos sociais, redução de verbas para educação, saúde, financiamento da inovação etc. Em síntese, repetindo os pactos imemoriais de uma sociedade atrasada.
A mídia cumpre adequadamente seu papel, demonizando qualquer gasto do Estado.
Peça 5 – o pacto com o Supremo
Sem destaque, o STF tem atuado firmemente contra direitos sociais e no desmonte do modelo de Estado. Cometeu um erro crasso, mas provavelmente intencional, de permitir a privatização de subsidiárias de estatais, sem aprovação do Congresso. Ali teve início os grandes negócios do momento, com subsidiárias sendo vendidas sem maiores cuidados provocando um esvaziamento gradativo da lógica econômicas das grandes estatais.
Tudo isso sem nenhuma discussão, sem a menor preocupação em organizar audiências públicas para melhor entender as consequências de cada decisão. Sua única missão cívica é usar as ferramentas de Pavlov para manter Bolsonaro sob controle. Quando ele ameaça ultrapassar a linha democrática, leva um choque e recua.
Paradoxalmente, é esse movimento de contenção que fortalece a estratégia mais perigosa, de tomada gradativa dos poderes de Estado através da cooptação e da infiltração em todas as instituições.
Peça 6 – os alertas de Fachin
O Ministro Luiz Edson Fachin tem dupla militância. No STF, tem sido o principal agente da destruição do sistema político, abrindo espaço para o bolsonarismo. Vez por outra, participa de algum evento e, chamado para palestrar, relembra o finado jurista Fachin, defensor das grandes causas.
Na última vez, citou o livro “Como as democracias morrem”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, para alertar para os riscos no caminho da democracia brasileira. Para Fachin, o Brasil está em recessão democrática, com o incentivo à violência, a demonização dos adversários e as ameaças de não aceitar derrotas para as urnas.
Não há nenhuma esperança que o Ministro Fachin abra algum espaço para o jurista Fachin poder ressurgir das sombras e acordar o Supremo para a ameaça óbvia à democracia, representada pelo novo-velho Bolsonaro.
Nem se percebe nenhum sinal de vida nas forças de oposição, inertes, acomodadas em denúncias óbvias contra Bolsonaro, mas sem capacidade de articular qualquer linha de resistência.