quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Xadrez de como Deltan liberou peça-chave do escândalo do porto de Santos por interesse próprio, por Luis Nassif



Ou seja, o episódio é mais do que simpatia quase amor, nascido de um encontro fortuito entre Patricia e seu anjo protetor Dallagnol.

Do GGN:



O último capítulo das gravações da Lava Jato traz um novo personagem: a empresária Patrícia Tendrich Pires Coelho, que apareceu em uma operação da Lava Jato e foi liberada sem ser incomodada. Patrícia é mais do que uma mera empresária agraciada por um gesto simpático de Deltan Dallagnol, depois de ter doado R$ 1 milhão para o Instituto MUDE, criado para promover as tais 10 Medidas. Ela é figura-chave para desvendar o escândalo da MP dos Portos, pela qual foi acusado o então presidente da República Michel Temer.
Entenda o que ocorreu.

Peça 1 – o encontro de Deus de Deltan

Patrícia se encontrou com o procurador Deltan Dallagnol em circunstâncias não reveladas nos diálogos do The Intercept. Declarou-se uma defensora da luta anticorrupção e foi convencida a doar R$ 1 milhão para o Instituto MUDE – uma ONG criada na Igreja de Deltan para defender as 10 Medidas Contra a Corrupção.
Patrícia é proprietária da Asgaard Navegação S.A., fornecedora de navios para a Petrobras, e da Mlog, empresa de mineração e portos. Já trabalhara no Opportunity, de Daniel Dantas, e tinha proximidade com André Esteves, do BTG Pactual, e com Eike Baptista, três dos mais notórios personagens do mercado de capitais e cambial brasileiro.
O encontro com Patrícia ocorreu em 28 de junho de 2016, em “uma viagem”, diz Dellagnol, que atribui a Deus a coincidência da viagem ter lhe permitido conseguir recursos para o MUDE.
Logo depois, Dallagnol foi avisado por membro do grupo do MUDE no WhatsApp das ligações suspeitas da empresária. Os alertas não foram considerados. No dia 8 de setembro Dallagnol voltou a se encontrar com ela no Rio de Janeiro e novamente foi alertado sobre suas possíveis intenções. “Me pergunto se ela quer ‘ficar bem’ com o MPF por alguma razão”, especulou seu interlocutor.
No dia 25 de outubro de 2017 o nome de Patrícia apareceu na Lava Jato, como sócia do grego Kotronakis, envolvido em um afretamento da Petrobras. Ela telefonou para Dallagnol informando que tinha só 1% da empresa.

Peça 2 – as jogadas da empresária de Deus

Em julho de 2019, a Lava Jato denunciou os sócios de Patricia na Asgaard Navegação, o ex-senador do PMDB Ney Suassuna, e Georgios Kotronakis, filho do ex-cônsul honorário da Grécia no Rio de Janeiro.
Segundo levantou a Lava Jato, Suassuna teria se associado a Patrícia para participar do Grupo Superpesa, de transporte rodoviário e marítimo, e operação de terminais, então em situação delicada. O relatório indicava que Suassuna e Patrícia se tornaram sócios da empresa. Patricia tornou-se vice-presidente do Conselho de Administração, e sua outra empresa, Voga Empreendimentos e Participações Ltda. Foi contratada para prestar consultoria à Superpesa.
Segundo o inquérito, “cumpre destacar duas medidas adotadas por Ney Suassuna e Patrícia Tendrich para tentar salvar o Grupo Superpesa: i. foram recrutados os serviços de Jorge Luz e Bruno Luz, os quais possuíam amplo acesso ao alto escalão da Petrobras (principal cliente do Grupo Superpesa) e, como é sabido hoje, valiam-se da prática de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro para conseguir alavancar negócios dentro da estatal; e ii. foram estabelecidas tratativas para captação de investimento do armador grego Tsakos Energy Navigation”.
Ou seja, mesmo com todas as indicações da participação de Patricia nos esquemas, ela foi poupada de denúncia.

Mas não ficou nisso.

Peça 3 – os escândalos do porto de Santos

Um aprofundamento maior da história de Patricia vai mostrar ganhos mais substanciais com a Lava Jato.
Em setembro de 2017 estourou a notícia de que o Consócio Santos Brasil, que venceu a concessão para operar o Tecon, maior terminal de container do país, no porto de Santos, tinha fraudado a licitação (clique aqui).
A principal concorrente da Libra é a Santos Brasil, do banqueiro Daniel Dantas. Em vídeo de três anos antes, o empresário Arthur Joaquim de Carvalho, sócio do Opportunity, confessou a fraude na formação do consórcio em 1997. O Grupo Libra entrou no consórcio disfarçadamente, através de um fundo de investimento do grupo. Portanto, haveria um cartel disfarçado no posto. O escândalo explodiu em setembro de 2017, levando o Ministério Público Federal a investigar (clique aqui)
Em outubro de 2017 estourou o escândalo da Medida Provisória dos Portos, envolvendo diretamente o então presidente Michel Temer. Delação do operador Lúcio Funaro indicava que Temer havia pedido ao deputado Eduardo Cunha para defender interesses de empresas portuárias durante a tramitação da MP dos Portos, em 2013 (clique aqui)
Um dos interessados era o grupo Libra, um dos padrinhos de Temer. O grupo não conseguiria renovar suas concessões portuários devido ao fato de ter vários débitos fiscais inscritos na dívida ativa, em um total de mais de R$ 2 bilhões. Cunha incluiu na MP uma cláusula permitindo às empresas inscritas na dívida ativa renovar seus contratos desde que ajuizassem arbitragem para discutir o débito tributário. Na delação, Funaro relatou conversas com Daniel Dantas, do Opportunity, acionista da Santos Brasil.
Ou seja, o Grupo Libra entrou “sem aparecer” no Consórcio da Santos Brasil; e Dantas entra “sem aparecer” nos esquemas de propina Cunha-Temer operados pelo Grupo Libra.

Peça 4 – Patrícia, a testemunha-chave

E aí Patrícia entra na história. No mercado do Rio, sabe-se que ela trabalha é operadora de Daniel Dantas. Ainda em 2017, notas publicadas na imprensa informavam que ela havia adquirido o controle dos Terminais Portuários Libra, e sua companhia de navegação, associada a armadores estrangeiros. Há boa probabilidade de que seja novo movimento de Daniel Dantas.
Em 8 de fevereiro de 2018, Patricia foi afastada da MLog, onde era CEO, e submetida a um processo judicial por violação de seus deveres fiduciários, para privilegiar os interesses dos acionistas controladores em detrimento dos interesses da própria empresa.
Tem-se, então, os seguintes fatos:
  1. Um escândalo graúdo no porto de Santos, envolvendo as concessionárias Libra e Santos Brasil.
  2. O próprio presidente da República Michel Temer acusado de ter levado propina para emitir a Medida Provisória dos Portos, que beneficiava as antigas concessionárias.
  3. A Lava Jato chega a uma figura-chave, Patrícia, que poderia detalhar as ligações Libra-Santos Brasil-Eduardo Cunha. E é liberada sem ser incomodada.
  4. Um membro do MUDE, auditor da Price Waterhouse, alerta Dallagnol sobre as ligações de Patrícia. O alerta é ignorado.
  5. A pedido de Dallagnol, a empresária doa R$ 1 milhão para o Instituto MUDE.
Ou seja, o episódio é mais do que simpatia quase amor, nascido de um encontro fortuito entre Patricia e seu anjo protetor Dallagnol.

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