segunda-feira, 29 de junho de 2020

Xadrez da alma brasileira e desembargador "catavento" que tentou livrar Flávio Bolsonaro



Tornou-se um militante ativo do bolsonarismo, inclusive nas disputas com governadores, sendo retuitado pela deputada (e ex-promotora) Bia Kics.

Peça 1 – o país sem caráter

O Brasil é um país sem caráter. Homens públicos, meritíssimos, políticos, jornalistas, seguem a máxima do bambu. Conferem a direção dos ventos e vergam, para não quebrar e para aproveitar o embalo das ondas. Não há apego a valores, a princípios.
O sujeito levanta, toma banho, vai ao closet e veste a roupa adequada para o dia.
Os ventos sopram a favor dos direitos? Sejamos garantistas. Mudam em favor do punitivismo? Viremos punitivistas. O que importa é a boa explicação. Que tal enquadrar o punitivismo, o “em dúvida, pró-sociedade”, na relação das medidas iluministas? Iluminismo é uma bela palavra e, assim como o creme de leite, ajuda a adoçar qualquer porcaria.
É por isso que garantistas de antes de ontem, se tornam punitivistas implacáveis de ontem, garantistas destemidos de hoje e, provavelmente, punitivistas implacáveis de amanhã. Tudo depende do rumo dos ventos.
Daí, nenhuma surpresa com a história do desembargador Paulo Rangel, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Peça 2 – a mão de Deus levando à Augusta Senhora

Rangel veio do Ministério Público estadual e se aproximou da primeira dama Adriana Anselmo, uma advogada ambiciosa que, por conta do casamento com o governador Sérgio Cabral, passou a interferir em todas as indicações do Judiciário – de desembargadores ao Ministro Luiz Fux no Supremo Tribunal Federal (STF), nos tempos que Cabral gozava de prestígio junto a Lula.
Nomeado desembargador em 2010, no seu discurso de posse Rangel contou o milagre e o santo. Segundo seu depoimento, no início da sua campanha para desembargador dizia “não ter apoio de ninguém, apenas de Deus”. Ao procurar uma autoridade ouviu dela, que Deus não votava no órgão especial. Logo veio a resposta divina, a dica de que Adriana Anselmo estava recebendo candidatos para avaliar. Foi o quarto candidato a pedir a bênção a Adriana Anselmo. Foi abençoado e conseguiu o cargo.
Quando recebia algum cliente em seu escritório de advocacia, Adriana Anselmo tinha por hábito ligar para algum desembargador e demonstrar, ao vivo, a intimidade com o meritíssimo. Graças ao marketing e à influência real, seu escritório de advocacia alçou voo.

Peça 3 – a alma sensível querendo o STF

Em 2013, quando Dilma Rousseff se preparava para escolher um novo Ministro do STF, Rangel já havia preparado sua estratégia. Os ventos sopravam em favor dos humanistas, dos garantistas, das pessoas com sensibilidade social
E quem poderia ter melhor coração que nosso Rangel? Luis Roberto Barroso, sem dúvida, que se apresentava como sendo “um homem bom”. Luiz Edson Fachin, é claro, defendendo lideranças rurais e sindicatos. Mas Rangel era homem bom também.
Em entrevista em 2013, explanou com propriedade sobre o espírito de vingança da sociedade e de como influenciava o trabalho do Ministério Público: “As pessoas têm prazer com o mórbido, com o sofrimento alheio. A sociedade é punitiva, é xiita, desde que não seja com ela. Se fizermos uma pesquisa e perguntar para as pessoas: “Vocês querem uma Polícia honesta, limpa e correta, um Ministério Público forte e independente, e um Judiciário implacável?”. As pessoas vão responder: “Sim. Desde que não seja para me processar”.
Foi além: “A sociedade é punitiva. Se for feita uma enquete nacional sobre pena de morte, ela será aprovada. E quem vai para a cadeira elétrica são os pobres, os negros, as prostitutas. Não os do crime de colarinho branco. Por isso que, quando se fala de pena de morte, é preciso pensar na maioria da população que vai sentar naquela cadeira. Essa medida está fora de cogitação”
Em 2015, procurou Dilma Rousseff, os deputados do PT ligados ao mundo jurídico, o Ministro da Justiça, candidatando-se a uma vaga no STF. Levou livros, fez profissão de fé nos direitos individuais e coletivos. Mas perdeu para Luiz Edson Fachin.

Peça 4 – a fase da Lava Jato

Com a campanha do impeachment, os ventos passaram a soprar vigorosamente em direção à Lava Jato. E Rangel, ao lado do amigo Marcelo Bretas, tornou-se um lavajatista de primeira hora. Assim como Barroso e Fachin, e outros homens bons.
Em 2004 em fundou o Instituto de Liberdades Públicas e Ensino Juridico Paulo Rangel, para ministrar palestras e dar treinamento. Foi após uma palestra no Instituto que Deltan Dallagnol teve a ideia de montar uma empresa para intermediar suas próprias palestras.
Segundo Deltan escreveu a Roberto Pozzobon, Rangel “deu o nome de INSTITUTO, que dá uma ideia de conhecimento… não me surpreenderia se não tiver fins lucrativos e pagar seu administrador via valor da palestra. Se fizéssemos algo sem fins lucrativos e pagássemos valores altos de palestras pra nós, escaparíamos das críticas, mas teria que ver o quanto perderíamos em termos monetários” — afirmou Dallagnol.
O nome do evento era “Brasil contra a impunidade”.
Entre as estrelas do evento, Deltan Dallagnol, o juiz Marcelo Bretas e o general de divisão Richard Nunes, Secretário de Segurança do Rio de Janeiro.
Os seminários contam com patrocínio de empresas.
Um sobre o Coronavirus teve o patrocínio da Qualicorp, mostrando a familiaridade de Rangel com o ramo da saúde.
À medida que Jair Bolsonaro foi crescendo nas pesquisas, Rangel rapidamente migrou das bandeiras lavajatistas para aquelas típicas do bolsonarismo. A partir de 2017, já era um bolsonarista-raiz.
Matriculou-se em um clube de tiro, ao lado do colega Marcelo Bretas.
Passou a vociferar contra criminosos de todas as classes e a defender menos Estado e mais armamento.
“Programa de fim de semana com a família! Durante 30 anos no Brasil, entraram em nossas mentes para termos medo de nos defendermos: ‘Nunca reaja’ e onde chegamos? Triplicaram os homicídio (sic), 3x mais entre liberar e não liberar as armas para pessoas de bem! Pensem nisso!”
Tornou-se um militante ativo do bolsonarismo, inclusive nas disputas com governadores, sendo retuitado pela deputada (e ex-promotora) Bia Kics.
Sua demonstração de total lealdade ao bolsonarismo – e ampla deslealdade com a Justiça – se deu no julgamento no qual Flávio Bolsonaro pleiteava prerrogativa de foro, tirando das mãos do juiz Flávio Itabiana. Alegou que seguiu sua consciência.
Em seu livro “Direito Processual Penal”, Rangel era um vigoroso crítico da prerrogativa de foro. No julgamento, atropelou decisão recente do Supremo, baseou seu voto em um voto derrotado na sessão que julgou o caso, foi tão apressado que trocou o autor – era de Dias Tofolli, ele atribuiu a Luis Roberto Barroso.

Peça 6 – as ligações com suspeito de lavagem de dinheiro

Um mês antes, Rangel foi denunciado ao Conselho Nacional da Justiça por ter adquirido uma corretora de seguros, a LPS Corretora de Leandro Braga de Souza, figura central no esquema de lavagem de dinheiro de Mário Peixoto, o cappo do esquema de corrupção na saúde do Rio de Janeiro.
Logo ele, intimorato defensor da Lava Jato e ardente adversário dos crimes de colarinho branco.
A corretora foi criada em 2017. Assim como outras empresas de Braga, provavelmente era utilizada para lavagem de dinheiro. Rangel já tinha bons contatos com empresas de seguro-saúde, conforme se confere no patrocínio da Qualicorp ao seu seminário.
O site da corretora é uma casca sem conteúdo. Há a home, mas os links levam a páginas não encontradas. Não há páginas de “Quem Somos”, “Visão e Valores” e contato.Pois foi Rangel quem colocou a Justiça em xeque, ao atropelar uma decisão do Supremo Tribunal Federal e ao proteger ostensivamente Flávio Bolsonaro.
Nas próximas semanas, o CNJ terá vasto material para avaliar suas atitudes.


Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Assine e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário