sábado, 6 de junho de 2020

Xadrez da guerra híbrida dos generais de Bolsonaro contra o país, por Luis Nassif


O general Pazuello não veio para solucionar a crise de Saúde, mas para alimentar a guerra política. Tudo configura um plano avançado de tomada do poder

Jornal GGN:

Peça 1 – as Operações Psicológicas em curso

“Imagens mostram o que delinquentes fizeram em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. Registros da internet deixam claro quão umbilicalmente ligados estão ao extremismo internacional”.
Essa visão da conspiração internacional é um dos principais componentes do pensamento militar mais radical, especialmente dos militares que passaram a assessorar diretamente Jair Bolsonaro. É uma visão conspiratória que reincorpora os elementos centrais da guerra fria, a luta contra o marxismo cultural e visões conspiratórias comuns à ultradireita.
Um dos pontos centrais é o da guerra psicossocial. Ou seja, os elementos que interferem na vontade nacional, enfraquecendo-a para a tomada do território pelo inimigo. E a maneira de combatê-los através do recursos das chamadas Operações Psicológicas.
É o que está levando o Ministro interino da Saúde, General Eduardo Pazuello a se transformar no maior perigo para a saúde dos brasileiros.
Pazuello passou a boicotar a divulgação de estatísticas sobre o Covid-19, essenciais para qualquer estratégia de combate à pandemia. O país arrisca-se a caminhar às cegas.
Mais que isso, está colocando no Ministério da Saúde um empresário oportunista, Carlos Wizard Martins. Depois de defender a ciência contra o charlatismo, Wizard mudou de opinião, aderiu ao charlatanismo e ganhou um cargo no Ministério. Agora defende a tese de que os índices alarmantes de contaminação são manipulados pelo pessoal da saúde, interessado em conquistar mais verbas. O próximo passo será manipular diretamente as estatísticas, e não apenas boicotar sua divulgação.
A semana culminou com o afastamento de dois funcionários do Ministério, meramente por reiterarem uma nota sobre saúde da mulher – que foi interpretada por Bolsonaro como propaganda do aborto. Pazuello acatou a ordem de demissão sem pestanejar, mostrando total alinhamento com o terraplanismo do governo.
Recentemente, surgiram informações de que os militares na Saúde têm desconfianças sobre a Fiocruz, vista como um centro de pensamento esquerdista. Nada diferente do pós-64, que provocou o exílio de alguns dos mais renomados cientistas brasileiros.
São vários os indícios que permitem prever que Pazuello irá se dedicar às chamadas Operações Psicológicas, tratando o Covid-19 como um caso de guerra política, dentro da estratégia de confronto e de negacionismo de Bolsonaro.
Para entender seu comportamento, é preciso uma rápida passada pelos novos conceitos de segurança nacional que passaram a influenciar militares de todos os países, a partir das Torres Gêmeas e do fracasso da Guerra do Iraque. E a maneira como a ultradireita se apropriou dos conceitos para sua guerra cultural;

Peça 2 – os ideólogos da segurança

No GGN, abordamos em vários artigos o papel do Atlantic Council – uma associação de lobby americana, com grande penetração no Departamento de Estado
O grande ideólogo da nova  doutrina de segurança é Harlam Ulmann, conselheiro da organização. A partir do atentado às Torres Gêmeas, Ulmann desenvolveu uma nova teoria de defesa, na qual os grandes adversários da democracia não seriam mais países, como a Rússia ou a China, mas grupos anti-globalização, atuando nas redes sociais.
Em um artigo intitulado ‘War on Terror Is not the Only Treat’, Ullman afirma que, “mudanças tectônicas estão reformulando o sistema geoestratégico internacional”, argumentando que não são as superpotências militares, como a China, mas “atores não estatais”, como Edward Snowden, Bradley Manning e hackers anônimos que representam a maior ameaça para o Westphalian System, porque eles estão incentivando as pessoas a se tornarem auto capacitadas e eviscerar o controle do Estado.
Ele conclui que a eliminação de agentes não estatais e indivíduos capacitados “deve ser feita”, a fim de preservar a nova ordem mundial.

Peça 3 – os princípios conspiratórios

Em abril do ano passado, no “Xadrez da ultradireita e do pensamento militar brasileiro”, procurei destrinchar um pouco esses princípios.
No Brasil, esse tipo de pensamento avançou em duas frentes. Uma, a pensamento militar radical, cujo maior representante foi o general Sérgio Augusto de Avelar Coutinho, falecido em 2011. A principal obra do general Sérgio é “Revolução Gramcista no Ocidente, de 2002 e reeditado pela Biblioteca do Exército em 2010.
Esse tipo de pensamento se expandiu quando membros do Ternuma – site que juntava ex-militares defensores da ação dos porões da ditadura – passaram a se aproximar de blogueiros porta-vozes da nova ultra-direita. Dizia um dos militares do Ternuna, mencionado no Xadrez:
“Aproximei-me, então, ainda mais do Gen Coutinho, até porque fiquei responsável por remeter ao Reinado Azevedo um exemplar do livro “A Revolução Gramscista no Ocidente”. A história da maneira pela qual o General decidiu estudar Gramsci, na idade em que muitos de nós mal tem paciência para ler o jornal, dá um pouco da dimensão deste homem”.
A primeira vez que ouvi Arnaldo Jabor falar em “comunismo viral”, julguei que fosse apenas mais um roteiro teatral para atender à demanda da mídia por cronistas vociferantes. E menciono Jabor porque os colunistas que assumem a ultra-direita em fins da década de 2.000 – especialmente Jabor e Reinaldo Azevedo – se tornam os principais instrumentos de divulgação dessas ideias.
Jabor citava Jean Baudrillard e voltaria a citar inúmeras vezes. Segundo Baudrillard, “o comunismo, hoje desintegrado, tornou-se viral, capaz de contaminar o mundo inteiro, não através da ideologia nem do seu modelo de funcionamento, mas através do seu modelo de desfuncionamento e da desestruturação da vida social” – vide o novo eixo do mal da América Latina.
A disseminação da tal guerra cultural foi tão ampla que a jornalista Mirian Leitão acusou o então presidente do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), professor Carlos Lessa – falecido ontem, com várias homenagens inclusive no jornal O Globo – de proceder à “lavagem cerebral” dos funcionários do banco, conforme lembraram ontem amigos de Lessa reunidos em uma live da TV GGN.
No ano passado, um paper para discussão, do professor Eduardo Costa Pinto, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), trouxe luzes sobre as ideias que ajudaram a moldar a nova face do anticomunismo no Exército: a luta contra o marxismo cultural,
Segundo o autor, as influências centrais, tanto do general Coutinho, como de Olavo de Carvalho, foi o pensamento neoconservador norte-americano dos  anos  1980  e  1990,  “mais especificamente  o  ramo  denominado  “paleoconsertives” com raízes fincadas no coletivismo de direita americana da década de 1920 e 1930, de oposição ao New Deal”.
Sustentava-se no tripé pequeno governo (descentralização das funções de governo articulado com a auto governança/comunitarismo), anticomunismo e valores tradicionais (civilização ocidental e judaico-cristã).
Esse conservadorismo ressurge agora no movimento denominado de “alt-right”, com ênfase ainda maior na guerra cultural, “pois a cultura  e  a moralidade  americana  estariam  sendo  destruídas”. Os instrumentos de destruição seriam o multiculturalismo e o “marxismo cultural” sendo manobrado por acadêmicos, militantes, jornalistas.
Esses argumentos foram desenvolvidos após o fim da União Soviética, como forma de manter alimentada a indústria do anticomunismo.
Não foi por coincidência, alguns dos ideólogos eram ligados ao pensamento militar. Foi o caso de William Lind, que, em 1989, foi o primeiro a cunhar o termo de guerra de 4a geração, que depois seria rebatizada de ““guerra híbrida”, cujo objetivo era “obter  vantagens  com  as mudanças  políticas,  sociais,  econômica  e  tecnológica  em  virtude  do  aumento  da complexidade com adversários não estatais (terroristas, grupos revolucionários, etc.)”.
A grande ameaça, segundo Lind, seria a ideologia do multiculturalismo, “no qual o confronto ideológico-militar se dá entre os Estados Unidos da América (e de Israel) de um lado e o MCI, Movimento Comunista Internacional  (e os países islâmicos) de outro”.
É por esses mares que singrava o barco do general Coutinho e do jornalismo de ultradireita da época. De acordo com Costa Pinto, para o Gal. Coutinho os socialistas e comunistas (internacionais e nacionais) estariam infiltrados no discurso do politicamente correto:
1) nos partidos como FHC (vinculado ao fabianismo que teria como importantes representantes Soros, David Rockefeller,  Bill  Clinton,  entre  outros)  e  como  o  Lula  (articulado  com  Fidel  Castro organizados do Foro de São Paulo);
2) nas ONG´s;
3)  nas escolas e Universidades;
4) nos meios de  comunicação;
5)  nas manifestações artísticas;
6)  nos movimentos sociais (ambientalistas, movimento  negro,  LGBT,  MST,  etc..).
Como declarou o General Augusto Heleno na época,
“(…) Da Intentona de 1935, passando pela luta armada de 1960, até os governos de FHC e do PT, os comunistas e socialistas continuam como o mesmo objetivo: “realizar a revolução socialista””

Peça 4 – os novos ideólogos da guerra cultural

Olavo de Carvalho é uma espécie de caricatura e com uma característica antimilitarista. Os principais ideólogos das chamadas Operações Psicológicas são Luiz Antonio P; Valle, sócio diretor da LAPV Consulting, e Clynson Oliveira, tenente-coronel do Exército Brasileiro. A bíblia desse  pessoal é a edição brasileira da revista Military Review, apresentada como “Revista Profissional do Exército dos EUA”.
Nela são divulgados artigos sobre o papel das redes sociais, sobre guerras híbridas, sobre o papel dos militares frente o fenômeno das redes sociais. Mas sempre dentro de uma perspectiva de Forças Armadas,
Não os confunda com a caricatura desse pensamento, cujos representantes maiores são o general Augusto Heleno e Hamilton Mourão, que trabalham em função de um projeto pessoal de poder de Bolsonaro.
O trabalho “A Ética das Operações Psicológicas”, do Tenente-Coronel Clynson Silva de Oliveira, é de bom nível e visa orientar os militares a como se comportar frente o inimigo em dois cenários: junto ao público interno e ao internacional.
Para uma ação ter legitimidade, não pode suplantar certos limites éticos.
“Portanto, estudar a ética nesse novo mundo, onde a percepção prevalece sobre a ação, onde para agir é necessário justificar, e para justificar tem que se ter um argumento que convença a opinião pública mundial, é necessário compreender qual o limite entre o certo e o errado nas relações internacionais”.
O trabalho mostra os resultados de uma ampla pesquisa feita com pessoas da defesa, diplomacia, ciências sociais e outras áreas especializadas sobre a ética, para entender os limites das chamadas Operações Psicológicas, aquelas que tratam diretamente de informação e de combate junto à opinião pública.
As principais conclusões do artigo:
Os temas Solidariedade, reforço da Vontade Nacional, Defesa da Pátria e Garantia da Lei e da Ordem são aqueles que têm maior apelo à opinião pública e onde se pode encontrar maior índice de eticidade.
Pode-se inferir que o Pub A pesquisado admite o uso de ferramentas de Op Psc quando a justificativa da ação é a defesa da nação.
Aparentemente, ao aplicar os princípios das Operações Psicológicas em defesa de Bolsonaro, o general Pazuello desconsiderou as principais conclusões do trabalho.
“As proposições de números 05 e 06, que tratavam do uso de ferramentas de Op Psc com o prejuízo das liberdades individuais ou de acordos internacionais firmados pelo País, tiveram uma baixa aceitação, com menos de 50% de respostas “sim”.
Portanto, analisando essas respostas, verifica-se que a falta de legalidade ou de legitimidade de uma ação do Estado tende a ser diretamente proporcional à baixa aceitação dessas ações.

Peça 5 – o fantasma da ANTIFA

O site Defesa.net é o principal porta-voz dos grupos mais radicais. E reflete melhor o pensamento mais anacrônico dos militares do Palácio.
O artigo “O que você precisa saber sobre os protestos violentos para não ser idiota”, do coronel Fernando Montenegro, apresentado como  das Forças Especiais do Exército, comandante da Ocupação do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, é significativo desse pensamento linha dura. Como sua análise das manifestações americanas:
“Mesmo com a rápida ação do Estado americano na repressão aos policiais, uma onda de protestos violentos foi desencadeada. O grupo que está por trás das ações extremistas é a ANTIFA, organização de extrema esquerda, que normalmente também usa camisas negras e é patrocinada pelo especulador e globalista internacional George Soros para disseminar ódio e violência. Nesse caso, o que interessa é promover o caos, não interessando se talvez o mesmo tipo de abordagem desastrada poderia ter sido feito em um branco, o importante é divulgar uma narrativa de que houve racismo”.
Nos comentários, leitores tentam enquadrar o Movimentos dos Sem-Terra nos grupos terroristas abrigados na ANTIFA.
Em outro artigo, o General de Exército da reserva, Carlos Alberto Pinto Silva, Ex-comandante do Comando Militar do Oeste, do Comando Militar do Sul, sintetiza bem o pensamento dos militares de Bolsonaro:
“Estão acontecendo atividades de desestabilização do governo para a tomada do Poder por meio, entre outros, dos seguintes fatos
– obrigar o governo a se curvar frente ao sistema político e a burocracia derrotada em outubro de 2018;
– ensaio de um  caos político com a tentativa de desestabilizar o governo, e com um caos econômico e social como consequência da Pandemia, fazendo com que a dúvida e a insegurança dominem todas as ações e a nossa capacidade de indignar-se e reagir;
– distorção da realidade política do Brasil coloca a responsabilidade em tudo que acontece no atual governo;
– campanha midiática, contrária ao governo, planificada e constante no campo interno e externo, reforçada agora em época de Pandemia;
– algumas empresas da mídia adotaram explicitamente o papel de antagonistas ao governo, e estão fazendo de tudo para desestabilizá-lo, o que querem é o retorno da posição que ocupavam no passado, o que não vai acontecer se o Presidente Bolsonaro continuar no Poder;
– críticas ao governo por membros do Poder Legislativo e do Judiciário, que podem ser interpretadas como interferências indevidas no Poder Executivo;
– possibilidade de ações de agroterrorismo para prejudicar a economia e colocar a culpa no governo;
– constante ameaça de impeachment feita por políticos[6] e membros da sociedade, e,
– frequente interferência do Poder Judiciário em seara que não lhe compete.

Peça 5 – o papel das instituições

Por tudo isso, o fator tempo é crucial. O general Pazuello não veio para solucionar a crise de saúde, mas para alimentar a guerra política. O desmonte do sistema de informações sobre o Covid, a montagem de bancos de dados nacionais pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o emprego a milhares de militares no governo, as medidas que liberaram a venda de armas para a população civil, tudo isso configura um plano avançado de tomada do poder.
Nunca o país dependeu tanto do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral como agora.

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