sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Golpe não se improvisa, mas para derrubar golpistas precisa de trabalho, por Rogério Maestri

 

As contradições internas desse atual governo de golpistas é tão grande que elas estão mostrando suas fissuras sem que a oposição explore exatamente esses pontos frágeis.

Jornal GGN:

Golpe não se improvisa, mas para derrubar golpistas precisa de trabalho

por Rogério Maestri

Há vários anos venho colocando uma frase que quase se tornou um bordão por minha parte, que golpe não se improvisa. No início colocava essa expressão para desconfigurar a tentativa exitosa de derrubar a Presidente Dilma, porém com o impeachment fajuto que empregaram contra a presidenta achei que tinha avaliado mal a situação e que as forças de direita conseguiram um golpe com extremo sucesso, entretanto para que se configure um golpe exitoso precisa-se antes de tudo produzir um regime estável onde as forças golpistas dominem o cenário que deve ser constituído pelas seguintes características:

  1. A derrubada de um regime legalmente instituído através de trapaças e artimanhas.
  2. A colocação de um representante no lugar que execute todos os desejos dos golpistas.
  3. Que o representante dos golpistas seja estável o suficiente para reproduzir a médio prazo os desejos dos golpistas.
  4. Uma regra de sucessão clara dos governantes ou um ditador com capacidade de se manter or longo prazo.
  5. Um apoio incondicional e sem dissensos das forças armadas.
  6. Que as forças políticas que foram retiradas do poder sejam acachapadas politicamente.
  7. Uma proposta ideológica clara que unam os idealizadores e gestores do golpe.
  8. Uma proposta econômica que consiga contrapor com a proposta do poder deposto.

O golpe de 1964 teve todas essas características e o seu êxito não foi devido as forças militares que o apoiavam, mas sim por todas as composições de forças que conseguiram eliminar a oposição, primeiro a constitucional e depois a armada

O último golpe começou mal por vários fatores, golpes baseados em falsidades jurídicas, apoio maciço dos meios de comunicação do mainstream, uma base de apoio frágil, uma proposta ideológica conflitante entre vários setores dos golpistas e um apoio parcial das forças armadas, mais mantidos por razões claramente fisiológicas do que por razões ideológicas.

Mas no lugar de colocar curtas frases que podem parecer sem sentido para muitos, vamos explicar cada uma das contradições dos atuais golpistas.

Começando com a base jurídica empregada para derrubar o grupo anterior no governo, num sistema onde não haja uma censura que permita perpetuar as mentiras utilizadas para depor o antigo regime, elementos que não estão perfeitamente alinhados com os golpistas, por razões éticas ou mesmo pragmáticas à medida que as contradições econômicas que começam a surgir ao longo do tempo, começa-se a desmontar o castelo de cartas ou de mentiras montados para criar o golpe. Como os interesses dos diversos grupos do poder não são contemplados, mesmo parcialmente, pelos sucessores golpistas a farsa jurídica começa a ruir, e quanto mais ela se deteriora mais fica difícil e menor são os grupos que a sustentam.

A base de apoio dos atuais golpistas é frágil, pois numa sociedade complexa como a brasileira os interesses são conflitantes, por exemplo, o assedio aos militares através de cargos e favores contrariam aquele ditado que cada homem tem seu preço, mas para muitos esse preço é bem mais alto que pode se pagar com um cargo comissionado que é puramente representativo, mas que as pressões que veem de fora ou mesmo da própria família, fazem com que os agraciados com pequenas ou médias benesses não atinjam a capacidade desses se venderem ao suborno pois com esse vem a vergonha inclusa. Outro exemplo, o guru dos filhos do presidente se diverte em ofender nos seus vídeos de forma grosseira todas as forças armadas, isso para quem não está dentro do sistema acima descrito, cria fortes tensões que em determinado momento será mostrada.

Outro ponto de fragilidade dos golpistas, também em pessoas armadas, poder-se-á encontrar nas forças armadas, nas polícias militares ou civis. Como diferentemente do que em 1964 a base de apoio dos atuais ocupantes do governo não se encontra nas patentes superiores. Em 1964 os movimentos de reinvindicação das patentes inferiores estavam junto ao governo que foi derrubado, com o golpe milhares dos representantes das dessas patentes foram presos, julgados, expulsos e alguns mortos, daí por diante valeu a hierarquia militar e o medo dos que não foram punidos. No atual momento como a base se inverteu e como a melhoria do soldo só foi dada as patentes superiores, os efeitos da inflação e de outras mazelas que a política neoliberal cria para os de baixa renda, terá reflexo sobre a maior parte dos contingentes, como a base hierárquica é rompida pela própria presidência e quem deverá dar aumento as polícias são os governadores que estão de pires na mão, como sair desse impasse é extremamente difícil ou mesmo impossível.

Se formos falar do apoio aos golpistas nos meios civis, a situação é também confusa, com a atual política adotada de privilegiar as grandes fortunas é uma questão de tempo de imensas faixas da população adotarem a mesma posição que adotaram durante o governo Temer. No início desse atual governo essas bases despolitizadas caíam na falácia que o atual governo seria diferenciado em relação ao anterior, porém com o embarque de malas e bagagens da velha e degastada burocracia governista da base do centrão as ilusões serão perdidas e automaticamente a popularidade do atual governo chegará a níveis do anterior, ou seja, praticamente nula.

Alguns pensam que haverá milícias evangélicas protegendo o atual governo, porém eu diria que devido a prática religiosa de todos os tipos de protestantes esses são uma base muito mais crítica e volátil do que os crentes católicos, não esqueçam que para os protestantes a prática religiosa está baseada na leitura da bíblia e para os católicos é ouvir o que o padre fala.

Quanto ao mainstream dos meios de comunicação, eles mesmo estão conseguindo decretar a sua falência, tanto na capacidade de transmitir informações “credíveis” como na sua falência econômica propriamente dita, ou seja, a credibilidade desses meios de informação são cada vez mais insignificantes. Alguém pode falar das Fake News, porém no lugar de empregarmos o termo em inglês, que no fundo da um ar de importância a elas, se traduzirmos essa expressão para o português como mentira e fofoca, todos sabem que somente para uma pequena parte dos mais ingênuos essas se sustentam por muito tempo.

Quanto a proposta ideológica da sustentação do governo atual, talvez aí tenhamos um dos pontos mais frágeis que ainda não foram devidamente confrontados pela oposição, porque de tão frágil parece até ingênuo demais para uma confrontação séria. A base ideológica dos atuais golpistas é praticamente divergente e dividida em diversas fracções irreconciliáveis, enquanto os elementos centrais seguem uma verdadeira seita ditada por um guru distante em que a disputa ideológica é baseada desde discursos delirantes próximo ao terraplanismo, um núcleo central de uma teoria da destruição dos valores ocidentais que é feita por uma plêiade de socialistas desde os fabianos até os marxistas. Porém o mais incrível e mais delirante dessa teoria é que dentro desses socialistas encontra-se Bill Gates, George Soros, Casal Clinton, Boulos, Lula e qualquer outra pessoa que não siga os interesses do guru. Outro grupo de golpistas são neoliberais que procuram sem a maior convicção seguir pautas ditas conservadoras, como anti-aborto, anti-gaizismo (quem quiser saber o que significa essa palavra que vá procurar noutro lugar) e outras, que satisfazem os seguidores do guru, mas constrangem os neoliberais e a direita tradicional. Junto com esses temos alguns evangélicos, que adotam esse discurso, porém estranham as convicções religiosas do guru. Se a esquerda tivesse mais senso de humor, e explorasse as bizarrices desse ponto de apoio do atual governo abriria uma forte ruptura na base de apoio desse grupo, pois além de bizarros eles são ridículos e contraditórios entre a prática e a teoria. Eu fico abismado quando um ministro das relações exteriores, adepto dessa seita completamente absurda (como são todas as seitas) consegue sobreviver fazendo campanha contra um outro setor de apoio do atual governo os latifundiários rurais ligados a exportação.

Até aqui não explorei a fundo as contradições econômicas desse governo, que com sua pauta de entrega do patrimônio nacional aos grandes oligarcas internacionais, simplesmente retiram dos elementos do baixo clero e também de parte dos “liberais” extremamente dependentes do Estado, que mamam nas suas tetas desde o tempo em que o Brasil deixou de ser chamado Terra de Vera Cruz, ou seja, lá por volta de 1500. Se a esquerda alertasse que os milhares de parentes, amigos e conhecidos com essa entrega do patrimônio nacional perderão a possibilidade de terem algum emprego e chamasse atenção que Miami é pequena demais para toda a burguesia brasileira e lá eles teriam de fazer concorrência com os familiares dos exilados cubanos do tempo da revolução, muitos pensariam duas vezes em propor a entrega do patrimônio nacional para gringos que falam outras línguas além do português ou portunhol e tem diplomas verdadeiros de grandes universidades norte-americanas.

As contradições internas desse atual governo de golpistas é tão grande que elas estão mostrando suas fissuras sem que a oposição explore exatamente esses pontos frágeis. Em resumo, apesar de uma oposição preguiçosa que se preocupa somente em conseguir um carguinho na mesa da câmara ou do senado para colocar seus parentes e amigos, fizesse uma análise precisa das fragilidades da estrutura política dos atuais golpistas, se vê uma deterioração natural da governança deles. E esta preguiça abre espaço para que outra gangue que não é a principal assuma o espaço que deveria ser assumido pela oposição.

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